terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O ARTIGO 185-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR

Segundo o art. 185-A do CTN, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos.

No julgamento do REsp 1377507 (recurso repetitivo), em 26/11/2014, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que para  obter a decretação de indisponibilidade de bens nos executivos fiscais, a Fazenda Pública deverá comprovar  o esgotamento de diligências em busca de bens penhoráveis.

Dentre as diligências da exequente, devem constar a solicitação de penhora on-line, via  Bacen-Jud, e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do sujeito passivo, bem como ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual.

Portanto, o entendimento consolidado pelo STJ é no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos, autorizada pelo art. 185-A do CTN, depende da observância dos seguintes requisitos:

1) citação do devedor tributário; 2)  inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; 3) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos:  (a) pedido de acionamento do Bacen -Jud e consequente determinação pelo juiz e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.

Na decisão, o Ministro Relator Og Fernandes observou que referidas diligências são suficientes para que se afirme que não foram encontrados bens penhoráveis do executado.

O Ministro Relator frisou, também, que o artigo 185-A do CTN foi inserido em capítulo que estabelece garantias e privilégios do crédito tributário, vale dizer, medidas que, por razões de interesse público, buscam aumentar a probabilidade de pagamento pelo devedor.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça


Professora Tutora Liliane Ayala

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

PERSPECTIVAS PARA A TUTELA PENAL DE EXPERIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS EM SERES HUMANOS

A chamada biossegurança, ou segurança na biotecnologia, representa um objetivo político relativamente recente na sociedade que decorre da necessidade de se preservar um certo nível de segurança, com o fim de diminuir ou evitar os riscos inerentes à manipulação genética. A biossegurança compreende ações de prevenção, eliminação ou diminuição dos riscos para a vida e a saúde humana e dos animais, além da manutenção dos seres vivos em seu estado de equilíbrio natural.

A Constituição Federal vigente (CF/88) estabelece que o Poder Público deve preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético (art. 225, § 1.º, II) e controlar a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o ambiente (art. 225, § 1.º, V).

Assim, no âmbito brasileiro é possível identificar que a biossegurança como objetivo a ser alcançado encontra amparo constitucional, constituindo um valor fundamental para a vida em sociedade. Ocorre que o texto constitucional, ao dispor sobre o patrimônio genético do ponto de vista estritamente ambiental, assegurando a integridade e a diversidade biológicas dos ecossistemas existentes no país, não é claro quanto à intangibilidade do patrimônio genético humano.

No campo da biossegurança é de se observar que a inerente imprevisibilidade de todos os resultados possíveis em um experimento com material genético humano, seja por meio de células, tecidos ou mesmo envolvendo pessoas, pode consistir num campo fértil para a expansão do Direito Penal sem qualquer razoabilidade, a ponto de se inviabilizar por completo o desenvolvimento de pesquisas sob o argumento de se evitar o surgimento de novos riscos ao patrimônio genético humano.

E mesmo com a Lei de Biossegurança persiste um hiato legislativo no tocante a pesquisas de biotecnologia envolvendo seres humanos. O texto basilar sobre a matéria ainda é a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde que atua como instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde – SUS, de caráter permanente e deliberativo, cuja missão é a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde[1].

A Resolução 466/12 estabelece em seu item III que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos deve atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes, os quais de acordo com seu item III.1 implicam em:

Ø  Respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida;
Ø  Ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
Ø  Garantia de que danos previsíveis serão evitados;
Ø  Relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.

Como se vê, há uma clara e louvável correspondência entre os fundamentos éticos elencados na Resolução 466/12 e os princípios bioéticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça/equidade. Ocorre que por se tratar de norma administrativa a Resolução 466/12 não fornece a segurança jurídica necessária aos pesquisadores das áreas médica e biotecnológica, servindo tão somente como critério orientador para a interpretação do ordenamento jurídico.

De todo modo, entendemos que qualquer regulamentação legal que venha a ser editada futuramente sobre a matéria não pode se afastar dos princípios bioéticos consagrados na Resolução 466/12, de um lado, e deve observar as exigências de taxatividade, ofensividade e intervenção mínima do Direito Penal, de outro, caso contemple a criação de tipos penais. É de se repudiar a adoção de estruturas “modernizantes” que venham a ampliar ou antecipar indevidamente a tutela penal em detrimento da realização de pesquisas médicas ou biotecnológicas.

