domingo, 29 de junho de 2014

QUESTÕES CONSENSUAIS DE DIREITO DE FAMÍLIA JÁ ERAM SOLUCIONADAS DE FORMA EXTRAJUDICIAL EM PORTUGAL

Enquanto no Brasil, antes da Lei nº 11.441/07, que tratou da desjudicialização dos divórcios, separações e inventários, a mediação e a arbitragem eram alternativas de resolução de conflitos que abarcavam tão-somente direitos patrimoniais (direito civil, consumerista, empresarial, trabalho e internacional).

Em Portugal, já há muito admitia-se que as questões de direito de família fossem solucionas de forma extrajudicial. A legislação portuguesa sofreu grandes modificações em a razão das inúmeras denúncias e posteriores condenações da nação-mãe diante da Corte Européia de Direitos Humanos, no que tange o desrespeito a entrega jurisdicional em prazo razoável e, principalmente, depois do seu ingresso na União Européia. A desjudicialização da resolução de litígios e o incentivo à criação de modos alternativos de resolução dos litígios passaram a ser metas do governo. A modernização portuguesa começou em 2003, com a alteração do Código de Processo Civil Português, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, que passou a prever a determinação da razoabilidade do prazo para a prestação do serviço jurisdicional na área cível, seguindo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (ONU) e a Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (União Européia). Passou também a doutrina portuguesa mais moderna, a sustentar que a denegação de justiça constitui uma das formas de atividade dolosa do juiz, pois por ela, o magistrado deixa de julgar ou atrasa o julgamento, ou invoca a inexistência de lei, o que caracteriza crime disposto no artigo 369 do Código Penal Português e resulta, portanto o direito de indenização para a reparação do dano do ofendido. A fim de evitar a responsabilização do Estado e mesmo do magistrado, o país passou por sensíveis alterações legais que resultaram em uma justiça mais justiça célere e eficaz.

Em Portugal, são meios oficiais alternativos de resolução de conflitos a conciliação, a mediação, e a arbitragem. Estes têm em comum estarem orientados para a resolução de litígios através de formas extrajudiciais de composição da lide. O recurso de tais vias permite inclusive que o envolvimento das partes favoreça as condições para que estas mantenham o seu relacionamento após solução da desavença.

A lei portuguesa da arbitragem voluntária prevê que qualquer litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e que não respeite a direitos indisponíveis pode ser submetido, pelas partes, aos meios alternativos de resolução de conflitos. Por outro lado, o direito português não deixa de tomar em consideração os direitos indisponíveis, tais como as questões relativas aos direitos de personalidade e sobre o estado das pessoas, os direitos laborais, os direitos da segurança social, bem como todos os que se reportem a relações jurídicas de que as partes não possam dispor por ato de vontade, não podendo, pois, os interessados abdicar deles por meio de negócio jurídico. Caso se pretenda rogar tais direitos, fica lesado o recurso à arbitragem e a outros meios alternativos.
           
A conciliação é um meio de resolução que antecede, geralmente, a via arbitral, no âmbito da atuação dos Centros de Arbitragem institucionalizada. Caso frustrada a tentativa de conciliação, qualquer uma das partes pode submeter o julgamento a arbitragem.

A mediação não se encontra regulada na lei de forma genérica, mas está especialmente prevista na legislação que cria os Julgados de Paz (que órgãos públicos que têm por função decidir causas de natureza cível de valor não superior a 3.740,98 €, ou seja, mais de R$ 10.500,00) e na lei relativa à organização tutelar de menores, designadamente em matéria de regulação do exercício do poder de família, que é lá chamado de poder paternal. A mediação, no que tange aos conflitos familiares, está restrita às situações de separação ou divórcio por mútuo consentimento, nas questões alimentares, de guarda e todas que envolvam o exercício do poder familiar e possam ser solucionadas de forma amigável.

A arbitragem voluntária é uma forma privada de resolução de litígios no âmbito da qual as partes, por sua iniciativa, escolhem pessoas, denominadas de árbitros, com vista à resolução, por estes, através de uma decisão de natureza vinculativa, das suas divergências de questões consensuais de direito de família. Existe também a possibilidade de se ingressar petição junto aos Centros de Arbitragem (ou de arbitragem institucionalizada), que são entidades autorizadas pelo Ministério da Justiça para efetuarem a resolução extrajudicial de conflitos.

