A Constituição de 1988
foi responsável pela boa e perfeita travessia de um Estado autoritário para um
Estado democrático de Direito.
Em 1983-84, um novo
movimento, que coincidiu com a intensificação da crise econômica e profunda
recessão, eclodiu no Brasil pedindo eleições diretas para Presidente da
República. Essas manifestações, no entanto, minguaram, ante à rejeição da
emenda constitucional Dante de Oliveira, de 25 de abril de 1984. No entanto,
longas discussões ao derredor da sucessão do Presidente João Figueiredo foram
suscitadas, já que ele abrira mão de coordenar os debates sobre a sucessão
presidencial. E nesse quadro sucessório, apareciam para a eleição indireta pelo
Colégio Eleitoral, designada para 15 de janeiro de 1985, de um lado, como
candidato do PDS (ex-ARENA), Paulo Maluf, e de outro, como postulante ao cargo
e candidato pelo PMDB, Tancredo Neves, no que foi apoiado pela ala dissidente
do PDS, comandada por José Sarney e pelo PDT de Leonel Brizola, além de ter
sido aceito, em razão de sua moderação, por grande parte dos militares, dentre
eles o ex-presidente Ernesto Geisel. Na eleição indireta de 15 de janeiro de
1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral,
recebendo 480 votos contra 180 atribuído a Paulo Maluf. A sua vitória foi
efusivamente comemorada nas ruas. No entanto, na véspera de sua posse, Tancredo
adoece e, em seu lugar, assume, com certa tensão e grau de dificuldade, José
Sarney, que não tinha simpatia dos militares. Havia, em razão disso, receio do
rompimento do processo de redemocratização e manutenção do regime militar. No
entanto, em ato de cumprimento da Constituição, o Congresso Nacional, na
cerimônia do dia 15 de março, deu posse a José Sarney. Já Tancredo Neves,
devido a complicações do seu estado de saúde, veio a falecer no dia 21 de
abril.
José Sarney, já sob a
Presidência, envia a proposta de Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro
de 1985, ao Congresso Nacional para que se convocasse uma Assembleia Nacional
Constituinte à elaboração da Constituição. Por isso, tecnicamente não se
tratava de emenda, mas sim de ato político (SILVA, 2011, p.87).
A Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada por Ulysses Guimarães de a
“Constituição Cidadã”, graças à valorização do cidadão, finalmente foi
promulgada em 05 de outubro de 1988. Com ela, passamos a viver um Novo
pensamento constitucional. Foi-se o tempo em que a
Constituição era destituída de efetividade. Éramos herdeiros de uma tradição europeia em que a Constituição era
compreendida como documento político e não tinha a aplicabilidade direta e
imediata antes que houvesse a intermediação do legislador ou administrador. O nosso constitucionalismo contemporâneo, embora tardio, atingiu o
seu triunfo com a Constituição Federal de 1988, o que contribuiu para a mudança paradigmática da jurisdição constitucional
brasileira, expandindo-a através da ampliação do direito de propositura, bem
como da criação de novas modalidades de controle concentrado (ação declaratória
de constitucionalidade), e a regulamentação da arguição de descumprimento de
preceito fundamental. E nesse novo ambiente, os Tribunais passam a ter o papel
de protagonistas na concretização da Constituição e dos direitos
fundamentais.
No entanto, o controle político,
isto é, o controle realizado por órgãos estranhos ao Poder Judiciário não
desaparece. Ele assume um papel relativamente importante no sistema protetivo
da Constituição, atuando, em regra, preventivamente. Assim é que o controle preventivo realizado
pelos órgãos do Congresso Nacional (Poder Legislativo)
se dá em 3 momentos diferentes. Ele é realizado pela: a) mesa diretora; b) pelas
comissões parlamentes; c) pelo plenário. Quando um projeto de lei chega a um
órgão legislativo, a mesa diretora
recebe o projeto de lei. Se ela entende que o projeto é flagrantemente
inconstitucional, a mesa diretora já pode determinar o arquivamento do projeto.
Qualquer comissão, por sua vez, pela
qual tramita um processo legislativo, tem o poder de arquivar um projeto de lei
que seja inconstitucional. Por fim, o plenário pode rejeitar um projeto de
lei, ao fundamento que é inconstitucional. Mas o controle do Legislativo pode atuar também em caráter repressivo.
Ora, o controle
repressivo exercido pelo Congresso Nacional está no artigo 49, V, CF.[1]
Este artigo remete-nos a duas situações completamente diferentes: poder
regulamentar do Presidente (art. 84, IV, CF)[2],
e, ainda, delegação legislativa ao Presidente (art. 68, CF)[3].