Professor Tutor Leonardo Henriques da Silva

Mestre e doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Penal e em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.



[1] In Conselho Nacional de Saúde: Apresentação. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/apresentacao.htm. Acesso em 27.11.2014.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - Reflexão a respeito da decisão abaixo, buscando entender que alguns fatos deveriam escapar da apreciação do direito penal e processo penal e ser analisados até em uma esfera de assistência social.

1ª Turma concede HC à mulher condenada por tentativa de furto de pacote de fraldas

 A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, determinou o trancamento de ação penal contra uma mulher presa em flagrante em março de 2011 e condenada a quatro meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por tentativa de furto de um pacote de fraldas de um estabelecimento comercial em São Paulo. A decisão foi tomada na sessão desta terça-feira (6) no julgamento do Habeas Corpus (HC) 119672, de relatoria do ministro Luiz Fux.

O HC foi impetrado pela Defensoria do Estado de São Paulo em favor de F. B. M. contra decisão de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Perante o Supremo, a defesa pedia a concessão da liminar ao sustentar que o regime inicial para cumprimento da pena deveria ser o aberto, ressaltando a desproporcionalidade da fixação do regime semiaberto, considerados o crime praticado e a pena imposta.

Segundo alegou, F.B.M. já cumpriu mais de 1/6 da pena, uma vez que permaneceu presa preventivamente por dois meses e dez dias, e teria direito ao cumprimento do restante da pena em regime aberto. O ministro Luiz Fux deferiu a liminar em outubro de 2013.

Voto

“Esse caso comprova que atualmente, também no Direito Penal, se tem de avaliar os fatos sob o ângulo da proporcionalidade e da efetividade da justiça criminal”, salientou o ministro Luiz Fux. Ele lembrou que Heleno Fragoso, professor titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em aula inaugural daquela universidade, “protagonizou que não queria um direito penal melhor, queria algo melhor do que o direito penal”. “Já naquela oportunidade tinha essa percepção de que alguns fatos deveriam escapar da apreciação do processo penal e ser analisados até em uma esfera de assistência social”, acrescentou o ministro.

Ele desenvolveu em seu voto não apenas a questão do princípio da bagatela, mas também a influência do princípio da proporcionalidade. “Há casos da vida social em que o estado de necessidade é presumido e, no meu modo de ver, é justamente o que ocorre no caso”, destacou. “Uma mãe que furta um pacote de fraldas de um estabelecimento comercial – e na verdade foi uma tentativa de furto, porque ela foi surpreendida – precisava ser ouvida em outra seara que não fosse a penal”, observou o relator. Para ele, F.B.M. deveria ter um tratamento igual ao que se confere àquele que comete furto famélico.

Em razão da formalidade processual, o ministro Luiz Fux julgou extinto o HC, por inadequação da via eleita, mas concedeu a ordem de ofício para trancar a ação penal. Seu voto foi seguido pela Turma por unanimidade.

Conforme o ministro Roberto Barroso, o Direito Penal no Brasil “está desarrumado” tanto do ponto de vista normativo quanto do filosófico, “e este caso é uma prova cabal disso”. Ele destacou que o sistema penal brasileiro entendeu que deveria ser decretada a pena de prisão, em regime semiaberto, contra F.B.M., “portanto efetivamente, ela está dentro do sistema pela tentativa de furto de um pacote de fraldas descartáveis”. “É preciso pensar o quantum de direito penal, para quem é o direito penal. Certamente essa não é uma forma de lidar com problemas sociais como os que estão envolvidos neste caso”, ressaltou.


Professora Tutora Juline Chimenez Zanetti

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

EMENDATIO LIBELLI: REFLEXÃO


O art. 383, do CPP menciona que - “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”.

§ 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

  § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Com a constitucionalização do Direito Processual Penal seria possível fazer a aplicação literal do art. 383 do CPP? O instituto da emendatio libelli encontra suporte no devido processo legal?