Tal serviço se encontra em crescente demanda, na medida que a população toma conhecimento de sua existência. Deve-se salientar que a sociedade em geral sempre teve receio de procurar a morosa justiça portuguesa, o que gerava um desconforto social causado pela informalidade que era conseqüência da ausência de soluções jurídicas para as questões familiares. O que tem atraído os jurisdicionados é a garantia de que as essas forma de soluções de conflitos familiares em proporcionem às partes a imparcialidade, a independência, a confidencialidade, a credibilidade, e a celeridade que são requisitos necessários para a fiel aplicação da justiça.



Em “Terrae Brasilis”, a situação não deixa de ser idêntica. A Lei 11.441/07 teve uma repercussão positiva na sociedade, haja vista os numerários de ações proposta nos primeiros anos de sua edição. É possível afirmar que o jurisdicionado tem visto o procedimento extrajudicial como substitutivo do judicial, o que promove uma verdadeira a ampliação do acesso à justiça.

Professor Tutor Cildo Giolo Júnior

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Breves anotações acerca do art. 5º, XXXII da CF (Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor)

Inicialmente, conforme aponta MENDES (2008, p. 1362) a proteção do consumidor é um fenômeno novo, mas que se faz necessário tendo em vista o atual estado da arte do Direito Consumerista.

Importante marcar que o legislador Constituinte ao utilizar a expressão “defesa do consumidor”, adotou no Brasil o “dirigismo econômico”, ou seja, o Estado adota um posicionamento intervencionista nas questões atinentes à relação de consumo, o chamado “princípio constitucional da vulnerabilidade do consumidor”. Referido apontamento está devidamente explanado no art. 170, V da CF, como princípio da ordem econômica, e no art. 5º, XXXII da CF, como direito fundamental.

Em continuidade, o art. 24, V e VIII da CF, asseveram de acordo com o rol estabelecido à competência concorrente da União, os Estados e o DF para legislar sobre a matéria. Porém há duas correntes que versam sobre a possibilidade do Município legislar sobre matéria consumerista, quais sejam:

a) Por força da redação do art. 24 da CF, não há possibilidade dos Municípios legislarem sobre a referida matéria. Tal corrente é minoritária na doutrina consumerista, todavia, é majoritária na doutrina constitucional-administrativista.

b) Contudo, por força do art. 30, I, da CF, o Município pode legislar de forma suplementar para adequar a proteção do consumidor, aos interesses locais, como exemplo, as leis Municipais que tratam da questão das gorjetas aos garçons, bem como leis que tratam do tempo máximo de espera em filas bancárias.

Tal justificativa tem como fundamento a situação de vulnerabilidade do consumidor, em detrimento do fornecedor do produto, ou do serviço, que criam, portanto, institutos próprios para proteção dos direitos dos primeiros. Assim, deve ser ressaltado o principal diploma que regulamenta o artigo, trata-se da Lei nº 8.078/90 denominada de Código de Defesa do Consumidor, que prevê, dentre muitos outros direitos:

a) inversão do ônus da prova, em beneficio ao consumidor;

b) a prevalência da responsabilidade civil objetiva (independentemente de culpa);

c) a responsabilidade civil solidária na cadeia de fornecimento do produto ou serviço. 

Sendo assim, podemos aperceber que o referido sistema protetivo é um direito fundamental, que assegura a equiparidade de forças quanto dos tratos Consumerista.

Professor Tutor Cesar Peghini




Projeto de Lei Complementar n. 221/12

O Projeto de Lei Complementar n. 221, de 2012, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 07 de junho e enviado ao Senado tem por objetivo introduzir diversas modificações ao tratamento jurídico favorecido para as micro e pequenas empresas, com a finalidade de ampliar e aperfeiçoar o sistema vigente até então.

Dentre as modificações propostas, merece destaque a inclusão das sociedades civis de profissão regulamentada. No atual regime, tais sociedades, nas quais se enquadram os escritórios de advocacia, não podem se beneficiar da tributação simplificada e mitigada prevista para os empreendimentos de menor porte econômico.

