terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SEU CONTEXTO HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 foi responsável pela boa e perfeita travessia de um Estado autoritário para um Estado democrático de Direito.
Em 1983-84, um novo movimento, que coincidiu com a intensificação da crise econômica e profunda recessão, eclodiu no Brasil pedindo eleições diretas para Presidente da República. Essas manifestações, no entanto, minguaram, ante à rejeição da emenda constitucional Dante de Oliveira, de 25 de abril de 1984. No entanto, longas discussões ao derredor da sucessão do Presidente João Figueiredo foram suscitadas, já que ele abrira mão de coordenar os debates sobre a sucessão presidencial. E nesse quadro sucessório, apareciam para a eleição indireta pelo Colégio Eleitoral, designada para 15 de janeiro de 1985, de um lado, como candidato do PDS (ex-ARENA), Paulo Maluf, e de outro, como postulante ao cargo e candidato pelo PMDB, Tancredo Neves, no que foi apoiado pela ala dissidente do PDS, comandada por José Sarney e pelo PDT de Leonel Brizola, além de ter sido aceito, em razão de sua moderação, por grande parte dos militares, dentre eles o ex-presidente Ernesto Geisel. Na eleição indireta de 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral, recebendo 480 votos contra 180 atribuído a Paulo Maluf. A sua vitória foi efusivamente comemorada nas ruas. No entanto, na véspera de sua posse, Tancredo adoece e, em seu lugar, assume, com certa tensão e grau de dificuldade, José Sarney, que não tinha simpatia dos militares. Havia, em razão disso, receio do rompimento do processo de redemocratização e manutenção do regime militar. No entanto, em ato de cumprimento da Constituição, o Congresso Nacional, na cerimônia do dia 15 de março, deu posse a José Sarney. Já Tancredo Neves, devido a complicações do seu estado de saúde, veio a falecer no dia 21 de abril. 
José Sarney, já sob a Presidência, envia a proposta de Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, ao Congresso Nacional para que se convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte à elaboração da Constituição. Por isso, tecnicamente não se tratava de emenda, mas sim de ato político (SILVA, 2011, p.87).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada por Ulysses Guimarães de a “Constituição Cidadã”, graças à valorização do cidadão, finalmente foi promulgada em 05 de outubro de 1988. Com ela, passamos a viver um Novo pensamento constitucional. Foi-se o tempo em que a Constituição era destituída de efetividade. Éramos herdeiros de uma tradição europeia em que a Constituição era compreendida como documento político e não tinha a aplicabilidade direta e imediata antes que houvesse a intermediação do legislador ou administrador. O nosso constitucionalismo contemporâneo, embora tardio, atingiu o seu triunfo com a Constituição Federal de 1988, o que contribuiu para a mudança paradigmática da jurisdição constitucional brasileira, expandindo-a através da ampliação do direito de propositura, bem como da criação de novas modalidades de controle concentrado (ação declaratória de constitucionalidade), e a regulamentação da arguição de descumprimento de preceito fundamental. E nesse novo ambiente, os Tribunais passam a ter o papel de protagonistas na concretização da Constituição e dos direitos fundamentais.      
No entanto, o controle político, isto é, o controle realizado por órgãos estranhos ao Poder Judiciário não desaparece. Ele assume um papel relativamente importante no sistema protetivo da Constituição, atuando, em regra, preventivamente. Assim é que o controle preventivo realizado pelos órgãos do Congresso Nacional (Poder Legislativo) se dá em 3 momentos diferentes. Ele é realizado pela: a) mesa diretora; b) pelas comissões parlamentes; c) pelo plenário. Quando um projeto de lei chega a um órgão legislativo, a mesa diretora recebe o projeto de lei. Se ela entende que o projeto é flagrantemente inconstitucional, a mesa diretora já pode determinar o arquivamento do projeto. Qualquer comissão, por sua vez, pela qual tramita um processo legislativo, tem o poder de arquivar um projeto de lei que seja inconstitucional.  Por fim, o plenário pode rejeitar um projeto de lei, ao fundamento que é inconstitucional. Mas o controle do Legislativo pode atuar também em caráter repressivo. Ora, o controle repressivo exercido pelo Congresso Nacional está no artigo 49, V, CF.[1] Este artigo remete-nos a duas situações completamente diferentes: poder regulamentar do Presidente (art. 84, IV, CF)[2], e, ainda, delegação legislativa ao Presidente (art. 68, CF)[3].

