terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O ARTIGO 185-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR

Segundo o art. 185-A do CTN, na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos.

No julgamento do REsp 1377507 (recurso repetitivo), em 26/11/2014, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu que para  obter a decretação de indisponibilidade de bens nos executivos fiscais, a Fazenda Pública deverá comprovar  o esgotamento de diligências em busca de bens penhoráveis.

Dentre as diligências da exequente, devem constar a solicitação de penhora on-line, via  Bacen-Jud, e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do sujeito passivo, bem como ao Departamento de Trânsito Nacional ou Estadual.

Portanto, o entendimento consolidado pelo STJ é no sentido de que a indisponibilidade de bens e direitos, autorizada pelo art. 185-A do CTN, depende da observância dos seguintes requisitos:

1) citação do devedor tributário; 2)  inexistência de pagamento ou apresentação de bens à penhora no prazo legal; 3) a não localização de bens penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando houver nos autos:  (a) pedido de acionamento do Bacen -Jud e consequente determinação pelo juiz e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.

Na decisão, o Ministro Relator Og Fernandes observou que referidas diligências são suficientes para que se afirme que não foram encontrados bens penhoráveis do executado.

O Ministro Relator frisou, também, que o artigo 185-A do CTN foi inserido em capítulo que estabelece garantias e privilégios do crédito tributário, vale dizer, medidas que, por razões de interesse público, buscam aumentar a probabilidade de pagamento pelo devedor.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça


Professora Tutora Liliane Ayala

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

PERSPECTIVAS PARA A TUTELA PENAL DE EXPERIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS EM SERES HUMANOS

A chamada biossegurança, ou segurança na biotecnologia, representa um objetivo político relativamente recente na sociedade que decorre da necessidade de se preservar um certo nível de segurança, com o fim de diminuir ou evitar os riscos inerentes à manipulação genética. A biossegurança compreende ações de prevenção, eliminação ou diminuição dos riscos para a vida e a saúde humana e dos animais, além da manutenção dos seres vivos em seu estado de equilíbrio natural.

A Constituição Federal vigente (CF/88) estabelece que o Poder Público deve preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético (art. 225, § 1.º, II) e controlar a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o ambiente (art. 225, § 1.º, V).

Assim, no âmbito brasileiro é possível identificar que a biossegurança como objetivo a ser alcançado encontra amparo constitucional, constituindo um valor fundamental para a vida em sociedade. Ocorre que o texto constitucional, ao dispor sobre o patrimônio genético do ponto de vista estritamente ambiental, assegurando a integridade e a diversidade biológicas dos ecossistemas existentes no país, não é claro quanto à intangibilidade do patrimônio genético humano.

No campo da biossegurança é de se observar que a inerente imprevisibilidade de todos os resultados possíveis em um experimento com material genético humano, seja por meio de células, tecidos ou mesmo envolvendo pessoas, pode consistir num campo fértil para a expansão do Direito Penal sem qualquer razoabilidade, a ponto de se inviabilizar por completo o desenvolvimento de pesquisas sob o argumento de se evitar o surgimento de novos riscos ao patrimônio genético humano.

E mesmo com a Lei de Biossegurança persiste um hiato legislativo no tocante a pesquisas de biotecnologia envolvendo seres humanos. O texto basilar sobre a matéria ainda é a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde que atua como instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde – SUS, de caráter permanente e deliberativo, cuja missão é a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde[1].

A Resolução 466/12 estabelece em seu item III que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos deve atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes, os quais de acordo com seu item III.1 implicam em:

Ø  Respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida;
Ø  Ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
Ø  Garantia de que danos previsíveis serão evitados;
Ø  Relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.

Como se vê, há uma clara e louvável correspondência entre os fundamentos éticos elencados na Resolução 466/12 e os princípios bioéticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça/equidade. Ocorre que por se tratar de norma administrativa a Resolução 466/12 não fornece a segurança jurídica necessária aos pesquisadores das áreas médica e biotecnológica, servindo tão somente como critério orientador para a interpretação do ordenamento jurídico.