Se a proposta realmente vier a ser aprovada, os pequenos escritórios de advocacia poderão optar por pagar diversos tributos a que estão submetidos através de uma apuração simplificada e menos onerosa. No lugar de apurarem separadamente o imposto de renda, a contribuição social sobre o lucro, o PIS e a Cofins, poderão aplicar um percentual único sobre a sua receita bruta mensal. Além de eliminar custos administrativos, essa modificação deverá reduzir significativamente a carga tributária. Para aqueles com receita bruta anual de até R$ 180.000,00, a carga tributária será reduzida do elevado patamar de 17% para apenas 4,5%, o que representará, sem dúvida, medida de estímulo ao empreendedorismo também na atividade jurídica.

Os pequenos escritórios terão condições mais adequadas para nascerem, sobreviverem e, sobretudo, se desenvolverem. Novos postos de trabalho serão criados no setor, haverá maior oferta da prestação de serviços jurídicos com repercussões positivas para todo o conjunto da economia nacional. Nichos, antes desprezados por grandes escritórios, passarão a ser atendidos em razão do aumento do número dos menores. A maior concorrência ampliará a diversidade dos serviços e elevará a qualidade da prestação. E, como aspecto mais relevante sob a ótica social, camadas menos favorecidas da população, antes completamente postas à margem da justiça estatal, terão à disposição prestadores de serviços advocatícios mais próximos da sua realidade, tanto no critério geográfico (será mais fácil a abertura de escritórios em cidades e bairros pobres e periféricos), quanto sob o cunho econômico (honorários compatíveis com os recursos financeiros mais módicos da base da nossa pirâmide social).

Professora Tutora de Direito Público Christiane Perri Valentim




(fonte: PLC 212/12, Câmara dos Deputados)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Procedimento para o registro do bem de família instituído por escritura pública

Estimados estudiosos, como vão?

Gostaria de debater um pouco o procedimento para o registro do bem de família instituído por escritura pública.

Poucos conhecem o procedimento relatado na Lei 6015/73 (Lei de Registros Públicos) nos artigos 260 a 265.

Após a apresentação do título no registro imobiliário competente, cumpre ao Oficial efetuar a publicação por edital do referido título instituidor do bem de família.

Decorridos o prazo de 30 dias sem impugnação escrita, o título será registrado na matrícula imobiliária e no livro 3 auxiliar.

Com a impugnação, o título será devolvido com cópia da impugnação. O instituidor poderá recorrer diretamente ao Juiz Corregedor competente para que ordene o registro. Aqui uma diferença, pois não se trata da tradicional suscitação de dúvidas, a qual pode ser efetuada junto ao Registrador. 

Dessa decisão não cabe recurso, conforme a lei. Porém, há divergência quanto a essa formulação legislativa da via administrativa. Algumas corregedores adotam o procedimento da suscitação de dúvidas, com recurso administrativo em 15 dias para a Corregedoria-geral, no arrepio à lei.

Assim, foi adotada por decisão da da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, esse procedimento sobre o registro do bem de família. Vide abaixo:

