terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SEU CONTEXTO HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

A Constituição de 1988 foi responsável pela boa e perfeita travessia de um Estado autoritário para um Estado democrático de Direito.
Em 1983-84, um novo movimento, que coincidiu com a intensificação da crise econômica e profunda recessão, eclodiu no Brasil pedindo eleições diretas para Presidente da República. Essas manifestações, no entanto, minguaram, ante à rejeição da emenda constitucional Dante de Oliveira, de 25 de abril de 1984. No entanto, longas discussões ao derredor da sucessão do Presidente João Figueiredo foram suscitadas, já que ele abrira mão de coordenar os debates sobre a sucessão presidencial. E nesse quadro sucessório, apareciam para a eleição indireta pelo Colégio Eleitoral, designada para 15 de janeiro de 1985, de um lado, como candidato do PDS (ex-ARENA), Paulo Maluf, e de outro, como postulante ao cargo e candidato pelo PMDB, Tancredo Neves, no que foi apoiado pela ala dissidente do PDS, comandada por José Sarney e pelo PDT de Leonel Brizola, além de ter sido aceito, em razão de sua moderação, por grande parte dos militares, dentre eles o ex-presidente Ernesto Geisel. Na eleição indireta de 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral, recebendo 480 votos contra 180 atribuído a Paulo Maluf. A sua vitória foi efusivamente comemorada nas ruas. No entanto, na véspera de sua posse, Tancredo adoece e, em seu lugar, assume, com certa tensão e grau de dificuldade, José Sarney, que não tinha simpatia dos militares. Havia, em razão disso, receio do rompimento do processo de redemocratização e manutenção do regime militar. No entanto, em ato de cumprimento da Constituição, o Congresso Nacional, na cerimônia do dia 15 de março, deu posse a José Sarney. Já Tancredo Neves, devido a complicações do seu estado de saúde, veio a falecer no dia 21 de abril. 
José Sarney, já sob a Presidência, envia a proposta de Emenda Constitucional n. 26, de 27 de novembro de 1985, ao Congresso Nacional para que se convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte à elaboração da Constituição. Por isso, tecnicamente não se tratava de emenda, mas sim de ato político (SILVA, 2011, p.87).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada por Ulysses Guimarães de a “Constituição Cidadã”, graças à valorização do cidadão, finalmente foi promulgada em 05 de outubro de 1988. Com ela, passamos a viver um Novo pensamento constitucional. Foi-se o tempo em que a Constituição era destituída de efetividade. Éramos herdeiros de uma tradição europeia em que a Constituição era compreendida como documento político e não tinha a aplicabilidade direta e imediata antes que houvesse a intermediação do legislador ou administrador. O nosso constitucionalismo contemporâneo, embora tardio, atingiu o seu triunfo com a Constituição Federal de 1988, o que contribuiu para a mudança paradigmática da jurisdição constitucional brasileira, expandindo-a através da ampliação do direito de propositura, bem como da criação de novas modalidades de controle concentrado (ação declaratória de constitucionalidade), e a regulamentação da arguição de descumprimento de preceito fundamental. E nesse novo ambiente, os Tribunais passam a ter o papel de protagonistas na concretização da Constituição e dos direitos fundamentais.      
No entanto, o controle político, isto é, o controle realizado por órgãos estranhos ao Poder Judiciário não desaparece. Ele assume um papel relativamente importante no sistema protetivo da Constituição, atuando, em regra, preventivamente. Assim é que o controle preventivo realizado pelos órgãos do Congresso Nacional (Poder Legislativo) se dá em 3 momentos diferentes. Ele é realizado pela: a) mesa diretora; b) pelas comissões parlamentes; c) pelo plenário. Quando um projeto de lei chega a um órgão legislativo, a mesa diretora recebe o projeto de lei. Se ela entende que o projeto é flagrantemente inconstitucional, a mesa diretora já pode determinar o arquivamento do projeto. Qualquer comissão, por sua vez, pela qual tramita um processo legislativo, tem o poder de arquivar um projeto de lei que seja inconstitucional.  Por fim, o plenário pode rejeitar um projeto de lei, ao fundamento que é inconstitucional. Mas o controle do Legislativo pode atuar também em caráter repressivo. Ora, o controle repressivo exercido pelo Congresso Nacional está no artigo 49, V, CF.[1] Este artigo remete-nos a duas situações completamente diferentes: poder regulamentar do Presidente (art. 84, IV, CF)[2], e, ainda, delegação legislativa ao Presidente (art. 68, CF)[3].

