quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL COM BENS IMÓVEIS- BREVE ANÁLISE REGISTRAL

Não raro muitas empresas integralizam o seu capital social com bens imóveis para iniciar o exercício de suas atividades. Comumente, tal se verifica nas holdings, empresas constituídas para o fim de administrar bens próprios, as quais poderão adotar qualquer modalidade de sociedade empresária, sendo, em regra, uma empresa limitada ou sociedade anônima.

Após a regular constituição da empresa[1], com o laudo de avaliação do bem imóvel[2] para a integralização do capital social, faz-se necessário, nos termos do princípio da continuidade registral[3], o registro deste contrato social no Registro de Imóveis para o fim de transmitir os bens imóveis da pessoa do sócio para a pessoa jurídica na qual aquele faz parte.

Neste esteio, vale lembrar que o contrato social devidamente registrado no Registro Público competente[4] basta por si só para ser levado ao registro para a transmissão da propriedade[5] em conjunto com as cópias autenticadas dos documentos pessoais dos sócios, laudo de avaliação dos bens registrado com o contrato social, certidão de valor venal e a certidão de imunidade do ITBI expedida pelo Município competente[6], situação essa que não se verifica quando a pessoa jurídica, por intermédio de seus sócios, delibera, nos termos da sua modalidade de sociedade empresária, pela transmissão dos bens imóveis aos seus sócios, mesmo como dação em pagamento de quotas, motivo pelo qual faz-se necessária a escritura pública[7] ou, quando o caso, a sentença judicial com a apuração de haveres de liquidação da sociedade e eventual constatação no inventário para a partilha[8].

Pois bem, levado o contrato social ao Registro de Imóveis importante constatar que: (1) não se faz necessário informar o locatário da integralização, pois não há direito de preferência[9]; (2) deve constar os elementos individualizadores dos bens, de seus proprietários e as necessárias outorgas uxória e marital[10], (3) possibilidade, no próprio instrumento do contrato social, com a certidão da Junta Comercial, fazer constar (para fins de registro no Registro de Imóveis), a instituição de reservas de usufruto, por retenção e não por alienação, aos próprios transmitentes das nuas-propriedades dos imóveis destinados à integralização do capital social, o que dispensaria a escritura pública[11]; (4) apresentação do documento no original[12], (5) verificação de cláusula no contrato ou estatuto social na qual prevê, se o caso, como se operacionalizará a aprovação do laudo de avaliação[13]; (6) conferência de bens para integralização do capital social da empresa deve observar o princípio da especialidade objetiva e não uma transcrição antiga, lacunosa, inexata e imprecisa[14], (7) observância da legislação a época da prenotação e não a época da constituição da sociedade empresária[15], (8) caso a esposa ou o marido não participe da sociedade, faz-se necessário a escritura pública da pessoa que não será sócia para a integralização, não bastando a mera anuência[16], (9) em que pese a nossa discordância, necessidade de apresentação de CND do INSS e da Receita Federal da sociedade transmitente (artigo 47, “b”, I, da Lei nº 8.212/91)[17].

Outrossim, em que pese o foco deste estudo ser o Registro de Imóveis, não se pode deixar de considerar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela incidência de Imposto de Renda sobre ganhos de capital decorrentes da diferença entre o valor de aquisição do bem imóvel e o de integralização para o capital social de pessoa jurídica[18]. Em contrapartida, já houve a manifestação do mesmo Tribunal no sentido de que: “a incorporação de imóvel de sócio a pessoa jurídica e forma sui generis de alienação e não se confunde com nenhuma das hipóteses previstas no decreto-lei nº. 1.641/78 não se assemelha a compra e venda, adjudicação, doação, desapropriação, etc. em qualquer destes hipóteses e presente o lucro, na integralização posta em exame não resulta vantagem ou ganho”[19]. Assim, resta o convite ao leitor para tal reflexão.

Por derradeiro, insta destacar que os emolumentos deverão ser cobrados por matrícula de imóvel e de acordo com o maior valor entre conferência de bens e certidão de valor venal[20].