"Pedido de providências Bem de Família - registro da instituição anterior à citação em processo de execução- incidência da regra dos artigos . 5º, da Lei n. 8.009/90, e 1.711, do Código Civil - Pedido deferido. CP 433 Vistos. Trata-se de pedido de providências proposto por R. A. DE O. P. e seu marido P. R. P., visando a averbação da Escritura Pública de Instituição de Bem de Família Convencional, lavrada no 8º Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº xxxxx junto ao xº Registro de Imóveis da Capital. Adotadas as formalidades legais, com a publicação do edital para conhecimento de terceiros, conforme previsto no artigo 262 da Lei 6.015/73, houve impugnação pela Sociedade "B. A." (fls. 23/78). Sustenta a impugnante a impossibilidade de se instituir o bem de família do referido imóvel, visto que se encontra em tramite processual Ação de Execução de Honorários Advocatícios (processo nº xxxxxx), em fase de execução provisória, na qual figura como credora a impugnante e como devedora a empresa E. P., sendo o requerente administrador da empresa. Aduz que, na qualidade de gestor desde 2003, P. R. P. praticou atos de fraude à execução e contra credores da empresa devedora, resultando na prolação de decisão judicial pelo MMº Juiz da xx Vara Cível do Foro Central de reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica , incluindo, consequentemente, o requerente no pólo passivo da ação de execução. Assim, diante destes fatos, a instituição do bem de família teria como escopo impedir a satisfação dos débitos da empresa. Ponderam os requerentes, em resposta, que a instituição do bem de família é anterior à decisão judicial proferida nos autos de execução. O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido (fls.103/104). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. A controvérsia dos autos versa sobre a possibilidade da instituição da residência familiar como Bem de Família, por escritura pública, e a impugnação à sua averbação, por integrar o requerente o pólo passivo da Ação de Execução de Honorários Advocatícios, em fase de execução provisória. Ressalto, de início, que a citação na ação executória ainda não ocorreu. Logo, mesmo que se reconheça a responsabilidade do requerente pela dívida, este ato seria posterior à instituição do bem de família, estando este livre de penhora. Conforme nos ensina CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: "A instituição do bem de família é uma forma da afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio" (Instituições de direito civil, v. 5, p. 557/558.). Para a comprovação de que o imóvel eleito pode vir a se tornar bem de família, as certidões imobiliárias dos cartórios de registro de imóveis do local de residência dos requerentes são documentos aptos à demonstração dos requisitos necessários para a constituição pretendida, ou seja, que somente eram proprietários de um bem imóvel capaz de lhes servir de moradia naquela localidade ou, na existência de titularidade de outros, que o bem objeto da indisponibilidade é o de menor valor ou, ainda, que possui registro em cartório da condição de bem de família, conforme art. 5º e parágrafo único da lei nº 8.009/90. Nesse diapasão, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região já assentou que: "Visando a lei a proteger a unidade familiar, deixando a salvo da penhora o bem destinado a sua residência, não merece prosperar qualquer argumentação de existência de outros bens, desde que não se encontre devidamente comprovada através de certidão passada pelo cartório de registro imobiliário" (AC 321217/PB - Relator: Petrúcio Ferreira). Conforme demonstrado nos autos, a inclusão do requerente no pólo passivo da ação supracitada, foi posterior à tentativa do registro da escritura pública em cartório, sendo, portanto, inadmissível a exigência formulada pelo Registrador, visto que a impenhorabilidade, que virá em decorrência da instituição, não alcança as execuções por dívidas anteriores a ela. Portanto, não se apresenta aceitável que a noticiada existência de dívidas anteriores, objeto de execuções aparelhadas, obste a instituição do bem de família. No caso em testilha, não se entrevê, com a instituição, qualquer prejuízo a terceiros, salientando-se que os demais bens não ficarão a salvo de responder pelas dívidas de responsabilidade dos requerentes. Segundo consta na escritura pública (fls. 13), o imóvel que se pretende instituir como bem de família tem valor inferior a um terço do patrimônio líquido do casal, em consonância com o art. 1.711 do Código Civil. O objetivo do legislador é que o proprietário do bem não se torne insolvente, o que de fato não ocorreu no presente caso. Ademais, mesmo se o casal não possuísse outros bens, a residência fixa usada como moradia seria impenhorável, por força de lei. Veja-se que a norma jurídica editada pela lei 8.009/90 teve como escopo justamente proteger a residência familiar. Nas lições do professor Álvaro Villaça de Azevedo: "O instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familial. Nessa lei emergencial, não fica a família à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado, de que é fundamento." (Álvaro Villaça de Azevedo - Bem de Família - 5ª ed. 2009). Dispõe, com efeito, o art. 1º do aludido diploma legal: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei". Outrossim, em relação a alegação de fraude à execução ou de fraude contra credores, não há como o registrador no âmbito da qualificação registral dar solução à questão de direito material não decidida, ou cuja decisão não ficou demonstrada, porque o exame da qualificação é questão meramente administrativa, não protegida pela segurança da coisa julgada. Por todo o exposto, DEFIRO o pedido de providências deduzido por R. A. O. P. e P. R. P., a fim de determinar a averbação da Escritura Pública de Instituição de Bem de Família Convencional, lavrada no xxº Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel residencial matriculado sob nº xxxxxx junto ao xº Ofício de Registro de Imóveis da Capital. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, no prazo de quinze dias, para a E. Corregedoria Geral de Justiça (Cód. Judiciário, art. 246). Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, . Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito (CP 433) Advogados(s): Adriano César da Silva Álvares" - 'nomes dos envolvidos e números suprimidos' 