O controle realizado, por sua vez, pelo Poder Executivo é,
a exemplo do Legislativo preventivo. O controle preventivo do executivo é feito
durante a possibilidade do executivo vetar (veto jurídico). Cogita-se também
que o exercício do controle pelo Executivo pode-se dar em função do instituto
do descumprimento de lei pelo Chefe do Poder Executivo, originariamente criado
na Constituição de 1824 (Constituição respaldada na Constituição francesa),
quando era, então, conferido ao Imperador, no exercício do Poder Moderador, a
possibilidade de não cumprir lei (elaborada pela então Assembléia Nacional) que
ele entendesse violadora da Constituição do Império. Bastava a edição de um
decreto não cumprindo a lei. O fato é que depois que a República foi instituída
no Brasil, nunca uma Constituição deu expressamente esse poder ao Presidente.
Essa norma não foi reproduzida nas Constituições Republicanas (nem sequer na
Constituição de 1988). A doutrina e a jurisprudência já admitiram que o Poder
Executivo pode descumprir ato normativo que entenda inconstitucional[4]
nos seguintes termos:
Desobrigatoriedade do Executivo em acatar normas
legislativas contrárias à Constituição ou à lei hierarquicamente superiores –
Segurança denegada – Recurso não provido. Nivelados no plano governamental, o
Executivo e o Legislativo praticam atos de igual categoria, e com idêntica
presunção de legitimidade. Se assim é, não há de negar ao Chefe do Executivo a
faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por
ato administrativo formal e expresso declare a sua recusa e aponte a
inconstitucionalidade de que se reveste. (SÃO PAULO, 1995)
De
nossa parte, porém, sufragamos o entendimento que o Chefe do Poder Executivo
não pode invocar essa prerrogativa, sob pena de incorrer em crime de
responsabilidade (artigo 85, VII, CF).[5]
Ademais, se o Presidente da República entender que uma lei é inconstitucional
poderá ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF, porquanto se trata
de autêntico legitimado do artigo 103 da Constituição Federal de 1988.[6]
Em relação ao controle realizado pelo Tribunal de Contas,
segue-se que essa matéria está sumulada. Nos termos da Súmula 347 do STF “o
Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Diga-se que esse
controle é sempre repressivo. Nunca atua no processo legislativo. Ele é
realizado sobre a norma já acabada, procedendo, por via de consequência, o
exame de constitucionalidade das leis orçamentárias.
E, por fim, destacamos o controle
jurisdicional de constitucionalidade, consistente na faculdade dos membros do
Poder Judiciário declararem a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do
Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios
constitucionais. O controle feito pelo Judiciário se dá, quase sempre, a título
repressivo, portanto, incidindo já sobre a norma, o ato normativo aperfeiçoado.
Mas, também pode se dar, excepcionalmente, a título preventivo, incidindo sobre
o processo legislativo. O sistema constitucional jurisdicional repressivo do direito
brasileiro conhece dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso – no qual o controle
de constitucionalidade é exercido por todos os membros do Poder Judiciário – e o controle concentrado – no qual o exercício do controle é
deferido somente ao Tribunal de Cúpula do Poder Judiciário (no caso brasileiro,
o controle concentrado de constitucionalidade é realizado pelo Supremo Tribunal
Federal).
Professor Tutor Mateus Pieroni Santini
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JÚNIOR,
Dirley da. Curso de direito
constitucional. 3.ed. Salvador:
Juspodivm, 2009.
MENDES, Gilmar
Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Processo Apelação Cível n. 220.155-1/Campinas, Rel. Gonzaga Franceschini. Diário de Justiça. São Paulo, 14 fev.
2005.
[1] Art. 49, V, Constituição Federal de 1988: É da
competência exclusiva do Congresso Nacional: V -
sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
[2] Art. 84, Constituição
Federal de 1988: Compete privativamente ao Presidente da República: IV -
sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução.
[3] Art. 68, Constituição
Federal de 1988: As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da
República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os
atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência
privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à
lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do
Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos
individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias e orçamentos.
§ 2º - A delegação ao Presidente da
República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu
conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a
apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única,
vedada qualquer emenda.
[4]
Alexandre de Moraes (2009) indica: RDA 374/153, 59/344, 82/383; RDP 2/150.
[5] Art. 85, VIII, Constituição
Federal de 1988: São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: o
cumprimento das leis e das decisões judiciais.
[6] Art. 103, I, Constituição Federal de 1988: Podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004): I
- o Presidente da República.