INDAGAÇÕES
ACERCA DA TRANSMISSÃO AO DOMÍNIO PÚBLICO DE IMÓVEIS RENUNCIADOS
Como tratado no título, esse pequeno texto busca
levantar questões, sem, contudo, respondê-las. Se, ao final, forem levantadas
relevantes perguntas, serão cumpridos os objetivos aqui propostos.
Embora possa parecer incomum, muitos imóveis são
abandonados e renunciados pelo proprietário. Trazer tais imóveis urbanos para o
domínio estatal é de interesse público, para cumprimento de função social da
propriedade, funções da cidade e para atendimento de princípios do Direito
Urbanístico.
Conforme se nota no artigo 1.275 do Código Civil,
dentre as formas de perda da propriedade estão a renúncia e o abandono. Em
seguida, no artigo 1.276, o Código Civil
trata expressamente sobre a forma de o Estado se assenhorar gratuitamente dos
imóveis abandonados. No entanto, não
reserva dispositivo semelhante para os imóveis renunciados. Surge, então, a primeira e principal indagação: poderia o Município trazer à sua
propriedade imóveis urbanos renunciados de forma não onerosa?
Certo é que as normas de transmissão de propriedade
são de Direito Civil, cuja competência legislativa é privativa da União. Uma
resposta pronta é que a simples ausência de norma expressa de Direito Civil
implica na impossibilidade de o Município trazer gratuitamente ao seu
patrimônio imóveis urbanos que foram objeto de renúncia. É evidente que ao final das reflexões essa poderia ser a
conclusão, mas há algumas considerações que precisam ser investigadas e
consideradas antes de tal conclusão.
Para desenvolver o raciocínio, é oportuno traçar
alguns breves conceitos e características da renúncia de imóveis. A renúncia é negócio jurídico unilateral
em que o renunciante abre mão do seu direito. Deve ser interpretada restritivamente
(artigo 114 Código Civil), não podendo se presumir ou permitir efeitos mais
amplos que o previsto no próprio ato de renúncia. A renúncia de imóveis deve
ser feita por escritura pública caso o valor do bem ultrapasse trinta salários
mínimos (artigo 1.080 Código Civil) e deve ser registrado junto ao Oficial de
Registro de Imóveis (artigo 1.275, parágrafo único, Código Civil), o que lhe
traz oponibilidade erga omnes. Feito
o registro, o imóvel passa a ser "res nullius", ou seja, coisa de
ninguém e, como característico de renúncias, é ato que não pode ser revogado.
O abandono guarda semelhanças com a renúncia. Assim como a renúncia, o abandono é ato unilateral. Saliente-se serem as únicas formas de o
proprietário unilateralmente perder a sua propriedade. O abandono decorre de conduta tácita ou expressa. Quando expressa, o
abandono se dá por meio que não atende a forma prescrita para a renúncia. A
principal diferença entre a renúncia e o abandono é o fato de que o abandono é revogável e a renúncia irrevogável.
“Mutatis mutandis”, tanto o abandono quanto a renúncia
representam forma de se dispor unilateralmente do direito de propriedade. O
abandono tem caráter precário e pode ser revogado. A renúncia, por outro lado,
é definitiva. O bem é renunciado, na prática, equivale a um abandono definitivo,
com efeitos erga omnes. Quer-se
destacar aqui que os atos materiais do abandono
são sempre verificados na renúncia.
“Como quer que seja, não se
pode conceber renúncia da propriedade imóvel sem o abandono dessa mesma
propriedade. O abandono, pode-se dizer, é o elemento material da renúncia, cujo
elemento volitivo, subjetivo, assenta na manifestação da vontade expressa no
ato renunciativo. Dá- se o abandono puro e simples, quando esse acontecimento
ocorre sem o ato preliminar da renúncia” (LOPES, Miguel Maria de Serpa. Tratado dos registos públicos. vol. VI.
4ª Ed. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, 1961 p. 185).
Embora sejam institutos
diferentes, a renúncia sempre implica ao renunciante a prática da típica
conduta de abandono. Dessa situação, surgem os questionamentos:
Se o abandono de imóvel, que
pode ser revogado, permite assenhoramento do Estado sobre o bem, não poderia a
renúncia, irrevogável, autorizar o assenhoramento do imóvel pelo Estado?
Por uma interpretação teleológica
e sistemática, seria possível se defender que a transmissão de imóvel
renunciado está regulado no Código Civil de forma não expressa?
Seria possível defender que
o artigo 1276 do Código Civil seria, “mutatis mutandis”, aplicado a imóveis
objeto de renúncia, afastando-se o período de arrecadação em razão da
“irrenunciabilidade”?
Enfim, encerramos esse breve
e singelo texto com sua pergunta principal: poderia o Município trazer à sua propriedade imóveis urbanos renunciados
de forma não onerosa?
RONALDO GERD SEIFERT
Professor tutor da LFG-Uniderp. Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Pós-graduação em Direito Contratual pela Cogeae PUC-SP. Graduado em Direito pela PUC-Campinas. Advogado
Professor tutor da LFG-Uniderp. Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Pós-graduação em Direito Contratual pela Cogeae PUC-SP. Graduado em Direito pela PUC-Campinas. Advogado