sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Breve comentário sobre as decisões proferidas pela Ministra Ellen Gracie na Suspensão de Segurança n.º 3073 e na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 91


Existem algumas decisões proferidas pelas Cortes Supremas que nos permitem parar um pouco para refletir sobre a própria função do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Um exemplo disso ocorreu na mais famosa decisão da Suprema Corte Americana no caso Marbury vs.Madison, que representou uma mudança na concepção do princípio da Separação de Poderes, criando o gérmen da do Controle de Constitucionalidade dos Atos Legislativos.

As suspensões de segurança e tutela antecipada concedidas pela Ministra Ellen Gracie em 2007, embora não tenham a repercussão histórica da mencionada decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, exigem uma reflexão sobre o próprio papel do magistrado na sociedade democrática. Sem embargo, nas mencionadas decisões, a Ministra, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que o fornecimento gratuito de medicamentos de alto custo para pacientes com câncer pode representar uma violação ao artigo 196 da Constituição da República, uma vez que o aludido dispositivo refere-se “à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações
individualizadas”.

Argumenta, portanto, a nobre Ministra que o fornecimento de medicamentos de alto custo poderia comprometer as políticas públicas na área da saúde, eis que acarretaria um problema de “ingovernabilidade”, entendida esta como “a incapacidade de um governo ou de uma estrutura de poder formular e de tomar decisões no momento oportuno, sob a forma de programas econômicos, políticas públicas e planos administrativos (...)”(FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, p. 118-119), representando uma violação ao próprio princípio da igualdade.

Cabe, no entanto, a seguinte pergunta: como deve decidir o Judiciário no embate entre os direitos individuais e a governabilidade? Sem delongas e reconhecendo que a pergunta não é de fácil resposta, gostaria apenas de esboçar uma solução para o problema colocado.

Para tanto, utilizo-me da doutrina de Ronald DWORKIN, seja pela sua importância teórica para o debate jurídico e político contemporâneo, seja por
representar uma visão do Poder Judiciário, apreendido em sua essência. Ao comentar a importância teórica e política da decisão da Suprema Corte Americana no caso Marbury vs Madison, DWORKIN constata que o órgão de cúpula do Poder Judiciário tem, de fato, natureza política e, nesse sentido, suas decisões envolvem o debate sobre questões substantivas, e não meramente formais. Todavia, a racionalidade envolvida nessas deliberações deve basear-se no que ele denomina de “argumentos de princípio”, ou seja, “o Tribunal deve tomar decisões (...) sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não decisões sobre se promove melhor o bem-estar geral”.(DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, p. 101).

Para DWORKIN, o Judiciário é o grande fórum para a discussão dos direitos individuais: é o locus apropriado para que os conflitos que surgem entre o individuo e a sociedade sejam decididos, não com base em argumentos econômicos, mas sim valorativamente, buscando-se a concretização da Justiça.

As decisões da Ministra Ellen Gracie estão eivadas, portanto, em sua própria
essência, já que não espelham a melhor interpretação dos valores constitucionais envolvidos na questão do fornecimento gratuito de medicamentos de alto custo para pacientes com câncer: a Ministra permitiu que alguns indivíduos fossem sacrificados em nome da racionalidade econômica.


Professor Turor Marcos Paulo Falcone Patullo

Acordo previdenciário Brasil-Bélgica já está em vigor

Os aproximadamente cinquenta e cinco mil brasileiros que residem na Bélgica, além dos belgas que vivem no Brasil, poderão comparecer a qualquer Agência da Previdência Social (APS) para requerer a totalização do tempo de contribuição nos dois países e solicitar aposentadoria por idade, pensão por morte e aposentadoria por invalidez.

O aumento da cobertura previdenciária será proporcionado pela entrada em vigência do Acordo de Previdência Social entre o Brasil e a Bélgica, que, além da legislação do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), abrange também a referente aos Regimes Próprios de Previdência Social (de servidores federais, estaduais, distritais e municipais). O texto do acordo, por meio do Decreto n° 8.405, já foi promulgado e encontra-se publicado na segunda página, seção 1, do Diário Oficial da União.

No Brasil, antes de comparecer a qualquer APS para a apresentação dos documentos e o preenchimento dos formulários, sugere-se o agendamento prévio pela Central 135. Na Bélgica, os potenciais beneficiados devem procurar a Previdência Social belga.