O controle realizado, por sua vez, pelo Poder Executivo é, a exemplo do Legislativo preventivo. O controle preventivo do executivo é feito durante a possibilidade do executivo vetar (veto jurídico). Cogita-se também que o exercício do controle pelo Executivo pode-se dar em função do instituto do descumprimento de lei pelo Chefe do Poder Executivo, originariamente criado na Constituição de 1824 (Constituição respaldada na Constituição francesa), quando era, então, conferido ao Imperador, no exercício do Poder Moderador, a possibilidade de não cumprir lei (elaborada pela então Assembléia Nacional) que ele entendesse violadora da Constituição do Império. Bastava a edição de um decreto não cumprindo a lei. O fato é que depois que a República foi instituída no Brasil, nunca uma Constituição deu expressamente esse poder ao Presidente. Essa norma não foi reproduzida nas Constituições Republicanas (nem sequer na Constituição de 1988). A doutrina e a jurisprudência já admitiram que o Poder Executivo pode descumprir ato normativo que entenda inconstitucional[4] nos seguintes termos:

Desobrigatoriedade do Executivo em acatar normas legislativas contrárias à Constituição ou à lei hierarquicamente superiores – Segurança denegada – Recurso não provido. Nivelados no plano governamental, o Executivo e o Legislativo praticam atos de igual categoria, e com idêntica presunção de legitimidade. Se assim é, não há de negar ao Chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste. (SÃO PAULO, 1995)

De nossa parte, porém, sufragamos o entendimento que o Chefe do Poder Executivo não pode invocar essa prerrogativa, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade (artigo 85, VII, CF).[5] Ademais, se o Presidente da República entender que uma lei é inconstitucional poderá ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF, porquanto se trata de autêntico legitimado do artigo 103 da Constituição Federal de 1988.[6]
Em relação ao controle realizado pelo Tribunal de Contas, segue-se que essa matéria está sumulada. Nos termos da Súmula 347 do STF “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Diga-se que esse controle é sempre repressivo. Nunca atua no processo legislativo. Ele é realizado sobre a norma já acabada, procedendo, por via de consequência, o exame de constitucionalidade das leis orçamentárias. 
E, por fim, destacamos o controle jurisdicional de constitucionalidade, consistente na faculdade dos membros do Poder Judiciário declararem a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios constitucionais. O controle feito pelo Judiciário se dá, quase sempre, a título repressivo, portanto, incidindo já sobre a norma, o ato normativo aperfeiçoado. Mas, também pode se dar, excepcionalmente, a título preventivo, incidindo sobre o processo legislativo. O sistema constitucional jurisdicional repressivo do direito brasileiro conhece dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso ­– no qual o controle de constitucionalidade é exercido por todos os membros do Poder Judiciário – e o controle concentrado no qual o exercício do controle é deferido somente ao Tribunal de Cúpula do Poder Judiciário (no caso brasileiro, o controle concentrado de constitucionalidade é realizado pelo Supremo Tribunal Federal).

Professor Tutor Mateus Pieroni Santini

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 3.ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo Apelação Cível n. 220.155-1/Campinas, Rel. Gonzaga Franceschini. Diário de Justiça. São Paulo, 14 fev. 2005.



[1] Art. 49, V, Constituição Federal de 1988: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
[2] Art. 84, Constituição Federal de 1988: Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
[3] Art. 68, Constituição Federal de 1988: As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.
[4] Alexandre de Moraes (2009) indica: RDA 374/153, 59/344, 82/383; RDP 2/150.
[5] Art. 85, VIII, Constituição Federal de 1988: São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
[6] Art. 103, I, Constituição Federal de 1988: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004): I - o Presidente da República.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Comentários sobre a decisão onde STF proíbe doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais e partidos políticos.

A legislação eleitoral permite que pessoas físicas e pessoas jurídicas façam doações em dinheiro (ou em bens estimáveis em dinheiro) para campanhas eleitorais e também para partidos políticos. Isso está previsto na Lei nº 9.504/97 (conhecida como Lei das Eleições) e na Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos). Vejamos os artigos que tratam sobre o tema:

Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições): Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos): Art. 39. Ressalvado o disposto no art. 31, o partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos.

O Conselho Federal da OAB ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4650) no STF pedindo que sejam declarados inconstitucionais os dispositivos da legislação eleitoral (Leis nº 9.096/95 e nº 9.504/97) que autorizam doações de empresas a candidatos e a partidos políticos.
Na ação, a entidade também pede que seja fixado um limite máximo para as doações feitas por pessoas físicas.

Para a OAB, existe uma infiltração do poder econômico nas eleições, o que gera graves distorções, como a desigualdade política, na medida em que aumenta a influência dos mais ricos sobre o resultado dos pleitos eleitorais, e, consequentemente, sobre a atuação do próprio Estado. Além disso, essa forte influência do poder econômico inviabiliza a possibilidade de sucesso eleitoral dos candidatos que não têm patrimônio para suportar os gastos de campanha nem acesso aos financiadores privados.