Assim, fica a reflexão, para o conhecimento dos estudiosos, sobre um modelo diferenciado e pouco corriqueiro de se inscrever um bem de família, instituído por escritura pública, já que a lei 8009/90 é a mais utilizada na via judicial, no entanto, sem eficácia registral. 

Os comentários serão bem-vindos para complementar o nosso estudo e o entendimento sobre a questão posta.

Professor Tutor Adriano César da Silva Álvares


PRAZO PARA QUE A RECEITA FEDERAL DO BRASIL SE MANIFESTE A RESPEITO DOS PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO

Os contribuintes podem através de procedimento administrativo pleitear restituição de valores indevidamente recolhidos, recolhidos em valor maior que o devido ou com erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; ou ainda na hipótese de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Atualmente, o pedido de restituição dos tributos federais encontra previsão na Lei 9.430/96 e regulamentação na Instrução Normativa nº 1.300 da Receita Federal do Brasil (RFB), de 20 de novembro de 2012, podendo ser efetuado mediante processamento eletrônico da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) ou através do programa Pedido de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP).

Para pedidos realizados através do processamento eletrônico da DIRPF as restituições são realizadas através de lotes cujas datas são previamente estabelecidas e informadas.

Por sua vez, os pedidos transmitidos através de PER/DCOMP não possuem, à primeira vista, prazo estipulado para que sejam apreciados, uma vez que a Instrução Normativa RFB já mencionada não consignou qualquer dispositivo tratando de tal prazo, o que não pode ser interpretado como ausência absoluta de regramento nesse sentido.

Desta feita, podem ser invocados a garantia constitucional da duração razoável do processo administrativo e os princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade previstos, respectivamente, no inciso LXXVIII, artigo 5º e “caput” do artigo 37 da Constituição Federal, a fim de atestar a inequívoca existência de prazo para que a Administração Pública, “in casu”, a RFB, venha a se manifestar acerca dos pedidos de restituição.

Ademais, a Lei 11.457/07 estabelece a obrigatoriedade de que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta), a saber:

“Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”

Dessa forma, os pedidos de restituição devem ser apreciados no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias contados da transmissão do PER/DCOMP, sob pena de afronta a Constituição Federal (inciso LXXVIII, art. 5º e “caput” do artigo 37) e ao artigo 24 da Lei 11.457/07, cabendo aos contribuintes buscarem, se necessário, a efetivação de tal direito perante o Poder Judiciário.


Professora Tutora Andrea Akemi Okino Yoshikai

quarta-feira, 4 de junho de 2014

COPA DO MUNDO: MANIFESTAÇÕES À VISTA. É HORA DE O PODER CONSTITUINTE SER EXERCIDO?

No final do mês de junho e durante todo mês de julho de 2013, o Brasil assistiu a uma série de manifestações populares desencadeadas por mobilizações que haviam se iniciado na cidade de São Paulo e que se opunham ao aumento das tarifas de ônibus na capital paulista. Ao longo do país, as manifestações ganharam diversas bandeiras como reivindicações pela melhoria dos serviços públicos e combate à corrupção nos âmbito político. Ainda durante as manifestações, nossa presidente Dilma Roussef anunciou a intenção de convocar um plebiscito para instalação de uma assembléia constituinte para discussão da reforma política como resposta à insatisfação generalizada que se vislumbrava. 

Com a iminência da Copa do Mundo, varias manifestações de diversos níveis de organização e externadas, principalmente, nas redes sociais, levantam novamente a intenção e a necessidade de protestar; agora, contra a realização do mundial de futebol no Brasil, sob os argumentos de ocorrência de corrupção e de privilégio, pelo Brasil, de um evento esportivo "caro" em detrimento de áreas essenciais tratadas de forma precária pelo governo, tais como saúde e educação.