Acordos de Previdência Social – Além das convenções previdenciárias multilaterais – a ibero-americana e do Mercosul –, o Brasil possui acordos previdenciários bilaterais em vigência com Alemanha, Bélgica, Cabo Verde, Canadá, Chile, Espanha, França, Grécia, Itália, Japão, Luxemburgo e Portugal. Encontram-se em processo de ratificação acordos com Coréia, Suíça e Quebec (província que, segundo a Constituição Canadense, detém autonomia para o estabelecimento de tais instrumentos).

Fonte: INSS


Professor Tutor Orlando Guarizi Junior

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA GREVE

            Alguns autores afirmam que o primeiro episódio de greve teria sido a fuga dos hebreus do Egito, narrada no Êxodo, enquanto outros asseveram que a gênese desse fenômeno se encontra em movimento de paralisação realizado por operários egípcios que trabalhavam no Templo de Mut (2100 a.c., em Tebas). Esses trabalhadores rebelaram-se contra o pagamento do salário, que era feito in natura (alimentação), porque além de insuficiente era ainda irregular. Afirma-se que as mulheres desses operários é que convenceram os maridos a reivindicar dois pães suplementares por dia. A tentativa de solucionar o problema junto ao governador Psanc frustrou-se, com a consequente paralisação dos trabalhos, o que gerou a condenação dos grevistas à forca. Entretanto, as mulheres desses operários intercederam junto ao faraó e conseguiram evitar o enforcamento (BARROS, 2009).
            Em apertada síntese, pode-se destacar que, por todo o mundo, a greve passou pela fase da proibição, com uma dupla qualificação: ilícito civil, cuja consequência era a resolução contratual, e ilícito penal, reprimida como delito. Numa etapa seguinte, a greve deixa de constituir ilícito penal e continua como ilícito civil; é a fase da tolerância. Finalmente, a greve passa a ser reconhecida como um direito, inclusive no plano constitucional, vista como forma de legítima defesa dos trabalhadores, visando a constranger o empregador a acatar suas reivindicações. Como tal, a greve tende a reequilibrar os fatores da produção (capital e trabalho) (BARROS, 2009).
            No Brasil, a Constituição de 1937 considerava a greve e o lockout recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital, e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. Com o decorrer do tempo, foi-se modificando o conceito de greve. A Constituição de 1946 passou a reconhecer o direito de greve, a ser regulado através de lei ordinária (MARTINS, 2010) e assim ocorreram com as demais constituições.
            A Constituição de 1988 em seu artigo 9ª, assegura do direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Em seu parágrafo 1º reconhece também a possibilidade de greve nos serviços essenciais, destacando que, a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Por fim, em seu parágrafo 2º, dispõe que, os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
            A lei n. 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve, definindo as atividades essenciais e regulando o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. A atual lei não versa sobre o pagamento dos dias parados, nem sobre a contagem do tempo de serviço durante a greve. Não trata da legalidade ou ilegalidade da greve, mas usa o termo abuso de direito pelo não cumprimento de suas prescrições (MARTINS, 2010).
            A greve pode ser conceituada como a suspensão coletiva, voluntária, provisória e pacífica, total ou parcial, da atividade dos trabalhadores em face dos respectivos empregadores, com o objetivo de pressioná-los à negociação coletiva, para a conquista de determinados benefícios, como aumento de salários ou melhoria de determinadas condições de trabalho, ou para evitar a perda de benefícios (SCHWARZ, 2007).
Como fenômeno social de caráter coletivo, a greve é uma manifestação visível da atuação dos sindicatos, testando-se nela o grau de consciência de classe e de capacidade de luta que os trabalhadores adquiriram como membros desses grupos sociais secundários. Essa capacidade de luta está correlacionada com a politização dos trabalhadores, de tal forma que neles se tem desenvolvido o sentimento de solidariedade coletiva como superação dos seus interesses meramente individuais ou de suas conveniências particulares. Esse entrega total de cada trabalhador, em função de um interesse abstrato do grupo, tendo em vista a consecução de um fim comum e coletivo, independentemente dos riscos que dela decorrem, justifica o fundamento social da greve (VIANNA, Apud BARROS, 2009).