O STF julgou parcialmente procedente a ADI e entendeu que os dispositivos legais que autorizam as contribuições de pessoas JURÍDICAS para campanhas eleitorais e partidos políticos são inconstitucionais. Por outro lado, as contribuições de pessoas FÍSICAS são válidas e podem continuar sendo feitas de acordo com a legislação em vigor. STF. Plenário. ADI 4650/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16 e 17/9/2015 (Info 799).


Professora Tutora Juline Zanetti

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Negociações Coletivas de Trabalho

No Brasil, a primeira denominação dada ao pacto coletivo de trabalho foi convenção coletiva, surgindo com o Decreto n. 21.761, de 23-8-32, baseado na lei francesa de 1919. Era definido no art. 1º, como o “ajuste relativo às condições de trabalho, concluído entre um ou vários empregadores e seus empregados, ou entre sindicatos ou qualquer outro agrupamento de empregadores e sindicatos ou qualquer outro agrupamento de empregados”. Esses pactos já tinham efeitos normativos (art. 5º), valendo para toda a categoria profissional e econômica. Estavam legitimados a participar da norma coletiva os sindicatos, federações ou associações (parágrafo 1º, do art. 1º) (MARTINS, 2010).
            A primeira Constituição a reconhecer as convenções coletivas foi a de 1934 (art. 121, I, parágrafo 1º). Utilizava-se do termo convenção coletiva para evidenciar o ajuste coletivo, dando respaldo a futuros contratos individuais do trabalho. A convenção coletiva tinha por escopo estabelecer condições mínimas de trabalho para os contratos de trabalho (MARTINS, 2010).
            As demais Constituições também reconheceram as convenções ou contratos coletivos de trabalho, culminando com a Constituição de 1988, que em seu artigo 8º, inciso VI dispõe ser “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.
            A OIT (Organização Internacional do Trabalho) incentiva as convenções coletivas de trabalho, como forma de autocomposição dos conflitos coletivos. As Convenções n. 98 e 154 têm por finalidade fomentar a sua utilização. A Recomendação n. 91 de 1951, sugere normas sobre procedimento das negociações, efeitos, extensão, critérios interpretativos e controles de aplicação das convenções coletivas (NASCIMENTO, 2013).
            Estabelece a recomendação n. 91 da OIT que contrato coletivo é todo acordo escrito relativo a condições de trabalho e emprego, celebrado entre um empregador, um grupo de empregadores ou uma ou várias organizações de empregadores, por um parte, e uma ou várias organizações representativas de trabalhadores (MARTINS, 2010).
            O Ministério do Trabalho tem orientação no sentido de que o contrato coletivo de trabalho é resultado na negociação coletiva direta e voluntária entre empregados e empregadores, com força de lei, sobre todos os aspectos da relação de trabalho, dos mais simples aos mais complexos. Para que isso possa ocorrer, torna-se necessário criar um novo modelo de relações, que patrocine e estimule a negociação coletiva, assegure proteção para o empregado e proporcione às empresas a flexibilidade que lhes permita responder aos desafios da produtividade e da competitividade. E que conduza ao redimensionamento do papel do Estado nas relações de trabalho, transformando-o de repressor a intervencionista num organizador e articulador do processo, além de viabilizar efetivamente a liberdade e a autonomia sindical (Ministério do Trabalho, Trabalho e Cidadania, 1, p. 1, fev/93) (MARTINS, 2010).
            Embora existam algumas discussões doutrinárias quanto ao conceito de contrato coletivo de trabalho e sua distinção com outras formas de negociação coletiva de trabalho, como as convenções e os acordos coletivos, a doutrina dominante entende que, estas três espécies de negociações coletivas, são institutos distintos, sendo o contrato coletivo de trabalho, de âmbito nacional, envolvendo negociações entre as Centrais Sindicais e as Confederações ou Federações, as convenções coletivas de trabalho envolvendo negociações entre dois sindicatos de categorias distintas e os acordos coletivos de trabalho, bem mais restrito, envolvendo um sindicato da categoria profissional e uma ou mais empresas.
            Professor Tutor: Prof. Me. Rafael Altafin Galli


Referências:

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2009.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.

SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007



terça-feira, 3 de novembro de 2015

A implementação do Simples Doméstico (eSocial) previsto na Lei Complementar 150/2015

Em 1º de junho de 2015 foi promulgada a Lei Complementar 150 regulamentando as mudanças inseridas pela Emenda Constitucional 72/2013 sobre o trabalho doméstico. A LC 150/2015 veio por fim as discussões sobre quais direitos incluídos no artigo 7º, da CF, tinha aplicação imediata e quais dependiam de regulamentação.
A nova regulamentação proíbe o trabalho doméstico de menores de 18 anos, ratificando o entendimento da Convenção n. 182, da Organização Internacional do Trabalho e a Lista de Piores Formas de Trabalho Infantil, Decreto n. 6.481/2008. Regulamenta a jornada de trabalho, considerando a duração normal do trabalho o que não exceder 8 horas diárias e 44 horas semanais, permitindo o regime de compensação e banco de horas[1]. O empregado terá, ainda, jus a intervalo de repouso e alimentação de no mínimo 1 hora e no máximo 2 horas, permitindo por acordo escrito entre o empregador e o empregado a redução para 30 minutos; aviso prévio, inclusive o proporcional; a obrigatoriedade do registro do horário de trabalho do empregado doméstico; adicional noturno de 20%, considerado aquele entre 22h e 5h; férias anuais de 30 dias; FGTS obrigatório; previdência social; seguro desemprego no valor de um salário mínimo, por período máximo de 3 meses; entre outro direitos.
A Lei Complementar 150/15 prevê a criação do simples doméstico, justamente para facilitar os pagamentos de tributos pelos empregadores domésticos. O artigo 31 da LC dispõe que: É instituído o regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico), que deverá ser regulamentado no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da data de entrada em vigor desta Lei. 
Em outubro de 2015 o simples doméstico é instituído – eSocial[2] - com o cadastramento de quase um milhão de trabalhadores domésticos no primeiro mês de funcionamento. O sistema tem por finalidade unificar a prestação de informações pelo empregador com relação aos seus empregados, gerido pela CAIXA, INSS, Ministério do Trabalho e Previdência Social e Receita Federal.
Com o eSocial o empregador deverá recolher, em guia única: 8% de FGTS; 3,2% de fundo para demissão sem justa causa[3]; 0,8 do seguro contra acidentes de trabalho;  8% INSS devido pelo empregador; 8% a 11% INSS devido pelo trabalhador (dependendo do salário) e IRPF se o trabalhador receber acima de R$ 1.930,00.
A EC 72/13, a LC 150/15 e o Simples Doméstico representam um avanço importante com relação aos trabalhadores domésticos que até então estavam excluídos de alguns direitos. Os empregados domésticos poderão, a partir de agora, como exemplo, utilizar-se do FGTS para o financiamento de imóveis e se beneficiar com o auxílio acidentário caso ocorra um acidente de trabalho.
A implementação do eSocial poderá diminuir a informalidade desses contratos de trabalho e aumentar o respeito com relação aos direitos dos trabalhadores domésticos, pois tudo passará a ser reportado eletronicamente. Acabar, ou pelo menos diminuir, com a informalidade depende também de uma mudança cultural tão arraigada no país do “jeitinho brasileiro”.
Professor Tutora Fabiana Larissa Kamada



[1] Não se confunde o regime de compensação com o banco de horas. Os dois sistemas são formas de prorrogação da jornada, sem o pagamento de horas extras, tendo por objeto a dedução ou abatimento em dia diverso. O Acordo de Compensação de Jornada pode ser feito diretamente entre o empregador e o empregado, por acordo individual, visando compensar as horas extras eventualmente trabalhadas por meio de folgas. Para que o acordo seja válido, entretanto, a compensação deve ocorrer no mesmo mês em que as horas extras foram prestadas, conforme previsão no artigo 2º, § 4º, da LC 150/15. Para o sistema de banco de horas a jornada excedente deverá ser compensada em até um ano, de acordo com o artigo 2º, § 5º, da LC 150/15. Para ilustrar, uma empregada doméstica que trabalha 10 horas de 2ª à 6ª feira e aos sábados 6 horas terá ao final do mês 224 horas, ou seja, 48 horas extras. Destas 48 horas o empregador deverá remunerar as primeiras 40 horas (inciso I, §5º, art. 2º, LC 150/15) e poderá colocar no banco de horas 8 horas por mês a ser compensadas até um ano. Situação diferente seria a empregada doméstica que trabalha de 2ª à 6ª feira 9 horas e aos sábados é concedido a folga para compensação das horas extraordinárias realizadas durante a semana. Ao final do mês serão devidos apenas 4 horas extras pelo empregador que deverão ser remuneradas, não podendo ser colocadas no banco de horas, devido à previsão expressa do §5º, art. 2º, LC 150/15.
[2] http://www.esocial.gov.br/
[3] O empregador pagará 3,2% de fundo para demissão sem justa causa em substituição à indenização dos 40% do FGTS. Caso o empregado seja dispensado por justa causa os valores pagos serão devolvidos para o empregador. 