Professor Tutor Fábio Pinheiro Gazzi



[1] Código Civil – artigos 45 e 967.
[2] Código Civil artigos 997, III e , bem como Lei 6404/76 artigos 7º e 8º.
[3] Lei 6.015/73 – artigo 237.
[4] Código Civil – artigos 985 e 1.150. Neste esteio importante mencionar parte da seguinte decisão a qual entendeu que em sociedade entre cônjuges casados no regime de comunhão universal e que teve o seu contrato registrado pela Junta Comercial, o Registrador de Imoveis não poderá colocar obstáculos ao registro pela suposta invalidade de tal contrato: “ Em que pese a vedação, contida no artigo 977 do Código Civil, de constituição de sociedade por cônjuges, entre si ou com terceiros, quando casados pelo regime da comunhão universal ou da separação legal de bens, não se trata, “in casu”, de registro de sociedade civil a ser promovido por Oficial de Registro Civil de Pessoa Jurídica, sujeito ao controle administrativo pelo Poder Judiciário... O registro pela Junta Comercial produz, deveras, todos os efeitos que lhe são inerentes, em especial o de conferir à sociedade personalidade jurídica própria que a habilita para adquirir propriedade imóvel.... o controle administrativo desse registro, porque atribuído à Junta Comercial, não está inserido nos limites do presente procedimento de dúvida, que se destina ao exame da possibilidade de ingresso, no fólio imobiliário, determinado título aquisitivo e que não se presta para a obtenção, por via transversa, da declaração de validade, ou não, de ato jurídico. Eventual questionamento a este relativo deve, em razão de sua natureza, ser objeto de apreciação na via jurisdicional, em processo contencioso, observados o contraditório e a ampla defesa” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.054-6/5, j. 29.6.09 – CGJ SP)
[5] Lei de Registros Público – artigo 221, III e Lei 8934/94 artigo 64.
[6]  Constituição Federal artigo 156, § 2º, I e II e Código Tributário Nacional artigo 36 e incisos.

[7](1) Acórdão CSM de 17/03/1998 – Fonte :041.449-0/9 - São José do Rio Preto SP; (2) Acórdão _ DJ 452-6/4 - Despachos/Pareceres/Decisões 45264/2005 CGJ SP; (3) Apelação Cível nº 0005121-97.2011.8.26.0236 (VOTO Nº 21.153) CGJ SP; (4) 0039109-22.2011.8.26.0071 CGJ SP

[8] Apelação Cível nº 535-6/3 CGJ SP.
[9] Lei 8245/91 - artigo 27.
[10] Apelação Cível n.º 0001685-55.2011.8.26.0358 CGJ SP. Sobre a outorga marital vide julgado Apelação Cível nº 1.234-6/7 de 17.5.2010 CGJ SP o qual permitiu que tal anuência possa estar acostada no contrato social nos termos do artigo 220 do Código Civil.
[11] Apelação Cível n.º 0001685-55.2011.8.26.0358 CGJ SP e Apelação Cível n.º 0003562-82.2011.8.26.0664 CGJ SP
[12] Apelação Cível  1.085-6/6, de 02/06/2009, Rel. Des. Ruy Camilo) e Apelação Cível nº 990.10.509134-2 CGJ SP
[13] Apelação Cível nº 990.10.509134-2 CGJ SP
[14]  Ap. Civ. 074978-0/9, de 03/04/2001, rel. Des. Luís de Macedo CGJ SP
[15] Apelação cível 530-6/0, de 20/07/2006, rel. Des. Gilberto Passos de Freitas CGJ SP
[16] Apelação Cível nº 626-6/9, 26.3.09 – CGJ SP
[17] Apelação Cível nº 538-6/7, 36.3.09 CGJ SP e Apelação Cível nº 509-6/5, j 23.306 CGJ SP (por entender que a integralização é forma de alienação). Destacamos que não concordamos com este posicionamento, nos termos do REsp 22821 / PE, j. 24/06/1992, Ministro GARCIA VIEIRA.
[18] AgRg no REsp 1.016.766/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/03/2009, REsp 70.2915/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 21/09/2007, REsp 867.276/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 08/11/2006, REsp 789.004/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 03/04/2006, REsp 660.692/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 13/03/2006,  REsp 260.499/RS, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, DJ 13/12/2004
[19]  REsp 22821 / PE, j. 24/06/1992, Ministro GARCIA VIEIRA.
[20] Lei do Estado de São Paulo n.º 11.331, de 26 de dezembro de 2002 - artigo 7º.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