Professor Tutor  Prof. Me. Rafael Altafin Galli

Referências:

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2009.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26ª Ed. São Paulo: Atlas, 2010.


SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007

Alguns apontamentos sobre a transmissão do direito real de propriedade por efeito do consenso na história do direito luso-brasileiro.

A historiografia jurídica luso-brasileira contemporânea aponta, de modo praticamente unânime, que o direito privado brasileiro teria permanecido mais fiel à tradição do antigo direito lusitano que o próprio direito português. Um dos aspectos demonstrativos deste fato seria a eficácia do contrato de compra e venda, já que, no Brasil, manteve-se a distinção romana entre título e modo de aquisição, enquanto que Portugal teria seguido a inovação jusracionalista de abolir a necessidade do ato material da tradição para transferência do direito real de propriedade[1]. Entretanto, antes da codificação do direito civil português, seria possível verificar, de um e de outro lado do Oceano, esta diferença entre preservação e inovação?
Parece-nos impossível afirmar que tenha havido, entre os juristas portugueses que divulgaram suas obras entre o final do século XVIII e início do século XIX uma decisiva adesão à inovação jusracionalista. Com exceção de Correa Telles no Digesto Português, não se vislumbra em outros autores a defesa do consensualismo, embora a teoria fosse conhecida e debatida por Pascoal José de Melo Freire, Liz Teixeira e Manuel António Coelho da Rocha[2].
Esse diagnóstico talvez não pudesse ser antevisto a partir da leitura de textos historiográficos. Guilherme Braga da Cruz, por exemplo, aduzia que

outro ponto em que o direito brasileiro manteve sempre uma intransigência inflexível e que o direito português logo cedeu, com o Código Civil, à novidade vinda de França, foi o  da insuficiência do acordo de vontades para produzir a transferência de direitos reais. O Código Civil brasileiro continua a consagrar a velha tradição romana, que sempre foi também a tradição portuguêsa, de que o simples acôrdo de vontades, na compra e venda, na doação, e em contratos congêneres, apenas tem efeitos obrigacionais, e não pode, só por si, produzir a transferência da propriedade, para a qual é necessário que ao contrato venha acrescentar-se a entrega, real ou simbólica, da coisa que se pretende transferir. (...) O nosso Código Civil [português], diversamente, dando realização aos intentos dos juristas da época, que e ahviam deixado seguir pelo Código de Napoleão, consignaria a doutrina contrária, despresando, assim, a tradição jurídica portuguêsa[3].

Não há dúvida de que está correto o eminente historiador quando se tem em vista os códigos sistematizados em Portugal e no Brasil. Entretanto, este distanciamento no plano das fontes não tem, necessariamente, a mesma intensidade nos discursos dos juristas que, reiteramos, mesmo conhecendo e debatendo o consensualismo, não fazem sua apologia.
Se bem atentarmos, também entre os juristas franceses da fase anterior à codificação não houve adesão irrestrita ao consensualismo. Domat e Pothier permaneceram afastados da doutrina inaugurada por Grócio e Pufendorf. Os teóricos do direito civil franceses apenas se rendem à eficácia translativa do contrato de compra e venda após a entrada em vigência do Code Civil.
Os discursos dos juristas franceses da fase codificada tendem a indicar que a modificação no sistema de transmissão da propriedade se deu em razão do próprio código, abstendo-se da investigação sobre as origens da nova doutrina, mas sem deixar de sublinhar sua diferença para o direito do antigo regime e para o direito romano. Este modo de proceder, enfatizando a oposição entre o novo direito e o velho direito, remete à imagem de Napoleão, ostentada em alto-relevo em seu mausoléu, em que o imperador, com a mão direita, rechaça o Droit Romain e, com a mão esquerda, aponta o novo regramento representado pelo Code Napoléon, que traria justice éguale et intelligible pour tous. Logo abaixo da imagem, lê-se, como se fossem palavras do próprio imperador, meu código por si só, por sua simplicidade, fez mais bem em França que toda a massa de leis que me precederam. Ora, os juristas da escola da exegese, que se seguiu à promulgação do Code, não fizeram mais que confirmar a aspiração de superioridade do código sobre o direito antigo.
Um movimento semelhante seguiu-se em Portugal. Mesmo com as oscilações doutrinárias, o Código Civil de 1867 atribuiu efeito translativo ao consenso por meio do artigo 715 e, especificamente em relação à compra e venda, pelo artigo 1549. Em comentário ao código, José Dias Ferreira afirmava que “nosso código seguiu abertamente a doutrina do direito francez, dispensando a tradição para a validade da alienação, e considerando transferida a posse com a transferência da propriedade”[4]. Assim, embora no campo da ciência do direito e da cultura jurídica o consensualismo tivesse adesão restrita, o Código de Seabra atribuiu expressamente eficácia real ao contrato de compra e venda.
No Brasil, ao contrário de um código que adotasse a teoria jusracionalista, tivemos as obras de José da Silva Lisboa e Augusto Teixeira de Freitas, além do próprio Código Comercial, que, refletindo as fontes de direito vigentes, sistematizaram o direito privado marcando o direito brasileiro como mais fiel à tradição romanística.
Nota-se, com isso, que os debates sobre a figura jurídica objeto deste estudo vão além de se cunhar o regramento mais ajustado à vida das pessoas; há, embutida nos discursos, a tentativa de se destacar as marcas do ordenamento jurídico nacional, aproximando-o ou afastando-o do novo ou do velho, do que é concebido como uma genuína tradição jurídica, ou como uma inovação tendente a tornar o direito mais equitativo. 
Professor Tutor Renato Sedano Onofri



