A chamada biossegurança, ou segurança na
biotecnologia, representa um objetivo político relativamente recente na
sociedade que decorre da necessidade de se preservar um certo nível de
segurança, com o fim de diminuir ou evitar os riscos inerentes à manipulação
genética. A biossegurança compreende ações de prevenção, eliminação ou
diminuição dos riscos para a vida e a saúde humana e dos animais, além da
manutenção dos seres vivos em seu estado de equilíbrio natural.
A Constituição Federal vigente (CF/88) estabelece
que o Poder Público deve preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do país, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação
de material genético (art. 225, § 1.º, II) e controlar a produção,
comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o ambiente (art. 225, § 1.º, V).
Assim, no âmbito brasileiro é possível
identificar que a biossegurança como objetivo a ser alcançado encontra amparo
constitucional, constituindo um valor fundamental para a vida em sociedade.
Ocorre que o texto constitucional, ao dispor sobre o patrimônio genético do
ponto de vista estritamente ambiental, assegurando a integridade e a
diversidade biológicas dos ecossistemas existentes no país, não é claro quanto
à intangibilidade do patrimônio genético humano.
No campo da biossegurança é de se observar
que a inerente imprevisibilidade de todos os resultados possíveis em um
experimento com material genético humano, seja por meio de células, tecidos ou
mesmo envolvendo pessoas, pode consistir num campo fértil para a expansão do
Direito Penal sem qualquer razoabilidade, a ponto de se inviabilizar por
completo o desenvolvimento de pesquisas sob o argumento de se evitar o
surgimento de novos riscos ao patrimônio genético humano.
E mesmo com a Lei de Biossegurança persiste
um hiato legislativo no tocante a pesquisas de biotecnologia envolvendo seres
humanos. O texto basilar sobre a matéria ainda é a Resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde que atua como
instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde – SUS, de caráter
permanente e deliberativo, cuja missão é a deliberação, fiscalização,
acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde.
A Resolução 466/12 estabelece em seu item III
que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos deve atender aos
fundamentos éticos e científicos pertinentes, os quais de acordo com seu item
III.1 implicam em:
Ø
Respeito
ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua
vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na
pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida;
Ø
Ponderação
entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou
coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e
riscos;
Ø
Garantia
de que danos previsíveis serão evitados;
Ø
Relevância
social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses
envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.
Como se vê, há uma clara e louvável
correspondência entre os fundamentos éticos elencados na Resolução 466/12 e os
princípios bioéticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da
justiça/equidade. Ocorre que por se tratar de norma administrativa a Resolução
466/12 não fornece a segurança jurídica necessária aos pesquisadores das áreas
médica e biotecnológica, servindo tão somente como critério orientador para a
interpretação do ordenamento jurídico.
De todo modo, entendemos que qualquer
regulamentação legal que venha a ser editada futuramente sobre a matéria não
pode se afastar dos princípios bioéticos consagrados na Resolução 466/12, de um
lado, e deve observar as exigências de taxatividade, ofensividade e intervenção
mínima do Direito Penal, de outro, caso contemple a criação de tipos penais. É
de se repudiar a adoção de estruturas “modernizantes” que venham a ampliar ou
antecipar indevidamente a tutela penal em detrimento da realização de pesquisas
médicas ou biotecnológicas.
Professor
Tutor Leonardo Henriques da Silva
Mestre
e doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Especialista em
Direito Penal e em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público
de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de
Coimbra.