O doutrinador Aury Lopes Júnior, “ressalta que predomina na atualidade o entendimento da “mera correção da tipificação” e, portanto, da aplicação literal do art. 383, sem uma análise aprofundada da questão e da necessária conformidade constitucional.  Portanto, a exigência de contraditório, ainda encontra muita resistência no senso comum teórico e jurisprudencial. O processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, pois o fato processual abrange a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos, mas também da tipificação atribuída pelo acusador”.
Analisando a necessária correlação entre acusação e sentença, Aury Lopes citando Scarance Fernades, diz que “na realidade, o acusado não se defende, como normalmente se afirma, somente do fato descrito, mas também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório”.

Assim, não se pode mais fazer uma leitura superficial do art. 383 do CPP e, principalmente, desconectada da principiologia constitucional.

Vale lembrar que o réu se defende do fato e, ao mesmo tempo, incumbe ao defensor, também, debruçar-se sobre os limites semânticos do tipo, possíveis causas de exclusão da tipicidade, ilicitude, culpabilidade, e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal. É óbvio que a defesa trabalha – com maior ou menor intensidade, dependendo do delito – nos limites da imputação penal, considerando a tipificação como a pedra angular em que irá desenvolver suas teses.

Então se faz necessário observar na emendatio libelli a garantia do contraditório, art. 5º, LV, da Constituição, que impõe a vedação da surpresa.

Referência: LOPES JR., Aury. Direito processual penal / 11. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014


Professor Tutor José Carlos Zanetti

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

GUARDA COMPARTILHADA


O Direito de Família é um dos ramos mais dinâmicos do nosso ordenamento, e seus contornos visam alinhar-se à realidade social, seja pelas jurisprudências e/ou legislações. Neste contexto, acompanhamos mais uma inovação: a iminência da sanção Presidencial ao Projeto de Lei nº 117/2013, aprovado pelo Senado Federal, o qual garante o direito do pai e mãe, ao se divorciarem, adotar o instituto da Guarda Compartilhada, mesmo não entrando em acordo, mas aptos a exercerem o Poder Familiar.

A nova lei modificará os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, do Código Civil brasileiro, tornando a modalidade regra e não mais opção, quando da aprovação da Lei nº 11.698 /2008.

É preciso ter ciência a distinção entre Guarda Compartilhada e Guarda Alternada.

Na Guarda Alternada há privação da participação de um dos pais na formação moral do filho. Pelo fato de encontros ocorrerem somente em intervalos diários, semanais, mensais ou até mesmo anuais, a indignação gerada entre as partes abre brechas para a prática de atrocidades psicológicas como a Alienação Parental. Tais motivos justificam o porquê de ser uma Guarda mal vista pela doutrina.

Por outro lado, na Guarda Compartilhada, a coparticipação dos pais, nos rumos da educação e criação dos filhos, elevam a melhor compreensão do benefício da separação do casal, já não mais em sintonia, conserva o amor e protege diversos princípios constitucionais tutelados por nosso Direito, ora constitucionalizado, dentre os quais destacamos: o da paternidade responsável e o dever mútuo de cuidar.

Parte da doutrina, entusiasmada por sua aprovação, comemora o avanço por ratificar a igualdade entre pais e mães no cuidado e convivência com seus filhos.  Por outro lado, juristas entendem que, em ações litigiosas, sem qualquer consenso, sua obrigatoriedade será um grande tormento.

Mesmo que existam argumentos a favor e contra, a proposta do legislador é mais um marco jurídico em busca da preservação do melhor interesse da criança, é ela quem deve ser levada em consideração.

 Prof. Tutor José Carlos C. Filho


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A RESOLUÇÃO Nº 536/14 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A CELERIDADE PROCESSUAL


Caros leitores, em meados de 23.09.2014 publicamos uma pesquisa realizada pela FGV demonstrando a eficiência em números de cada ministro do Supremo Tribunal Federal.

Em referida pesquisa, houve a divulgação do tempo médio de cada ministro para “julgar liminares”, “publicar os acórdãos” e “devolver processos com pedido de vista”.

Assim sendo, foi possível fazer uma análise individualizada da eficiência do trabalho desempenhado por cada Ministro da corte mais importante do País. Contudo, mais do que ciência da forma de trabalho, foi possível ter conhecimento de um comportamento um tanto quanto alarmante e contrário a toda política divulgada voltada para a eficiência a agilidade do Poder Judiciário.