De todo modo, entendemos que qualquer regulamentação legal que venha a ser editada futuramente sobre a matéria não pode se afastar dos princípios bioéticos consagrados na Resolução 466/12, de um lado, e deve observar as exigências de taxatividade, ofensividade e intervenção mínima do Direito Penal, de outro, caso contemple a criação de tipos penais. É de se repudiar a adoção de estruturas “modernizantes” que venham a ampliar ou antecipar indevidamente a tutela penal em detrimento da realização de pesquisas médicas ou biotecnológicas.

Professor Tutor Leonardo Henriques da Silva

Mestre e doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Penal e em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.



[1] In Conselho Nacional de Saúde: Apresentação. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/apresentacao.htm. Acesso em 27.11.2014.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - Reflexão a respeito da decisão abaixo, buscando entender que alguns fatos deveriam escapar da apreciação do direito penal e processo penal e ser analisados até em uma esfera de assistência social.

1ª Turma concede HC à mulher condenada por tentativa de furto de pacote de fraldas

 A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, determinou o trancamento de ação penal contra uma mulher presa em flagrante em março de 2011 e condenada a quatro meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por tentativa de furto de um pacote de fraldas de um estabelecimento comercial em São Paulo. A decisão foi tomada na sessão desta terça-feira (6) no julgamento do Habeas Corpus (HC) 119672, de relatoria do ministro Luiz Fux.

O HC foi impetrado pela Defensoria do Estado de São Paulo em favor de F. B. M. contra decisão de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Perante o Supremo, a defesa pedia a concessão da liminar ao sustentar que o regime inicial para cumprimento da pena deveria ser o aberto, ressaltando a desproporcionalidade da fixação do regime semiaberto, considerados o crime praticado e a pena imposta.

Segundo alegou, F.B.M. já cumpriu mais de 1/6 da pena, uma vez que permaneceu presa preventivamente por dois meses e dez dias, e teria direito ao cumprimento do restante da pena em regime aberto. O ministro Luiz Fux deferiu a liminar em outubro de 2013.

Voto

“Esse caso comprova que atualmente, também no Direito Penal, se tem de avaliar os fatos sob o ângulo da proporcionalidade e da efetividade da justiça criminal”, salientou o ministro Luiz Fux. Ele lembrou que Heleno Fragoso, professor titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em aula inaugural daquela universidade, “protagonizou que não queria um direito penal melhor, queria algo melhor do que o direito penal”. “Já naquela oportunidade tinha essa percepção de que alguns fatos deveriam escapar da apreciação do processo penal e ser analisados até em uma esfera de assistência social”, acrescentou o ministro.

Ele desenvolveu em seu voto não apenas a questão do princípio da bagatela, mas também a influência do princípio da proporcionalidade. “Há casos da vida social em que o estado de necessidade é presumido e, no meu modo de ver, é justamente o que ocorre no caso”, destacou. “Uma mãe que furta um pacote de fraldas de um estabelecimento comercial – e na verdade foi uma tentativa de furto, porque ela foi surpreendida – precisava ser ouvida em outra seara que não fosse a penal”, observou o relator. Para ele, F.B.M. deveria ter um tratamento igual ao que se confere àquele que comete furto famélico.

Em razão da formalidade processual, o ministro Luiz Fux julgou extinto o HC, por inadequação da via eleita, mas concedeu a ordem de ofício para trancar a ação penal. Seu voto foi seguido pela Turma por unanimidade.

Conforme o ministro Roberto Barroso, o Direito Penal no Brasil “está desarrumado” tanto do ponto de vista normativo quanto do filosófico, “e este caso é uma prova cabal disso”. Ele destacou que o sistema penal brasileiro entendeu que deveria ser decretada a pena de prisão, em regime semiaberto, contra F.B.M., “portanto efetivamente, ela está dentro do sistema pela tentativa de furto de um pacote de fraldas descartáveis”. “É preciso pensar o quantum de direito penal, para quem é o direito penal. Certamente essa não é uma forma de lidar com problemas sociais como os que estão envolvidos neste caso”, ressaltou.