STF e a Imputação de Prática de Crime Ambiental à Pessoa Jurídica

Antes da decisão do STF, datada de 06 de agosto de 2013, a atribuição de responsabilidade penal à pessoa jurídica estava diretamente ligada à comprovação efetiva de prática de crime contra o meio ambiente, com a atuação de agentes - pessoas físicas, como sendo requisito indispensável - ligados à empresa, teoria da dupla imputação.
Utilizando-se da interpretação literal ao artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal, o STF inovou, senão vejamos:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (g.n.)
Assim, o processo penal em face da pessoa jurídica não mais está condicionado à apuração e indicação de indivíduo (ou indivíduos) responsável pelo fato criminoso.
Com isso, reconheceu o STF a possibilidade de instauração do processo exclusivamente e apenas em face da pessoa jurídica. Ocorre que, por regra, a responsabilidade penal não pode ser imputada de forma objetiva.
A tendência é que o sistema da dupla imputação seja aos poucos esquecido, dando espaço à adoção de outros critérios, já consagrados em outros países, para aferir a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tais como as teorias da culpabilidade e teoria do defeito de organização.
Convido a todos a acompanharem, com atenção, as novidades acerca do tema de grande importância e repercussão no Direito Penal, eis que tal entendimento poderá vir a ser modificado, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal. O tempo dirá.
Fonte: STF
Professora Tutora Christiane Perri Valentim 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Decisão emblemática acerca de marca idêntica

A 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reformou sentença proferida pelo Juízo de 1ª Instância que reconhecia a procedência de ação ordinária de abstenção de uso de marca cumulada com pedido indenizatório e antecipação de tutela.

Na ação a Autora alegou que comercializa produtos exclusivamente para uso em laboratórios de diagnóstico, possuindo registro junto ao INPI nas classes 9 e 35 e o comércio pela Ré de produtos com marca idêntica para a mesma atividade.

Por sua vez, a Ré defendeu-se sob o argumento, dentre outros, de que os produtos comercializados pelas partes são distintos, já que os seus encontram-se incluídos na classe 10.

A sentença de primeiro grau julgou a ação procedente, condenando a Ré a se abster de utilizar a marca Biometrix, em qualquer forma, direta ou indireta, capaz de gerar confusão, ordenando a retirada de materiais de publicidade e informações da “Internet”, no prazo de 30 dias, contados de sua intimação, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), condenando a Ré na quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos morais.

Em sede de Apelação, o mencionado Tribunal de Justiça julgou o Recurso provido para julgar improcedente o pedido da Autora Recorrida.

Em seu voto o Desembargador Relator invocou o princípio da especialidade e asseverou que mesmo com atuação das partes no mesmo ramo a proteção estaria restrita às mercadorias para as quais é registrada e efetivamente utilizada, não restando configurada colidência no caso examinado, mormente por não se tratar de marca notória ou de alto renome.

Concernente à suposta confusão entre os consumidores, o acórdão asseverou que a prova produzida nos autos, limitada à apenas um orçamento solicitado à Autora, não a demonstrou, invocando ainda a experiência técnica dos consumidores e de se tratarem de produtos bem específicos para afirmar ser quase impossível a ocorrência de relevantes equívocos.

Por fim, observou a coexistência, sem conflitos, das empresas por alguns anos, o que reforça a inexistência de danos ocasionados por eventuais confusões.

Assim, constata-se que em nosso ordenamento jurídico não basta a existência de utilização de marcas idênticas para que seja decretada decisão impeditiva de tal utilização, devendo ser demonstrada a efetiva possibilidade de confusão, conforme vem se orientando a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (REsp 863975/RJ , REsp 773.126/SP).

Destarte, a decisão em comento é emblemática na medida em que, apesar de reconhecer a atuação das empresas litigantes no mesmo ramo, considerou ausente à proteção da marca por se tratar de produtos registrados em categorias diversas, consignando ainda a inexistência de danos em razão de configurarem produtos especificíssimos.


Fontes: Migalhas (www.migalhas.com.br) e Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (www.tjrj.jus.br) 

Professora Tutora Andrea Akemi Okino Yoshiai