O controle realizado, por sua vez, pelo Poder Executivo é, a exemplo do Legislativo preventivo. O controle preventivo do executivo é feito durante a possibilidade do executivo vetar (veto jurídico). Cogita-se também que o exercício do controle pelo Executivo pode-se dar em função do instituto do descumprimento de lei pelo Chefe do Poder Executivo, originariamente criado na Constituição de 1824 (Constituição respaldada na Constituição francesa), quando era, então, conferido ao Imperador, no exercício do Poder Moderador, a possibilidade de não cumprir lei (elaborada pela então Assembléia Nacional) que ele entendesse violadora da Constituição do Império. Bastava a edição de um decreto não cumprindo a lei. O fato é que depois que a República foi instituída no Brasil, nunca uma Constituição deu expressamente esse poder ao Presidente. Essa norma não foi reproduzida nas Constituições Republicanas (nem sequer na Constituição de 1988). A doutrina e a jurisprudência já admitiram que o Poder Executivo pode descumprir ato normativo que entenda inconstitucional[4] nos seguintes termos:

Desobrigatoriedade do Executivo em acatar normas legislativas contrárias à Constituição ou à lei hierarquicamente superiores – Segurança denegada – Recurso não provido. Nivelados no plano governamental, o Executivo e o Legislativo praticam atos de igual categoria, e com idêntica presunção de legitimidade. Se assim é, não há de negar ao Chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste. (SÃO PAULO, 1995)

De nossa parte, porém, sufragamos o entendimento que o Chefe do Poder Executivo não pode invocar essa prerrogativa, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade (artigo 85, VII, CF).[5] Ademais, se o Presidente da República entender que uma lei é inconstitucional poderá ajuizar ação direta de inconstitucionalidade no STF, porquanto se trata de autêntico legitimado do artigo 103 da Constituição Federal de 1988.[6]
Em relação ao controle realizado pelo Tribunal de Contas, segue-se que essa matéria está sumulada. Nos termos da Súmula 347 do STF “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Diga-se que esse controle é sempre repressivo. Nunca atua no processo legislativo. Ele é realizado sobre a norma já acabada, procedendo, por via de consequência, o exame de constitucionalidade das leis orçamentárias. 
E, por fim, destacamos o controle jurisdicional de constitucionalidade, consistente na faculdade dos membros do Poder Judiciário declararem a inconstitucionalidade de lei e de outros atos do Poder Público que contrariem, formal ou materialmente, preceitos ou princípios constitucionais. O controle feito pelo Judiciário se dá, quase sempre, a título repressivo, portanto, incidindo já sobre a norma, o ato normativo aperfeiçoado. Mas, também pode se dar, excepcionalmente, a título preventivo, incidindo sobre o processo legislativo. O sistema constitucional jurisdicional repressivo do direito brasileiro conhece dois critérios de controle da constitucionalidade: o controle difuso ­– no qual o controle de constitucionalidade é exercido por todos os membros do Poder Judiciário – e o controle concentrado no qual o exercício do controle é deferido somente ao Tribunal de Cúpula do Poder Judiciário (no caso brasileiro, o controle concentrado de constitucionalidade é realizado pelo Supremo Tribunal Federal).

Professor Tutor Mateus Pieroni Santini

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 3.ed. Salvador: Juspodivm, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo Apelação Cível n. 220.155-1/Campinas, Rel. Gonzaga Franceschini. Diário de Justiça. São Paulo, 14 fev. 2005.



[1] Art. 49, V, Constituição Federal de 1988: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
[2] Art. 84, Constituição Federal de 1988: Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
[3] Art. 68, Constituição Federal de 1988: As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.
[4] Alexandre de Moraes (2009) indica: RDA 374/153, 59/344, 82/383; RDP 2/150.
[5] Art. 85, VIII, Constituição Federal de 1988: São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
[6] Art. 103, I, Constituição Federal de 1988: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004): I - o Presidente da República.