Professora Tutora Juline Chimenez Zanetti

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

EMENDATIO LIBELLI: REFLEXÃO


O art. 383, do CPP menciona que - “O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”.

§ 1º Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

  § 2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Com a constitucionalização do Direito Processual Penal seria possível fazer a aplicação literal do art. 383 do CPP? O instituto da emendatio libelli encontra suporte no devido processo legal?

O doutrinador Aury Lopes Júnior, “ressalta que predomina na atualidade o entendimento da “mera correção da tipificação” e, portanto, da aplicação literal do art. 383, sem uma análise aprofundada da questão e da necessária conformidade constitucional.  Portanto, a exigência de contraditório, ainda encontra muita resistência no senso comum teórico e jurisprudencial. O processo penal brasileiro não pode mais tolerar a aplicação acrítica do reducionismo contido nos axiomas jura novit curia e narra mihi factum dabo tibi ius, pois o fato processual abrange a qualificação jurídica e o réu não se defende apenas dos fatos, mas também da tipificação atribuída pelo acusador”.
Analisando a necessária correlação entre acusação e sentença, Aury Lopes citando Scarance Fernades, diz que “na realidade, o acusado não se defende, como normalmente se afirma, somente do fato descrito, mas também da classificação a ele dada pelo órgão acusatório”.

Assim, não se pode mais fazer uma leitura superficial do art. 383 do CPP e, principalmente, desconectada da principiologia constitucional.

Vale lembrar que o réu se defende do fato e, ao mesmo tempo, incumbe ao defensor, também, debruçar-se sobre os limites semânticos do tipo, possíveis causas de exclusão da tipicidade, ilicitude, culpabilidade, e em toda imensa complexidade que envolve a teoria do injusto penal. É óbvio que a defesa trabalha – com maior ou menor intensidade, dependendo do delito – nos limites da imputação penal, considerando a tipificação como a pedra angular em que irá desenvolver suas teses.

Então se faz necessário observar na emendatio libelli a garantia do contraditório, art. 5º, LV, da Constituição, que impõe a vedação da surpresa.

Referência: LOPES JR., Aury. Direito processual penal / 11. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014


Professor Tutor José Carlos Zanetti

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

GUARDA COMPARTILHADA


O Direito de Família é um dos ramos mais dinâmicos do nosso ordenamento, e seus contornos visam alinhar-se à realidade social, seja pelas jurisprudências e/ou legislações. Neste contexto, acompanhamos mais uma inovação: a iminência da sanção Presidencial ao Projeto de Lei nº 117/2013, aprovado pelo Senado Federal, o qual garante o direito do pai e mãe, ao se divorciarem, adotar o instituto da Guarda Compartilhada, mesmo não entrando em acordo, mas aptos a exercerem o Poder Familiar.

A nova lei modificará os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, do Código Civil brasileiro, tornando a modalidade regra e não mais opção, quando da aprovação da Lei nº 11.698 /2008.

É preciso ter ciência a distinção entre Guarda Compartilhada e Guarda Alternada.

Na Guarda Alternada há privação da participação de um dos pais na formação moral do filho. Pelo fato de encontros ocorrerem somente em intervalos diários, semanais, mensais ou até mesmo anuais, a indignação gerada entre as partes abre brechas para a prática de atrocidades psicológicas como a Alienação Parental. Tais motivos justificam o porquê de ser uma Guarda mal vista pela doutrina.

Por outro lado, na Guarda Compartilhada, a coparticipação dos pais, nos rumos da educação e criação dos filhos, elevam a melhor compreensão do benefício da separação do casal, já não mais em sintonia, conserva o amor e protege diversos princípios constitucionais tutelados por nosso Direito, ora constitucionalizado, dentre os quais destacamos: o da paternidade responsável e o dever mútuo de cuidar.