COMENTÁRIOS DA LEI 13.167/2015

A Lei de Execuções Penais, desde a redação original estabeleceu no artigo 84 que nos estabelecimentos prisionais, os presos provisórios ficassem separados dos presos condenados definitivamente. A Lei nº 13.167/2015, alterou a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84) estabelecendo novos critérios para a separação dos presos no estabelecimento prisional.
Assim, com a alteração além da obrigatoriedade em separar os presos provisórios dos condenados definitivamente, nas alas dos presos provisórios deverá haver uma divisão de acordo com a espécie de crime pelo qual estão acusados. De outro lado, na parte do presídio reservada aos presos definitivos, estes também deverão ser separados conforme a gravidade do crime pelo qual foram condenados.
Em suma, além de separar os presos em provisórios e condenados, o legislador entendeu necessário separá-los de acordo com a espécie do crime imputado.
Os presos provisórios ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:
I - acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II - acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;
III - acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II.
Os presos condenados ficarão separados de acordo com os seguintes critérios:
I - condenados pela prática de crimes hediondos ou equiparados;
II - reincidentes condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;
III - primários condenados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa;
IV - demais condenados pela prática de outros crimes ou contravenções em situação diversa das previstas nos incisos I, II e III.
O preso que tiver sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada pela convivência com os demais presos ficará segregado em local próprio.” (NR)
Busca-se evitar que criminosos contumazes ou perigosos possam cooptar condenados primários que, em tese, teriam maior possibilidade de ressocialização.


Professor Tutor José Carlos Trinca Zanetti

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Decisão de interesse: CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de escritura de divórcio e partilha de bens – Recolhimento do ITCMD – Questão de natureza tributária – Não cabe ao Oficial do Registro a análise do valor dos bens imóveis partilhados, para fins de determinação de recolhimento do imposto – Recurso provido, para que a escritura seja registrada.

CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de escritura de divórcio e partilha de bens – Recolhimento do ITCMD – Questão de natureza tributária – Não cabe ao Oficial do Registro a análise do valor dos bens imóveis partilhados, para fins de determinação de recolhimento do imposto – Recurso provido, para que a escritura seja registrada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000002-75.2013.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante CRISLEY BUFALO GUBITOSO, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM,em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PARA DETERMINAR O REGISTRO DA ESCRITURA DE DIVÓRCIO DIRETO E PARTILHA, TAL COMO SOLICITADO PELA INTERESSADA, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 18 de março de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO N° 33.999

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente, impedindo-se o registro de escritura de divórcio e partilha de bens – Recolhimento do ITCMD – Questão de natureza tributária – Não cabe ao Oficial do Registro a análise do valor dos bens imóveis partilhados, para fins de determinação de recolhimento do imposto – Recurso provido, para que a escritura seja registrada.

Trata-se de dúvida suscitada pela Oficial do 1º Cartório de Registro de Imóveis e Anexos de São José dos Campos, sob o argumento de que a escritura de divórcio e partilha de bens lavrada pela interessada e seu ex-marido atribuiu valores equivocados aos dois imóveis que dela constam, acarretando, com isso, o não recolhimento do ITCMD.

Através do instrumento público foram partilhados os seguintes bens: 1) um apartamento localizado em São Paulo, cujo valor venal de referência é de R$ 524.738,00, tendo as partes atribuído a esse imóvel, para fins de partilha, o valor de R$ 1.000.000,00, tendo o bem sido atribuído ao varão; (2) um veículo no valor de R$ 43.141,00; (3) R$ 700.000,00 de uma conta corrente e (4) um imóvel localizado em São José dos Campos, no valor venal de 130.826,99. A esse imóvel os interessados atribuíram o valor de R$ 256.859,00. Esses bens (itens 2, 3 e 4), que somaram R$ 1.000.000,00, foram atribuídos à varoa. Nos termos da escritura, portanto, cada parte ficou com bens no montante de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

A Oficial, levando em consideração o valor venal dos imóveis, entendeu que a divorcianda, ora interessada, recebeu R$ 349.589,99 a mais que o divorciando. Descontada sua meação nesse montante, ainda segundo o raciocínio da Oficial, restaria recolher o ITCMD sobre o valor de R$ 174.794,99, nos termos do art. 2º, II e § 5°, da Lei Estadual n. 10.705/2000.
Para justificar seu posicionamento, a Oficial teceu considerações acerca da Lei Estadual 10.705/2000 e sobre seu dever de fiscalizar o correto recolhimento de tributos.

O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações da Oficial do Registro de Imóveis e manteve a recusa do registro.

Inconformada com a respeitável decisão, a interessada interpôs recurso administrativo, invocando precedente do Conselho Superior da Magistratura, no sentido de que não é da atribuição da Oficial analisar matéria de ordem tributária.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

O recurso comporta provimento. Já decidiu esse Conselho Superior da Magistratura, no julgamento da Apelação 0002604-73.2001.8.26.0025, em voto da lavra do Desembargador José Renato Nalini, então Corregedor Geral da Justiça“A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material.

Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da FazendaPública, principal interessada.

Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função.

Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).”

Não há razão para se alterar esse posicionamento. Conquanto zelosa, a Oficial extrapolou suas atribuições. Ela não pode, substituindo-se ao Fisco, imiscuir-se na discussão acerca da correção do valor para recolhimento do imposto.

Note-se que o art. 9º, §1º, da Lei Estadual 10.705/2000, estabelece que, para o fim de recolhimento de ITCMD, considera-se valor venal o valor de mercado do bem. E o art. 13, I, faz a ressalva de que, em se tratando de imóvel urbano, o valor da base de cálculo não poderá ser inferior ao fixado para lançamento do IPTU.

Ora, os interessados atribuíram, para fins de partilha, valores razoáveis aos bens, que não destoam, necessariamente, de um possível valor de venda. Logo, à primeira vista não há uma desobediência flagrante à legislação, que, repita-se, considera como valor venal o valor de mercado.
A Oficial do Registro não é dado fazer as vezes de autoridade fiscal, desconstituindo, em última análise, o próprio sinalagma da escritura de divórcio, na medida em que, corrigindo os valores do bens, ela quebra o equilíbrio da partilha celebrada de forma equânime.

Há, também, uma equivocada interpretação do art. 289 da Lei de Registro Públicos, do art. 25 da Lei Estadual 10.705/2000, do art. 134, VI, do Código Tributário Nacional e do art. 30, XI, da Lei n. 8.935/94. O que todos esses dispositivos determinam é que o Oficial zele pelo recolhimento do tributo. Ou seja, ele não deve praticar ato sem que o tributo seja recolhido, nas hipóteses em que for obrigatório o recolhimento. Isso não quer dizer, no entanto, que caiba ao Oficial julgar qual a correta base de cálculo e se houve, segundo tal ou qual interpretação da lei e dos fatos, recolhimento a menor. De maneira alguma. Isso é atribuição que cabe à autoridade fiscal. Ao Oficial cabe, tão somente, zelar pelo recolhimento.
Nesses termos, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, para determinar o registro da escritura de divórcio direto e partilha, tal como solicitado pela interessada.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(D.J.E. de 05.05.2014 – SP)


Professor Tutor Fabio Pinheiro Gazzi

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: UMA VISÃO DAS CONSTITUÇÕES BRASILEIRAS

         Como ocorreu em outras nações, entre nós, a responsabilidade estatal evoluiu seguindo-se quase um padrão mundial, ou seja, partindo da total irresponsabilidade do governante para a adoção da teoria objetiva.
Antes da época imperial, seguíamos as ordenações. Na nossa fase imperial, a responsabilidade do Estado era reconhecida em leis e decretos especiais, a despeito de inexistir qualquer mandamento geral que dava guarida. A Carta Imperial de 1824 previa no nº 29, do seu artigo 179, a obrigação reparatória dos empregados públicos pelos abusos e omissões realizados no exercício de suas atribuições, exceto no que fazia deferência ao Imperador. Este desfrutava do tratamento distintivo da irresponsabilidade, conforme rezava o artigo 99. Na época imperial, existia a concepção de que o Estado respondia solidariamente aos atos de seus empregados.
Já a Carta Republicana de 1891, em seu artigo 82[1], da mesma forma, firmava a responsabilidade dos agentes públicos pelos abusos e omissões praticados no empreendimento de suas prerrogativas ou quando fossem condescendentes com seus subordinados. Não era proibida a solidariedade do Estado na reparação do prejuízo. Marchando a par com o mandamento constitucional acima, existiam leis e decretos que exprimiam a responsabilidade estatal por atos danosos obrados por seus empregados.
A nossa Constituição de 1946[2] admitiu manifestamente a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, diferençando, para propósito de ressarcimento, o prejuízo produzido pelo funcionário público, dos prejuízos originados por atos de terceiros ou por fatos da natureza.[3]
Da mesma forma, no artigo 105 da Constituição de 1967 e no artigo 107 da Carta subsequente de 1969, adotavam da teoria da responsabilidade objetiva, dilatando, contudo, a qualidade da pessoa jurídica responsável, que tinha diminuído a sua extensão nas Cartas Políticas pretéritas, aferindo apenas às pessoas de direito público. O mandamento da emenda constitucional repetia dos dizeres o artigo 105 da revogada Carta.[4]
A redação da carta acima é semelhante ao extremo com o texto da Carta de 1946, só havendo a exclusão do termo interno, que era adjetivo das pessoas de direito público.[5]
Já sob o império da promulgada Constituição cidadã, o legislador preferiu deixar explícito o que, nos textos anteriores, figurava de forma subentendida, abrangendo-se na obrigação indenizatória do Estado as ações das pessoas que exerçam funções delegadas, mesmo que de personalidade privada, sob forma de entidades paraestatais, ou de empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. É o que dispõe o § 6º, do artigo 37:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos de seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.