O primeiro ponto refere-se à demora no julgamento de liminares, chegando a demorar mais de 2 (dois) meses para analisar tal pedido. Como se sabe, um dos fundamentos da liminar é o “periculum in mora”, contudo essa lamentável postura adotada por alguns ministros do STF demonstra claramente o desrespeito e descaso com os motivos que fundamentam e justificam a existência do pedido “liminar”.

O segundo ponto levantado pela pesquisa demonstra uma demora injustificada para a publicação dos acórdãos. De acordo com a investigação publicada foi possível constatar que alguns Ministros chegam a gastar 679 (seiscentos e setenta e nove) dias para realizar a publicação, ou seja, quase 2 (dois) anos somente para dar publicidade a julgado já proferido.

Oras, desnecessário se alongar em demasia, essa morosidade é absurda e fere qualquer direito!!!! Disso isso, pois não existe qualquer fundamento plausível para a excessiva demora para realizar um simples ato processual; Qual seja: encaminhar a decisão proferida ao Diário Oficial, simples assim!

Importante ressaltar que esse comportamento deve ser repudiado, pois essa demora demonstra, na realidade, o verdadeiro descaso de alguns julgadores com o direito ali combatido e pleiteado pela parte.

Com o mínimo de reflexão é possível verificar incalculáveis prejuízos a morosidade injustificada causa a parte. Mais que isso, existe um prazo regimental limitando a 60 (sessenta) dias o período para publicação que é completamente ignorado por diversos Ministros.

Outro ponto relevante é a demora de aproximadamente 200 (duzentos) dias para devolução de autos em caso de pedido de vista. Oras, inexiste justificativa razoável para essa longa espera. Na verdade, tal comportamento corrobora com a lentidão do judiciário e a desmoralização dos princípios basilares da Justiça.

Realizada a reflexão acima, a repercussão da pesquisa realizada e apresentada conseguiu uma repercussão extremamente positiva, pois corroborou o debate e a edição da resolução 536 pelo Supremo Tribunal Federal.

A resolução 536, assinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, mostra consonância com a bandeira defendida de que o Judiciário pode ser mais eficiente. Assim sendo, foi adotada a orientação de que após 60 (sessenta) dias, mesmo sem a aprovação do Ministro responsável, as decisões sejam publicadas. 

Diante do novo comportamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no último mês, houve a publicação de milhares de acórdãos atrasados, representando um verdadeiro recorde em números à Corte.

Assim sendo, deve ser louvado a postura do presidente do Supremo Tribunal Federal, a resolução 536 apresenta inúmeros benefícios para toda a sociedade e corrobora a agilidade e eficiência do judiciário.



Professor Tutor Frederico Thales de Araújo Martos

CAUÇÃO DE IMÓVEL DO FIADOR NO CONTRATO DE LOCAÇÃO: BREVE ANÁLISE REGISTRAL

No cotidiano é comum verificar a celebração de contrato de locação por instrumento particular no qual o fiador (já garantidor) caucione um imóvel seu para tranquilizar o credor/locador em eventual recuperação do crédito não adimplido.

É sabido que o contrato de fiança é contrato e obrigação acessória que tem por finalidade garantir o adimplemento de uma obrigação. Já a caução prestada é uma obrigação acessória à fiança. Assim, vislumbra-se a existência de duas situações: A primeira é a figura da obrigação principal (locação e o aluguel) e o fiador (obrigação acessória); a segunda figura é o Fiador e a caução de um imóvel seu (obrigação acessória - garantia).

Entretanto, diante de tal situação jurídica, alguns Tribunais têm interpretado pela nulidade da garantia que exceda o limite contratual (ou a mais nova garantia), justamente por entenderem que existe uma dupla garantia, o que é vedado pelo ordenamento pátrio (Lei n.º 8.245, de 18  de outubro de 1991, artigo 37, parágrafo único).

Diante de tal situação, os registradores negavam-se a efetuar o registro da caução na matrícula do imóvel apresentada pelo fiador[i], mas não negavam o registro do contrato de locação[ii].

Certo é que hoje já se tem admitido tal registro desde que a caução seja exclusivamente do fiador e não do locatário, caso este pretenda caucionar a locação com um imóvel seu, não poderá haver outra modalidade de garantia.

Outra discussão que se enfrentou é: para a averbação do contrato de locação é necessária a escritura pública ou basta o contrato particular?