Parte da doutrina, entusiasmada por sua aprovação, comemora o avanço por ratificar a igualdade entre pais e mães no cuidado e convivência com seus filhos.  Por outro lado, juristas entendem que, em ações litigiosas, sem qualquer consenso, sua obrigatoriedade será um grande tormento.

Mesmo que existam argumentos a favor e contra, a proposta do legislador é mais um marco jurídico em busca da preservação do melhor interesse da criança, é ela quem deve ser levada em consideração.

 Prof. Tutor José Carlos C. Filho


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A RESOLUÇÃO Nº 536/14 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A CELERIDADE PROCESSUAL


Caros leitores, em meados de 23.09.2014 publicamos uma pesquisa realizada pela FGV demonstrando a eficiência em números de cada ministro do Supremo Tribunal Federal.

Em referida pesquisa, houve a divulgação do tempo médio de cada ministro para “julgar liminares”, “publicar os acórdãos” e “devolver processos com pedido de vista”.

Assim sendo, foi possível fazer uma análise individualizada da eficiência do trabalho desempenhado por cada Ministro da corte mais importante do País. Contudo, mais do que ciência da forma de trabalho, foi possível ter conhecimento de um comportamento um tanto quanto alarmante e contrário a toda política divulgada voltada para a eficiência a agilidade do Poder Judiciário.

O primeiro ponto refere-se à demora no julgamento de liminares, chegando a demorar mais de 2 (dois) meses para analisar tal pedido. Como se sabe, um dos fundamentos da liminar é o “periculum in mora”, contudo essa lamentável postura adotada por alguns ministros do STF demonstra claramente o desrespeito e descaso com os motivos que fundamentam e justificam a existência do pedido “liminar”.

O segundo ponto levantado pela pesquisa demonstra uma demora injustificada para a publicação dos acórdãos. De acordo com a investigação publicada foi possível constatar que alguns Ministros chegam a gastar 679 (seiscentos e setenta e nove) dias para realizar a publicação, ou seja, quase 2 (dois) anos somente para dar publicidade a julgado já proferido.

Oras, desnecessário se alongar em demasia, essa morosidade é absurda e fere qualquer direito!!!! Disso isso, pois não existe qualquer fundamento plausível para a excessiva demora para realizar um simples ato processual; Qual seja: encaminhar a decisão proferida ao Diário Oficial, simples assim!

Importante ressaltar que esse comportamento deve ser repudiado, pois essa demora demonstra, na realidade, o verdadeiro descaso de alguns julgadores com o direito ali combatido e pleiteado pela parte.

Com o mínimo de reflexão é possível verificar incalculáveis prejuízos a morosidade injustificada causa a parte. Mais que isso, existe um prazo regimental limitando a 60 (sessenta) dias o período para publicação que é completamente ignorado por diversos Ministros.

Outro ponto relevante é a demora de aproximadamente 200 (duzentos) dias para devolução de autos em caso de pedido de vista. Oras, inexiste justificativa razoável para essa longa espera. Na verdade, tal comportamento corrobora com a lentidão do judiciário e a desmoralização dos princípios basilares da Justiça.

Realizada a reflexão acima, a repercussão da pesquisa realizada e apresentada conseguiu uma repercussão extremamente positiva, pois corroborou o debate e a edição da resolução 536 pelo Supremo Tribunal Federal.

A resolução 536, assinada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, mostra consonância com a bandeira defendida de que o Judiciário pode ser mais eficiente. Assim sendo, foi adotada a orientação de que após 60 (sessenta) dias, mesmo sem a aprovação do Ministro responsável, as decisões sejam publicadas. 

Diante do novo comportamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no último mês, houve a publicação de milhares de acórdãos atrasados, representando um verdadeiro recorde em números à Corte.

Assim sendo, deve ser louvado a postura do presidente do Supremo Tribunal Federal, a resolução 536 apresenta inúmeros benefícios para toda a sociedade e corrobora a agilidade e eficiência do judiciário.