Desta forma, a Constituição Cidadã exalta o princípio da responsabilidade objetiva da Administração Pública pelos danos causados por seus funcionários, quando agindo nessa qualidade. A regra incluiu igualmente as pessoas de direito privado, que são prestadoras de serviços públicos. Contudo, da mesma forma como afirmavam as Leis anteriores, fixou o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Assim, ratificou prudentemente, a direção doutrinária e jurisprudencial tomada pelos juristas, seguindo a orientação da norma da responsabilidade sem culpa do Estado sob a modalidade do risco administrativo.
É necessário demonstrar que o Código Civil de 1916 decidiu abraçar a teoria subjetiva, que era preponderante naquele período, estabelecendo em seu artigo 15 a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, tendo como antecedente a culpa da Administração Pública.[6]
Assim, o legislador do início do século, não fala em indenização somente dos atos praticados pelos funcionários, mas também tinha planos no sentido da reparação dos prejuízos causados em decorrência de omissões dos mesmos. Tendo, assim, a responsabilização tanto por atos comissos e omissos executados pelos agentes administrativos.
Antes de atacar a legislação civil, devemos ponderar o que Código Civil brasileiro, entre as outras muitas qualidades que detém, distingue-se pelo apuro da técnica e correção da linguagem. Afinal de contas, oito décadas de aplicação ininterrupta corroboram a qualificação intelectual dos seus redatores.
Entretanto, entendem muitos juristas existir indeterminação e difusão do texto legislativo, existindo, assim, a possibilidade de aplicação da teoria do risco. É o que afirma o saudoso Hely Lopes Meirelles, conforme transladamos:

Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil.[7]

Neste mesmo sentido, assevera o desembargador Yussef Said Cahali, criticando ao defender a aplicação das regras civilísticas à responsabilidade do estado:

O pressuposto da culpa, como condição da responsabilidade civil do Estado, acabou se definindo com injustificável pela melhor doutrina; em especial naqueles casos em que o conceito de culpa civilística, por si ambíguo, já não bastava para explicar o dano que teria resultado de falha da máquina administrativa, de culpa anônima da Administração, buscando-se, então, supri-la através da concepção de uma culpa publicística.[8]

Decorre desta assertiva que este artigo da lei civil pátria, no que tange a atividades omissivas dos funcionários públicos ou legalmente assemelhados, não foi revogado nem pelo artigo 197 da Constituição de 1946, nem pelo artigo 107 da Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, nem, muito menos, pelo § 6º do artigo 37 da atual Carta, sendo, portanto, recepcionado por todas. Porém, existe somente a derrogação da lei civil quando se trata dos atos comissivos.
O mais interessante é que existe enorme divergência interpretativa daquele artigo. O que era de se esperar, pois a lei data do início do século, e as legislações maiores que sobrevieram não se atentaram para o fato de sua revogação parcial. Para as missões dos agentes inexiste entre nós a responsabilidade objetiva em face da vigência desta parte do artigo 15. A jurisprudência caminha sem firmeza, visto que a culpa foi exigida pelo legislador antepassado, uma contundente demonstração da teoria da responsabilidade subjetiva da culpa administrativa, que subsiste ainda hoje com a teoria da responsabilidade objetiva do risco administrativo. É uma verdadeira aberração jurídica: um rosto de 1916 e um corpo de uma adolescente.
O atual Código Civil, datado de 10 de janeiro de 2002, continuou com a mesma ideia do antecessor, mantendo as pessoas de direito público interno no campo civil, conforme já foi discutido, apenas excluindo a responsabilidade da pessoa jurídica no caso de culpa lato sensu de seu agente.[9]

Professor Tutor Dr. Cildo Giolo Júnior

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1891). Constituição Política do Império do Brazil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1967-69). Constituição da República Federativa do Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67EMC69.htm. Acesso em: 03out. 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Presidência da República. Casa Civil. Subchefia de Assuntos Jurídicos.  Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 03out. 2015.
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
MEIRELLES,Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.