[1] A este respeito, dispõe o artigo 1267 do Código Civil brasileiro que “a propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição”, deixando claro, com isso, que os negócios jurídicos por si mesmos não irradiam eficácia real. Por sua vez, Código Civil português arrola, no artigo  879º, que a compra e venda tem como efeito essencial “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (...)”, evidenciando-se, assim, a aproximação teórica com a doutrina jusracionalista encabeçada por Grotius e Pufendorf e adotada, posteriormente, pelo Código Civil francês de 1804.
[2] Confira-se, dos autores indicados, as seguintes obras: Coelho da Rocha, Manuel António. Instituições de direito civil portuguez, 2 tomos, 3ª ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1852; Correa Telles, José Homem. Digesto portuguez ou tratado dos direitos e obrigações civis accomodado ás leis e costumes da nação portugueza para servir de subsidio ao novo codigo civil, 3 tomos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1835; Correa Telles, José Homem . Doutrina das acções. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1918; Correa Telles, José Homem. Manual do tabellião. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842; Liz Teixeira, Antonio Ribeiro. Curso de direito civil portuguez para o anno lectivo de 1843-1844 ou commentario às Instituições do Sr. Paschoal José de Mello Freire sobre o mesmo direito, tomo II. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1845; Melo Freire, Pascoal José de. Instituições de direito civil português (trad. port. Meneses, Miguel Pinto de). Lisboa: Boletim do Ministério da Justiça, 1966. Disponível em < http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verobra.php?id_obra=76>, último acesso 31/05/2014.
[3] Braga da Cruz, Guilherme. A formação histórica do moderno direito privado português e brasileiro, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 50, 1955, pág. 70-71.
[4] Ferreira, José Dias. Codigo civil portuguez annotado, vol. II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1871, pág. 221. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Adiada votação do novo Código Penal pela CCJ

A votação do projeto de reforma do Código Penal (PLS 236/2012) na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), prevista para esta quarta-feira (17), foi transferida para a primeira reunião do colegiado em 2015, após a reabertura dos trabalhos legislativos em 2 de fevereiro.

O relator do projeto na CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), apresentou nesta quarta substitutivo acatando parte das 75 emendas apresentadas ao texto, mas os senadores pediram mais tempo para aprofundar a análise das mudanças. Com isso, a votação da matéria ficou para o próximo ano.
O texto terá outro relator quando voltar à pauta da CCJ, pois Vital do Rêgo deixará o Senado para assumir vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

Lamento que não tenha sido votado, mas havia necessidade [de mais tempo para análise], pela complexidade da matéria. Somente na próxima legislatura nosso relatório será apreciado, pela futura Comissão de Constituição e Justiça – disse.

Vital destacou a importância da modernização do Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), que, apesar de ter passado por atualizações ao longo destes 74 anos, a seu ver não acompanhou as transformações da sociedade.