Professor Tutor Frederico Thales de Araújo Martos

CAUÇÃO DE IMÓVEL DO FIADOR NO CONTRATO DE LOCAÇÃO: BREVE ANÁLISE REGISTRAL

No cotidiano é comum verificar a celebração de contrato de locação por instrumento particular no qual o fiador (já garantidor) caucione um imóvel seu para tranquilizar o credor/locador em eventual recuperação do crédito não adimplido.

É sabido que o contrato de fiança é contrato e obrigação acessória que tem por finalidade garantir o adimplemento de uma obrigação. Já a caução prestada é uma obrigação acessória à fiança. Assim, vislumbra-se a existência de duas situações: A primeira é a figura da obrigação principal (locação e o aluguel) e o fiador (obrigação acessória); a segunda figura é o Fiador e a caução de um imóvel seu (obrigação acessória - garantia).

Entretanto, diante de tal situação jurídica, alguns Tribunais têm interpretado pela nulidade da garantia que exceda o limite contratual (ou a mais nova garantia), justamente por entenderem que existe uma dupla garantia, o que é vedado pelo ordenamento pátrio (Lei n.º 8.245, de 18  de outubro de 1991, artigo 37, parágrafo único).

Diante de tal situação, os registradores negavam-se a efetuar o registro da caução na matrícula do imóvel apresentada pelo fiador[i], mas não negavam o registro do contrato de locação[ii].

Certo é que hoje já se tem admitido tal registro desde que a caução seja exclusivamente do fiador e não do locatário, caso este pretenda caucionar a locação com um imóvel seu, não poderá haver outra modalidade de garantia.

Outra discussão que se enfrentou é: para a averbação do contrato de locação é necessária a escritura pública ou basta o contrato particular?

Em que pese à discussão estabelecida no Tribunal de Justiça de São Paulo[iii], hoje se admite apenas o instrumento particular e não mais o instrumento público, por força do artigo 38 da Lei de Locação[iv].

Desta forma, hoje tem-se que o registro da caução do fiador em contrato de locação é plenamente possível dispensando-se a necessidade de escritura pública.

Professor Tutor Fábio Pinheiro Gazzi, Mestre em Direito (PUCSP), Pós Graduado em Direito dos Contratos (IICS/CEU), Professor Universitário, Tutor no curso de Pós Graduação em Direito Notarial e Registral (LFG)



[i] Parecer 215/2009-E - Processo CG 2009/26000 TJSP, julgado em 2009;

[ii] Proc. CG n° 2008/32518, TJSP, julgado em 2008
[iii] http://www.irib.org.br/html/biblioteca/biblioteca-detalhe.php?obr=90

[iv]Ora, o ingresso em fólio real de garantia real que tenha por objeto coisa imóvel, referente ao reforço no cumprimento de obrigação oriunda de contrato de prestação de serviços advocatícios, se possível for, só se pode concretizar por registro em sentido estrito, não por averbação: a) a uma, porque não há previsão normativa de exceção para esse tipo de averbação e, conforme já ficou bem definido em precedente da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, apenas em hipótese de locação admite-se, por previsão excepcional de lei específica (Lei nº 8.245/91, art. 38, § 1º), averbação de caução imobiliária (Processo CG nº 110/2005, parecer do então Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça José Antonio de Paula Santos Neto, decisão do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale, DOE de 01 de abril de 2005); b) a duas, porque não estamos diante da hipótese de incidência do artigo 167, inciso II, item 8, da Lei nº 6.015/73, uma vez que a caução em foco não incide sobre direitos relativos a imóvel, mas sim sobre o próprio imóvel e, deste modo, qualifica-se “como hipoteca” (CSM, Apelação Cível nº 72.696-0/7, da Comarca de Itapetininga, j. 12 de setembro de 2000, rel. Desembargador Luís de Macedo)” CÓRDÃO _ DJ 639-6/8 TJSP, Corregedor Geral de Justiça Relator Gilberto Valente da Silva.