Em que pese à discussão estabelecida no Tribunal de Justiça de São Paulo[iii], hoje se admite apenas o instrumento particular e não mais o instrumento público, por força do artigo 38 da Lei de Locação[iv].

Desta forma, hoje tem-se que o registro da caução do fiador em contrato de locação é plenamente possível dispensando-se a necessidade de escritura pública.

Professor Tutor Fábio Pinheiro Gazzi, Mestre em Direito (PUCSP), Pós Graduado em Direito dos Contratos (IICS/CEU), Professor Universitário, Tutor no curso de Pós Graduação em Direito Notarial e Registral (LFG)



[i] Parecer 215/2009-E - Processo CG 2009/26000 TJSP, julgado em 2009;

[ii] Proc. CG n° 2008/32518, TJSP, julgado em 2008
[iii] http://www.irib.org.br/html/biblioteca/biblioteca-detalhe.php?obr=90

[iv]Ora, o ingresso em fólio real de garantia real que tenha por objeto coisa imóvel, referente ao reforço no cumprimento de obrigação oriunda de contrato de prestação de serviços advocatícios, se possível for, só se pode concretizar por registro em sentido estrito, não por averbação: a) a uma, porque não há previsão normativa de exceção para esse tipo de averbação e, conforme já ficou bem definido em precedente da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, apenas em hipótese de locação admite-se, por previsão excepcional de lei específica (Lei nº 8.245/91, art. 38, § 1º), averbação de caução imobiliária (Processo CG nº 110/2005, parecer do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça José Antonio de Paula Santos Neto, decisão do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale, DOE de 01 de abril de 2005); b) a duas, porque não estamos diante da hipótese de incidência do artigo 167, inciso II, item 8, da Lei nº 6.015/73, uma vez que a caução em foco não incide sobre direitos relativos a imóvel, mas sim sobre o próprio imóvel e, deste modo, qualifica-se “como hipoteca” (CSM, Apelação Cível nº 72.696-0/7, da Comarca de Itapetininga, j. 12 de setembro de 2000, rel. Desembargador Luís de Macedo)” CÓRDÃO _ DJ 639-6/8 TJSP, Corregedor Geral de Justiça Relator Gilberto Valente da Silva.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Superior Tribunal de Justiça mantém decisão que possibilita ao credor não aceitar penhora sobre bem de difícil alienação.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve decisão que permitiu ao credor recusar penhora sobre bem dado em garantia pignoratícia sob alegação de difícil alienação. No caso em tela, o credor pleiteou a substituição da primeira penhora para penhora on-line de depósito em conta-corrente bancária. Por unanimidade, a referida Turma manteve acordão do Tribunal de Justiça a quo (TJSP) que acolheu a justificativa da massa falida do Banco Santos S/A para recusar a penhora de títulos de difícil liquidez ofertados pelo devedor.

No caso em voga, o devedor ofereceu debêntures e duplicatas para quitar um debito de aproximadamente R$ 3 milhões contraído junto à extinta instituição financeira. A massa falida rejeitou a penhora alegando que as debêntures são de titularidade da empresa falida e que seus valores não correspondiam à realidade. Outrossim, renunciou expressamente às duplicatas dadas em garantia em favor de penhora on-line.

O Tribunal de Justiça de São Paulo acatou os argumentos do credor e determinou o bloqueio on-line do valor ora devido. O devedor recorreu ao STJ alegando que os bens indicados à penhora eram válidos e não podiam ser rejeitados pelo credor.

Benefício do credor

Paulo de Tarso Sanseverino, ministro relator, destacou que a penhora em garantia pignoratícia estabelecida no artigo 655, parágrafo 1º, do Diploma Processual Civil foi instituída em prol do credor como meio de facilitar a realização do crédito, portanto, a preferência para a penhora do bem dado em garantia só pode ser invocada pelo credor nunca pelo devedor.

Ressaltou, ainda, que aplicar a regra em benefício do devedor colocaria o credor pignoratício em uma posição inferior à do credor quirografário (credor de uma empresa falida que não possui nenhuma preferência para receber seus créditos), pois, este poderia penhorar diretamente em pecúnia, enquanto o outro, somente poderia realizar a penhora do bem dado em garantia.

Importante frisar que o credor pignoratício é aquele que tem preferência no recebimento da dívida em caso de inadimplemento ou descumprimento de obrigação assumida pelo devedor.