Conforme observou, a reforma proposta atualiza as relações da sociedade com o Estado, reforça o respeito ao direito à vida e a outros direitos dos cidadãos e amplia o rigor na punição àqueles que desrespeitam esses direitos.

O novo código atualiza temas importantes, que estavam em leis especiais, leis extravagantes, e nós trouxemos todos para o código. Oferece condições materiais objetivas para que o cidadão se sinta mais protegido pelo direito que tem e que muitas vezes o Estado não cumpre — frisou.

Para elaborar seu substitutivo, o relator se baseou em um anteprojeto apresentado por uma comissão formada por 16 juristas, que atuou no Senado em 2011 e 2012. A comissão analisou mais de 120 leis em vigor, preservando dispositivos adequados ao novo código e propondo a revogação de normas consideradas superadas.

O relator na CCJ também aproveitou substitutivo apresentado por Pedro Taques (PDT-MT) a uma comissão especial de senadores, que analisou a matéria antes da CCJ. Assim como ocorreu com a comissão de juristas, a comissão especial realizou diversas audiências públicas para colher sugestões de especialistas e segmentos organizados da sociedade.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado) Geraldo Magela/Agência Senado


Professora Tutora Lilian Barcalobre Manoel

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE AS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Se, de um lado, é pacífico o controle de constitucionalidade realizado sobre emendas à Constituição – como decorrência do exercício do Poder Constituinte Derivado -, de outro, dúvidas pairam em relação à fiscalização de constitucionalidade das normas constitucionais originárias. A teoria do controle de constitucionalidade incidindo sobre as normas constitucionais originárias surgiu na Alemanha, com Otto Bachof (2009), em seu consagrado livro intitulado de “Normas constitucionais inconstitucionais?”.
Otto foi um jurista que vivenciou a hegemonia e o colapso do nazismo. No período de transição para o Estado Democrático de Direito, o autor tedesco proferiu uma palestra em 20 de julho de 1951, na qual trouxe à baila os modos de atuação estatal, inclusive positivados, contrários a certos valores enraizados na comunidade europeia como um todo. Para ele, então, tornava-se imperioso reconhecer a existência de um direito “supralegal”, o qual deveria conformar a atuação do Poder Constituinte. A violação desse direito “supralegal” culminaria numa ação inconstitucional. Otto relata as diversas possibilidades de uma norma constitucional incorrer numa inconstitucionalidade. Em primeiro lugar, as limitações ao Poder Constituinte Originário põem-se em relação à legitimidade. A validade, portanto, de uma Constituição não depende, em regra, de sua legalidade, assim compreendida como a elaboração de acordo com os preceitos da Constituição antes em vigor. Pode acontecer, no entanto, que em momento posterior à sua feitura, ocorra a ilegalidade de uma Constituição. Isso acontece quando ela não observa as condições formais existentes em seu próprio texto. Mas dentre outros casos de inconstitucionalidade das normas constitucionais mencionados por Bachof, a que mais nos chama a atenção é a invalidação de normas constitucionais em virtude de contradição com normas constitucionais de grau superior. Por mais paradoxal possa parecer, já que uma lei constitucional não pode, manifestamente, violar-se a si mesma, é possível, segundo o autor, que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma formalmente constitucional, fosse contrária a um preceito material fundamental da Constituição. Logo, as normas constitucionais de grau inferior seria inconstitucional e inválida se contrariassem as de preceito superior do mesmo documento constitucional - direito supralegal. Vale ressaltar, no entanto, que o próprio Bachof reconhece a possibilidade do Constituinte Originário estabelecer exceções às normas constitucionais de grau superior, ressalvando apenas as exceções irretorquivelmente arbitrárias. (BACHOF, 2009, p.48-59)
Em nosso sistema constitucional, no entanto, não há espaço para agasalhar a tese de Otto Bachof. Isso porque os preceitos constitucionais não apresentam hierarquia entre si, sendo certo que as normas, ainda que apenas e tão-somente formalmente constitucionais, não se colocam abaixo das outras dotadas de caráter material. Na aguda observação de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p.78), as normas da Constituição têm igual valor. Pensar o contrário e distinguir entre normas formal e materialmente constitucionais e normas formal mas não materialmente constitucionais conduziria a uma quebra da unidade normativa da Constituição.
Conforme assentado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por meio do Min. Rel. Moreira Alves, opinião, a propósito, com a qual compartilhamos, a tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias conduzindo ao reconhecimento de inconstitucionalidade de umas em face de outras se afigura incompossível com o sistema da Constituição rígida. Isso porque as normas constitucionais originárias retiram o seu fundamento de validade no próprio Poder Constituinte Originário. Ademais, não se pode perder de vista que o próprio Bachof (2009) reconhece que, em relação à inconstitucionalidade de normas constitucionais por contradição com normas constitucionais de grau superior, o Constituinte Originário tem liberdade para determinais quais sejam essas normas constitucionais de caráter superior, podendo, inclusive, estabelecer exceções a elas, salvo se essas exceções forem arbitrárias. O Pretório Excelso, assim, não teria jurisdição para fiscalizar o Poder Constituinte Originário, distinguindo as exceções que, em seu entender, sejam razoáveis das que afiguram arbitrárias, para declarar estas inconstitucionais. Por fim, vale ressaltar que os limites impostos na Carta Magna para a sua modificação só podem ser invocadas contra o Poder de Reforma e não em face do Poder Constituinte Originário. (BRASIL, 1996)