Parece improvável que haja mobilização política, seja do Executivo, seja do Legislativo, para reacender neste momento a discussão sobre um novo processo constituinte, pois não haveria "clima" para isso no momento da realização da Copa do Mundo justamente na país que é a "pátria de chuteiras". Mas não valeria a pena conjecturar essa possibilidade?  

À época das manifestações de julho de 2013, nossa presidente pareceu determinada a atender aos clamores das ruas, impulsionando o Congresso Nacional a fazer o que este não tinha feito até então. De fato, estamos cansados, insatisfeitos e não parecemos mais dispostos a tolerar a forma com que se faz política no Brasil. Ao contrário do que muito se veiculou na mídia e do que ressoou no próprio discurso do governo, o movimento das ruas tiveram, sim, uma causa e um objetivo claro: transformar omodus operandi da política brasileira. Se clamamos por saúde, por educação, contra a corrupção ou por serviços públicos de melhor qualidade e mais baratos é porque tudo isso tem sido reiteradamente barrado por aqueles que, segundo o sistema político vigente, nos representam e que deveriam fazer as nossas vezes na tomada das decisões mais caras à coletividade.

Governo, não adianta gritar que há 10 anos o Brasil vem experimentando a maior transformação de sua história ou que "nunca na história desse pais [...]". Se fosse assim, o povo não estaria nas ruas. Há portanto um descompasso entre seu discurso e a realidade. Oposição, não adianta querer jogar no colo do atual governo toda responsabilidade porque vocês também não fizeram a reforma política nos seus oito anos de governo.

Aliás, se não me engano, desde a República Velha, o modo de fazer política no Brasil pouco se modificou e, passando a limpo a "novíssima República" inaugurada em 1988, nenhum governo se opôs contundentemente a esse modus operandi, seja governo de direita, de esquerda, de centro, de lado, de ponta esquerda, qualquer que seja sua orientação ideológica. Ou nos últimos 25 anos deixou de haver uma balcão de negócios entre o Congresso Nacional, que vendeu seus votos a preço de cargos públicos, influências e posições oferecidos pelo Executivo e por sua Administração? Em alguma das eleições dos últimos 25 anos, os financiadores das campanhas eleitorais deixaram de cobrar a fatura da conta após o pleito e deixaram de ser favorecidos pelos candidatos vencedores?? Algum dos governos dos últimos 25 anos deixou de cooptar a maioria dos partidos no Congresso Nacional sob a justificativa da necessidade da maioria para governar??? 

Pois bem, então nossa presidente não fez a coisa certa ao chamar o povo para participar de mais de perto dessa obra chamada reforma política, já que os nossos representantes não o fizeram até agora nem têm se mostrado dispostos a fazer? Não, presidente, você não fez a coisa certa!

Primeiramente, a senhora não pode convocar um plebiscito. O plebiscito, apesar de expressar o exercício da soberania popular (art. 14, CF) e de se prestar, sim, a discussões de questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, deve ser convocado mediante decreto legislativo proposto por, no mínimo, um terço dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 3°, Lei n° 9.709/1998).

Em segundo lugar, assembléia constituinte popular não se convoca, se forma espontaneamente pela organização popular diante de situações-limite de crise e de ruptura institucional. Não cometamos o erro, a despeito de formal, que macula até hoje nosso texto constitucional. A Constituição de 1988 é democrática, resultou de um processo constituinte legítimo, participativo, que ouviu diversos setores de nossa população, mas foi produzida a partir de uma emenda à Constituição anterior, o que é totalmente descabido. Se o poder constituinte é soberano uno, inalienável, incondicionado (juridicamente desvinculado), não pode ser iniciado a partir da convocação de um plebiscito, mesmo que este seja convocado por um decreto legislativo, como exige a nossa Constituição. 

Além disso, a teoria politica e a teoria constitucional que desenharam estas características ao poder constituinte impedem uma "constituinte parcial ou específica". Tenho que discordar da profa. Margarida Maria Lacombe, cujo trabalho admiro e que, também à época, em entrevista à Globonews, defendeu uma flexibilização da teoria tradicional do poder constituinte em nome de uma constituinte parcial ou específica. Fico aqui, com o presidente nacional da OAB, Marcos Vinícius Furtado que também se manifestara naquele momento: "não existe constituinte especifica, pois são os constituintes que definem o limite e a abrangência". 