Citando inúmeros precedentes o ministro relator ressaltou que a inversão do julgado demandaria o reexame de provas o que seria inviável tendo em vista o teor da Súmula 7. Por fim, concluiu Sanseverino, ainda que não houvesse a rejeição do credor, a jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de recusa de ofício de bens de difícil alienação oferecidos à penhora. Seu voto foi acompanhado pelos demais ministros do colegiado.

Fonte: STJ REsp nº 1485790 / SP (2012/0150492-4)

Bons estudos e avante!

Professor Tutor Fabiano Guadagnucci dos Santos


A Declaração de 1998 da Organização Internacional do Trabalho

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde o seu surgimento em 1919, tem desenvolvido diversas ações para o fortalecimento da justiça social, elaborando políticas econômicas, sociais e trabalhistas.

Em 1998, tem-se um marco histórico para o Direito do Trabalho com a criação, na 87ª sessão, da Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, da OIT. O documento estabelece basicamente quatro direitos e princípios fundamentais no Trabalho, relacionados com oito Convenções da OIT: 1) o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva - Convenções nº 87 e 98; 2) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório – Convenções nº 29 e 105; 3) a efetiva abolição do trabalho infantil – Convenções nº 138 e 182 e 4) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação – Convenções nº 100 e 111.

Declaração da OIT de 1998 tem extrema importância para a promoção das quatro diretrizes estabelecidas em seu texto. Todos os Estados Membros da OIT devem respeitar, promover e aplicar esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções referentes, pois esses valores são universais, proporcionando um padrão mínimo de condições de trabalho. A Declaração de 1998 da OIT constitui um instrumento importante a ser observado pelos países a fim de garantir a dignidade do trabalhador.

A OIT estabeleceu, para a efetivação de todos os princípios elencados na Declaração da OIT, de 1998, a necessidade do monitoramento dos avanços realizados em todo o mundo, nessa perspectiva, a instituição tem elaborado de quatro em quatro anos um relatório global sobre esses temas.

A OIT elabora periodicamente relatórios globais, observando o período quadrienal anterior, buscando apresentar um panorama de cada uma das categorias de princípios e direitos fundamentais da declaração da OIT, de 1998.

O Brasil como país membro da OIT em cooperação técnica assumiu o compromisso de promover os princípios estabelecidos na Carta de 1998 e combater a discriminação no ambiente de trabalho, o trabalho forçado e o trabalho infantil.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou o projeto denominado Programa Brasil, Gênero e Raça, todos unidos pela igualdade de oportunidades, como resultado de um projeto de cooperação técnica, iniciado em 1995, coordenado pela assessoria internacional do MTE. O objetivo central é melhorar a efetiva implementação da Convenção nº 111, da OIT.

O Ministério Público do Trabalho (MPT), guardião da Constituição da República, tem o dever de garantir a igualdade de oportunidades a todos os brasileiros. Dessa forma, o MPT implementou algumas coordenadorias em observância aos principais temas da atualidade, entre outros: Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conaete, Coordenadoria Nacional  de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho - Coordigualdade; Coordenadoria Nacional do Trabalho da Criança e do Adolescente - Coordinfância e Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical  - Conalis.

A observância dos princípios da Declaração de 1998 da OIT e o compromisso assumido pelo Brasil em cooperação técnica com a OIT é extremamente importante para a efetivação da cidadania e democracia no Brasil de forma plena.
           
Professor Tutora Fabiana Larissa Kamada


Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Professora tutora da Anhanguera-LFG e da graduação e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Resenha do artigo publicado no livro BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; KAMADA, Fabiana Larissa. A OIT e a Discriminação no Trabalho. Análise dos programas desenvolvidos no Brasil com a cooperação técnica da OIT. In: GOMES, Ana Virgínia Moreira; FREITAS JUNIOR, Antônio Rodrigues de (Orgs.). A Declaração de 1998 da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. São Paulo: LTr, 2014.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS: REGRA E EXCEÇÃO