Professor Tutor Mateus Pieroni Santini

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. São Paulo: Almedina, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo ADI 815-3/DF, Rel. Min. Moreira Alves. Diário de Justiça da União. Brasília, 10 mai. 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002.

Semântica de “propriedade” e de “direito de propriedade”

Muitos juristas e operadores do Direito se valem dos termos “propriedade” e “direito de propriedade” como sinônimos. No entanto, trata-se de expressões com significados diversos, ainda que exista associação entre as semânticas. 

Nas lições de Sílvio Luís Ferreira da Rocha, “propriedade” decorre do latim proprietas que por sua vez deriva de proprius e designa “o que pertence a uma pessoa”[1]. Propriedade denota a relação em que um bem está sujeito ao domínio de uma pessoa. O direito de propriedade, por sua vez, é uma face da propriedade, como reconhecida juridicamente.

Celso Antônio Bandeira de Mello, com lições de Lassale, enfrenta a questão da seguinte forma: “não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões daquelas, porém como admitidas num dado sistema normativo”[2].

Portanto, a “propriedade” é entendida, ontologicamente, como relação de domínio do homem sobre a coisa, independentemente do ordenamento jurídico em que se insere, sendo esta noção ontológica de propriedade mais utilizada pelos juristas. Sem embargo, a expressão “propriedade” pode ser referente também ao bem objeto da propriedade, ou seja, à própria coisa que se domina.

Há, também, quem tenha uma visão ontológica diferenciada de propriedade que entenda ser a função social o principal delineamento de seu conceito. Para Duguit, a “propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza”[3].

Deixando a análise de “propriedade” e passando a análise de “direito de propriedade”, pode-se verificar que a noção ontológica do primeiro termo não se aplica à noção do segundo termo. Como ensina Kelsen, o direito de uma pessoa se contrapõe ao dever de outra, são os pólos de uma relação. Assim, o direito de propriedade refere-se a uma relação jurídica entre o proprietário, pessoa de direito, e as demais pessoas. Não se admite uma relação jurídica entre uma pessoa e uma coisa. Kelsen é claro:

Visto que o Direito, como ordem social, regula a conduta de indivíduos nas suas relações – imediatas ou mediatas – com outros indivíduos, também a propriedade só pode juridicamente constituir numa determinada relação de um indivíduo com outros indivíduos, a saber, no dever destes de não impedir aquele no exercício desse poder de disposição. Aquilo que se designa como poder exclusivo de uma pessoa sobre uma coisa é a exclusão de todos os outros [4].


Como relação jurídica, há de se ressaltar que “direito de propriedade” não se refere a uma noção ontológica. O direito é moldado pelo regime jurídico e só existe conforme reconhecido pelo sistema que o torna legítimo. Adilson Abreu Dallari explica:

“A propriedade, enquanto simples conceito, no campo das idéias, admite as mais diversas configurações. Já o direito de propriedade terá necessariamente a conformação que lhe for dada pelo sistema jurídico determinado no qual estiver inserido”[5].


Lúcia Valle Figueiredo, no mesmo sentido: “o direito de propriedade é o traçado pelo ordenamento constitucional vigente”[6], visto que a noção basilar do direito de propriedade varia conforme a estrutura político-econômica de um país, estrutura esta definida nas cartas constitucionais.