A função de uma constituinte é inaugurar um novo Estado, uma nova ordem político-institucional. Por isso a Constituição de 1988 não permite que partes específicas de seu texto sejam modificadas por meio de assembleias específicas. Ou se estabelece uma Constituição complemente nova, via poder constituinte, ou se emenda a atual Constituição na parte em que demande modificação. A única possibilidade de haver uma constituinte seria revogar toda a Constituição. É isso que o povo que está nas ruas queria? As potenciais manifestações que possam ser desencadeadas com o início da Copa do Mundo teriam esse objetivo?

A função de emendar a Constituição não é do poder constituinte, mas do poder derivado ou poder de reforma da Constituição. Sem romper com a ordem constitucional estabelecida, não há como ignorar os limites a esse poder de reforma, estampados no art. 60, CF: proposta por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal ou pelo Presidente da República ou por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Além disso, a proposta deverá ser discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Qualquer tentativa de alteração do texto fora dos marcos constitucionais deve ser compreendida como uma medida inconstitucional.

Respeito do trabalho do prof. Daniel Sarmento, mas, manifestando-se naquela ocasião ele errou também: o plebiscito não se presta a modificar a Constituição, mas a consultar o povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa (art. 2°, Lei n° 9.709/1999). Depois da consulta, é preciso o procedimento correto para a alteração da Constituição, que é a emenda Constitucional, caso contrário, teremos um atentado à ordem constitucional estabelecida, pois a forma de alteração do texto constitucional é cláusula pétrea, não pode ser modificada a não ser por um novo processo constituinte. Essa, inclusive, é a interpretação atual do STF. Não seria possível, portanto, que um plebiscito definisse uma nova forma de alterar o texto constitucional.

Não é o caso de afirmar que a presidente Dilma e o PT quiseram dar um golpe de Estado. Quando o ex- presidente Fernando Henrique afirmou em junho de 2013 à Folha de São Paulo que a proposta de realização de plebiscito para a reforma política é própria de regimes autoritários só enxerguei uma oposição que, ao invés de contribuir para o debate, prefere aprofundar a instabilidade que parecia estar na ordem do dia. Prefiro a posição do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que avaliou que a proposta de Dilma representa mais uma vontade de "motivar os deputados e senadores para chegarem a um consenso e realizar a reforma política.

Não desacredito das intenções de nossa presidente, mas, com certeza ela foi muito mal assessorada pela advocacia da União ao anunciar esta medida. Muito me admira que seu vice, Michel Temer, professor de direito constitucional e que criticou a constituinte exclusiva em artigo publicado no endereço eletrônico da Câmara dos Deputados, não tenha se oposto a isso, mas preferido ficar inerte. Quando de sua publicação, Temer afirmara que "[...] uma constituinte só pode ser convocada para abrigar situações excepcionais. Somente a excepcionalidade político-constitucional a autoriza. Foi assim com a Constituinte de 87/88. Saímos de um sistema autoritário para um democrático, e a nova norma jurídica deveria retratar, como o fez, a nova moldura". Continuou, na sequência do artigo com questionamentos muito pertinentes: " como realizar uma constituinte exclusiva? Os atuais parlamentares poderiam dela participar? Se participassem, teriam dois mandatos, um constituinte e um ordinário? Quem participa da constituinte exclusiva pode ver cerceado seu direito de cidadão para participar de uma legislatura ordinária? Não seria uma restrição à cidadania? Como funcionariam a constituinte exclusiva e a legislatura ordinária? Haveria concomitância de atividades?" 


Concordo com Temer - o do artigo, não o vice - para quem "uma constituinte exclusiva para a reforma política significa a desmoralização absoluta da atual representação. É a prova da incapacidade de realizarmos a atualização do sistema político-partidário e eleitoral." Se fosse este o caso - e não acredito que era nem em julho de 2013, nem em junho de 2014 - deveríamos, então, pensar em um nova Constituição.

Professor Tutor Thiago Vieira Mathias de Oliveira