[1] “Art 82 - Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos. Parágrafo único - O funcionário público obrigar-se-á por compromisso formal, no ato da posse, ao desempenho dos seus deveres legais.”
[2] “Art 194 - As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.”
[3] “Muitos doutrinadores brasileiros defendem o entendimento de que o artigo 194 desta Constituição revogou de forma tácita o artigo 15 do Código Civil, ao substituir o princípio de culpa, pela teoria que fundamenta a obrigação do Estado no nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a atividade pública que o provocou.”ÉlcioTrujillo, Responsabilidade do estado por ato ilícito, p.103.
[4] “Artigo 107. As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo Único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”.
[5] “Artigo 194. As pessoas jurídicas de direito público interno responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo Único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo”.
[6] “Art. 15 - As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”
[7]Direito Administrativo brasileiro, p. 556.
[8]Responsabilidade civil do Estado, p. 22.
[9] “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

Os vinte anos de Organização Mundial do Comércio

No último post do ano na área de Direito e Comércio Internacional, gostaríamos de ressaltar o aniversário da Organização Mundial do Comércio (OMC). A OMC começou a desenvolver seus trabalhos em 01 de janeiro de 1995, e deve ser analisada como um dos principais resultados da Rodada Uruguai. Essa organização é aquela responsável por coordenar as negociações, bem como a elaboração de acordos relacionados ao comércio internacional, e supervisiona a prática de tais normas. Assim, a OMC procura desenvolver um diálogo importante entre os atores internacionais e as concepções de livre-mercado preconizadas pela organização.
Porém, dada a heterogeneidade de seus membros e dos temas discutidos, o processo de consenso pretendido pela OMC é complexo e ambicioso. A OMC ainda recebe diversas críticas pela dificuldade em conseguir finalizar seus acordos. Entretanto, dentro da própria estrutura da organização, repousa sobre o Órgão de Solução de Controvérsias um importante ambiente de discussão e decisão referente à proposta inicial da organização no sentido de facilitar o comércio internacional ao tentar coibir ações contrárias a esse propósito como, por exemplo, a prática de dumping.
No início do ano corrente, Roberto de Carvalho Azevedo, diretor-geral da OMC, chamou a atenção, em seu discurso em comemoração ao aniversário da organização, para anecessidade de se articular negociações e acordos de forma mais rápida, já que a dificuldade em finalizar a Rodada de Doha, por exemplo, ainda apresenta-se como uma crítica bastante contundente ao papel da instituição na promoção e conclusão de acordos internacionais.
Assim, a comemoração dos vinte anos da organização mostra uma abertura à interação entre os atores internacionais, mas aponta, também, para uma reflexão em relação às fragilidades e dificuldades em operacionalizar seu papel. Tais barreiras não são intransponíveis, mas nos conduz a repensar alguns conceitos importantes como soberania e protecionismo, essas, sim, barreiras impostas pelos próprios Estados e que podem ser vislumbradas com alguma facilidade no âmbito do comércio internacional.

Professora Tutora Daniela Bertotti

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DIREITO DO ACOMPANHANTE NO TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO

A individualização tornou uma das principais características das relações interpessoais nos dias atuais. Um abraço, beijo, aperto de mãos (de coração, não para negócios), na grande maioria dos eventos da vida, são mais que imprescindíveis, e na ausência de um “ombro amigo” identificamos o aumento de celeumas no Poder Judiciário, em busca por danos morais, oriundos da escassez de afeto em momentos relevantes do convívio humano.

Neste sentido, a Lei Federal nº 11.108/2005, incluiu na já promulgada Lei nº 8.080/90, a qual positiva as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, um novo capítulo (Capítulo VII - Do Subsistema de Acompanhamento durante o Trabalho de Parto, Parto e Pós-Parto Imediato – artigo 19-J) garantidor da participação de 1 (um) acompanhante durante todo o período que se estende entre o trabalho de parto aos primeiros 10 dias após, salvo intercorrências, conforme Portaria do Ministério da Saúde nº 2.418/2005.

Os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) ou a eles conveniados deverão autorizar a presença do pai, ou membro da família, ou qualquer outro indivíduo de livre escolha da parturiente e disponibilizarem em local visível este direito.

São diversos os benefícios para a mãe comprovados pela própria OMS (Organização Mundial de Saúde), dentre os quais se destacam: menor insegurança e ansiedade, fortalecimento do vínculo da afetividade, confiança, paternidade responsável e muitos outros.

O direito ao acompanhante não se restringe apenas ao SUS, os Planos de Saúde seguem uma determinação legal editada pela Agência Nacional de Saúde (ANS) - Resolução Normativa nº 338, de 21 de outubro de 2013 -, a qual ratifica a obrigação (Subseção IV - Do Plano Hospitalar com Obstetrícia), e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) regulamenta o funcionamento técnico dos serviços de atenção obstétrica e neonatal, publicado na Resolução da Diretoria Colegiada n° 36, de 03 de junho de 2008 (9. Processos Operacionais Assistenciais).

É nossa legislação, irradiada pela Constituição Federal, cumprindo sua função social pelo Principio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III), “proteção à maternidade” (art. 6º ) e da assistência social (art. 203, I).


Professor Tutor Prof. Me. José Carlos C. Filho.