A Carta Constitucional dispõe no inciso XVI combinado com o inciso XVII do artigo 37 a regra que proíbe a acumulação remunerada de cargos, empregos ou funções, tanto na Administração direta como na indireta.
Art. 37, CR/88
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público; (grifos nossos)
A vedação à acumulação tem por finalidade impedir que a mesma pessoa ocupe vários cargos ou exerça várias funções e seja integralmente remunerado por todas sem, contudo, desempenhá-las com eficiência.
Por outro lado, a Constituição da República, diante da possibilidade de melhor aproveitar a capacidade técnica e científica de seus profissionais regulamentou algumas exceções à regra da não acumulação, com a ressalva de que deve haver a compatibilidade de horário. Vejamos as exceções constitucionalmente previstas nas alíneas do inciso XVI do artigo 37 a seguir:
Art. 37. (...)
XVI - (...)
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (grifos nossos)
Ressalte-se que mesmo nesses casos de acumulação, aplica-se a regra do teto remuneratório previsto no inciso XI do artigo 37 da CR/88, abaixo transcrito:
Art. 37
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como li-mite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 41, 19.12.2003) (grifos nossos)
Por fim, há também a possibilidade de acumulação de uma atividade com mandato eletivo de vereador, nos termos do inciso III do artigo 38 da Carta Maior, a seguir exposto:
Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 19, de 1998)
(...)
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior; (grifos nossos)

Professora Tutora Daniella Parra

O EFEITO TRANSLATIVO E O RECURSO EXTRAODINÁRIO

INTRODUÇÃO

O Recurso Extraordinário, a retrato do que ocorre também com Recurso Especial não se presta a exercer juízo sobre o mérito da decisão discutida. Tem esse recurso caráter complemente diversos daqueles outros apelos conhecidos. Seu objetivo essencial é o de “assegurar o regime federativo, por meio do controle da aplicação da lei federal e da Constituição Federal ao caso concreto”.[1] Por isso que alguns autores o chamam de recurso de fundamentação vinculada, ou seja, são apelos direcionados a apenas casos específicos.

A interposição do recurso, no plano processual e no plano fático, causa incontáveis efeitos, tendo alguns, maior vivacidade e outros, menor vigor. Os resultados mais comuns do ingresso do apelo são decorrentes do princípio do duplo grau de jurisdição. O primeiro é a conseqüência de devolver ao Judiciário a possibilidade de prolatar uma nova sentença sobre a lide, corrigindo um possível erro. O segundo efeito se instala na impossibilidade da primeira decisão judicial surtir resultado sem o final julgamento do recurso. Outros efeitos, tais como o expansivo e o regressivo. Aquele, quando o objeto da decisão vai além dos limites da matéria impugnada[2]. Este último é a possibilidade de retratação do juiz da decisão judicial prolatada, que está presente na decisão interlocutória que recebe uma moção de insatisfação através de um agravo retido (art. 523, § 2º CPC[3]), ou de um agravo de instrumento (art. 529 CPC[4]) e na sentença que indefere a petição inicial (art. 296 CPC). Alguns autores[5] mencionam também a capacidade do recurso em impedir a incidência da coisa julgada ou da preclusão como efeito do recurso.

Todavia, percebe-se que todos nascem do mesmo princípio do duplo grau de jurisdição.

PRINCIPAIS EFEITOS DOS RECURSOS

Dentre os principais efeitos recursais, além dos afamados efeitos devolutivo e suspensivo, encontramos também o chamado efeito translativo, que é a capacidade que tem o tribunal de avaliar matérias que não tenha sido objeto do conteúdo do recurso, por se tratar de assunto que se encontra superior à vontade das partes. Assim, o efeito devolutivo necessita de uma expressa manifestação da parte que é impelida com o ato do recurso e com a especificação da matéria a ser julgada novamente, enquanto o efeito translativo independe da manifestação da parte, eis que a matéria que ele trata vai além de sua vontade do particular, por ser de ordem pública.

Como se percebe, o efeito translativo é intimamente ligado ao motivo pela qual o juiz deve conhecer de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, também conhecida como matéria de ordem pública. Os motivos para essa conseqüência estão arrolados no art. 301 do CPC, exceto nos incisos IX e XI.

Esse é um efeito perigoso, visto que existe a possibilidade que ele agrave a o estado do recorrente. Na lógica de rever a lide, o juiz tem por obrigação verificar todo o processo e relatá-lo, por forma do art. 458, I do CPC, sob pena de nulidade. Não é muito difícil de que o magistrado ao reapreciar todo o processo, encontrar outras máculas que não foram vistas pelo prolator da sentença recorrida. Alguns Autores afirmam esse efeito é cabível a qualquer espécie de recurso[6].