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina:

O direito de propriedade – ou seja, o reconhecimento que a organização jurídica da Sociedade (Estado) dispensa aos poderes de alguém sobre coisas – encarta-se, ao nosso ver, no Direito Público e não no Direito Privado. É evidente que tal direito comporta relações tanto de Direito Público quanto de Direito Privado. Entretanto, o direito de propriedade, como aliás sempre sustentou o prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, é, essencialmente, um direito configurado no Direito Público e – desde logo – no Direito Constitucional[7].


Pode-se verificar que o direito de propriedade é garantido constitucionalmente, conforme se verifica no inciso XXII do artigo 5º e II do artigo 170. Da mesma forma, sobre o regime do direito de propriedade, incide o dever de cumprir função social, nos termos do inciso XXIII do artigo 5º e inciso III do artigo 170.
           
Enfim, para exemplificar a diferença entre “propriedade” e “direito de propriedade”, analisemos uma limitação administrativa que proíba o uso do imóvel para fins industriais. Essa limitação administrativa limita a “propriedade” (entendida aqui como a relação de domínio entre pessoa e coisa), visto que o proprietário não pode fazer todo e qualquer tipo de uso de seu imóvel. Por outro lado, a limitação administrativa não limita o “direito de propriedade”, porque o direito de uso da propriedade é justamente o plexo de poderes que o proprietário tem juridicamente garantido pelo ordenamento jurídico. Portanto a limitação administrativa não “limita” o “direito de propriedade”, mas dá seus contornos e estabelece as balizas do próprio direito.

Professor Tutor Ronaldo Gerd Seifert

BIBLIOGRAFIA:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, vol. 84. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo, Malheiros, 2006.
DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros, 2005.



[1] ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Função social da propriedade pública. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 12.
[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo, Malheiros, 2006, p. 768.
[3] MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p.19.
[4] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 138.
[5] DALLARI, Adilson Abreu. Desapropriações para fins urbanísticos. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 24.
[6] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 25.
[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Novos aspectos da função social da propriedade no direito público. Revista de Direito Público, vol. 84. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 39. 

IRREGULARIDADE EM ENDOSSO GERA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO

Caso a pessoa que transfere um título de crédito não tenha poderes para isso, a cadeia de endossos ficará prejudicada, e a execução judicial de tais documentos deverá ser extinta.

Com essa interpretação, a 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu embargos e julgou extinta execução promovida por uma instituição financeira em face de duas empresas do ramo da construção civil, na capital paulista devido à carência de regularidade formal da cadeia de endossos de título de crédito.

As construtoras argumentaram que os signatários dos endossos não detinham poderes próprios ou outorgados para tal finalidade, daí a necessidade de reconhecer a ilegitimidade ativa da embargada na condição de exequente.

Segundo o relator designado do recurso, desembargador Roberto Mac Cracken, a ilegitimidade ativa da exequente é evidente, diante da inexistência de qualquer prova de que os endossos tenham sido prestados por indivíduos que possuíam poderes para tanto. Ele esclareceu que os signatários dos endossos – do credor originário que transferiu o título a uma financeira que, por sua vez, endossou-o à exequente – não estavam regularmente constituídos de poderes para a prática do ato. Tal conduta implica insegurança jurídica e risco de se pagar à pessoa errada.

 “Importante registrar que os apelantes, na produção da alegação em questão (ilegitimidade ativa do apelado na execução), foram extremamente diligentes, manifestando-se expressamente nas peças já mencionadas, não tendo o apelado, por sua vez, dispensada a atenção e as providências obrigatórias para demonstrar, documentalmente, de maneira cabal, a sua legitimidade ativa na execução em questão, em face dos endossos lançados”, afirmou em voto.

Para Mac Cracken, ao não dar atenção a esse ponto, o banco “assumiu a consequência inerente de sua inércia, ou seja, a extinção da execução por ausência de legitimidade, no caso, ativa.”

O entendimento do relator foi acompanhado pelos desembargadores Gastão Toledo de Campos Mello Filho e Thiers Fernandes Lobo. O julgamento ocorreu em 18 de dezembro. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.

Fonte: Conjur

Professora Tutora Millena Franco Ribeiro