APLICAÇÃO DO EFEITO TRANSLATIVO AO RECURSO EXTRAODINÁRIO

Na verdade apenas dois efeitos dos recursos são visivelmente perceptíveis. O efeito devolutivo e o suspensivo. Os demais nada mais são do que conseqüências destes mesmos efeitos, ou resultados da própria aplicação atividade jurisdicional. O efeito translativo é uma conseqüência do relatório essencial a qualquer decisão judicial. O efeito expansivo é uma dedução oriunda do efeito devolutivo.

Quanto ao recurso extraordinário, a conseqüência suspensiva não lhe cai bem, apesar do regimento interno da casa (art. 21, IV e V RISTF) lhe permitir. Todavia tal concessão diz respeito somente ao poder geral de cautela[7] (art. 798 CPC). O que impede a execução provisória com a interposição do recurso extraordinário é o efeito devolutivo que lhe impõe e não o suspensivo. A jurisprudência[8] é dominante neste sentido, mesmo em que pese entendimentos de escol contrários[9].

Quanto à admissão do efeito translativo ao recurso extraordinário é necessário salientar que o processo civil se alicerça basicamente em dois princípios: o do dispositivo e o da inércia. Assim, como regra geral, é o recorrente que restringe a finalidade da sua razão de inconformismo, mencionando expressamente quais são os conflitos a serem reexaminados pelo órgão revisor. A melhor doutrina[10] ensina que o a questão da devolutividade recursal deve ser interpretada por sua extensão e profundidade. Todavia o efeito translativo, como já visto não se confunde com o efeito devolutivo por profundidade, pois enquanto este último reside na possibilidade de exame de todas os elementos do processo, aquele primeiro, trata tão somente das matérias de ordem pública.

Todavia, de qualquer forma, pelo mesmo motivo nenhum dos dois efeitos, translativo e devolutivo por profundidade, podem ser admitidos em matéria de recurso extraordinário. A translatividade do recurso é também natural efeito do recurso, visto que cabe ao Judiciário a obrigação de prolatar decisório sobre o suscitado, entretanto para decidir, tem o órgão revisor que verificar nos autos se alguma seqüela de ordem pública restou. No recurso extraordinário, a retrato do que também ocorre com o recurso especial, mesmo em que pese a natureza pública das questões do art. 301 do CPC, tais situações só podem ser reapreciadas se forem objeto de prequestionamento necessário e decisão anterior[11].

Professor Tutor Cildo Giolo Júnior



[1] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.554.
[2] Um exemplo desta situação nos é trazida por Marcos Vinícius Rios Gonçalves, quando trata do litisconsórcio simples: “embora o recurso tenha sido interposto por apenas um dos litisconsortes, o outro acaba se beneficiando.” Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.85.
[3] Art. 523. (...) § 2º Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão.
[4] Art. 529. Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo.
[5] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Coord. Curso avançado de processo civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. v.1. p.570. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.523. GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.84. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.2. p.282.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.523.
[7] RT 658/178 e RSTJ 13/215.
[8] “Age ultra vires, com evidente excesso no desempenho de sua competência monocrática, o Presidente de tribunal inferior que, ao formular juízo positivo de admissibilidade, vem a outorgar, ao arrepio da lei, efeito suspensivo a recurso extraordinário, interferindo desse modo, em domínio juridicamente reservado, com exclusividade absoluta, à atividade processual do STF” (Tribunal Pleno, Maioria, RTJ 144/718 – Reclamação - Relator Min. Celso de Mello - Rcl 416 - Publicação:  DJ 26-02-1993 PP-02355 EMENT VOL-01693-01 PP-00074).
[9] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 32.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 1ª nota ao art. 497 CPC. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Teoria Geral dos Recursos, Recursos em Espécie e Processo de Execução. São Paulo: Atlas, 2005. v.II. p.116.
[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.I. p.530-532.
[11] Neste mesmo sentido: “Apenas os recursos excepcionais (recurso especial, extraordinário e embargos de divergência) não o são, porque a matéria a ser objeto de apreciação pelos Tribunais Superiores fica restrita àquilo que tenha sido prequestionado, discutido anteriormente”. (GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.85).