terça-feira, 27 de junho de 2017

Prazo da licença-adotante deve ser obrigatoriamente o mesmo da licença-maternidade.

Prazo da licença-adotante deve ser obrigatoriamente o mesmo da licença-maternidade.


A CF/88 garante às mulheres que tiverem filho uma licença remunerada para que possam durante um tempo se dedicar exclusivamente à criança. Isso é chamado de licença-maternidade (ou licença à gestante) e está previsto no art. 7º, XVIII, da CF/88:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
Esta licença-maternidade é assegurada também às servidoras públicas. O art. 39, § 3º, da CF/88 afirma que a licença-maternidade é garantida também às servidoras públicas.
O prazo da licença-maternidade, em regra, é de 120 dias, nos termos do art. 7º, XVIII, da CF/88. Vale ressaltar, no entanto, que, em 2008, o Governo, com o objetivo de ampliar o prazo da licença-maternidade, editou a Lei nº 11.770/2008 por meio de um programa chamado "Empresa Cidadã".
Este programa prevê que a pessoa jurídica que possua uma empregada que tenha um filho (a) poderá conceder a ela uma licença-maternidade não de 120, mas sim de 180 dias. Em outras palavras, a CF/88 fala que o prazo mínimo é de 120 dias, mas a empresa pode conceder 180 dias.

Se a mulher, em vez de dar à luz uma criança, resolver adotar um filho, ela também terá direito à licença-maternidade. A mãe que adota ou que obtém a guarda judicial da criança para fins de adoção também possui direito à licença-maternidade. A licença-maternidade, no caso de adoção, é chamada de licença-adotante.

Qual é o prazo da licença-maternidade em caso de adoção? Em outras palavras, qual é o prazo da licença-adotante? É o mesmo que na hipótese de parto?
Na CLT: SIM. O tema, para os trabalhadores em geral, está previsto no art. 392-A da CLT. Segundo este dispositivo, a empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança terá direito a licença-maternidade no mesmo prazo da empregada que der à luz um filho. Em outras palavras, para a CLT não há qualquer distinção.

Na Lei nº 8.112/90: NÃO. A Lei dos Servidores Públicos da União, por outro lado, faz diferença entre os dois casos e traz uma regra pior para a mãe que adota uma criança.
De acordo com o art. 210 da Lei nº 8.112/90, a servidora pública que adotar ou obtiver guarda judicial de criança terá licença conforme os seguintes prazos:
• 90 dias, no caso de adoção ou guarda judicial de criança com até 1 ano de idade;
• 30 dias, no caso de adoção ou guarda judicial de criança com mais de 1 ano de idade.

Essa previsão do art. 210 da Lei nº 8.112/90 não é constitucional.

Os prazos da licença-adotante não podem ser inferiores ao prazo da licença-gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada.
STF. Plenário. RE 778889/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/3/2016 (repercussão geral) (Info 817).

Não existe fundamento constitucional para tratar de forma desigual à mãe gestante e da mãe adotante, assim como não há razão para diferenciar o adotado mais velho do mais novo.
Desse modo, se a Lei prevê o prazo de 120 dias de licença-gestante, com prorrogação de mais 60 dias, tal prazo (inclusive com a prorrogação) deverá ser garantido à mulher que adota uma criança (não importando a idade).

Referência
http://www.dizerodireito.com.br/2016/04/prazo-da-licenca-adotante-deve-ser.html

JULINE CHIMENEZ ZANETTI
Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora tutora da Pós-graduação de Ciências Penais e Direito Constitucional da Universidade Anhanguera-LFG. Advogada.




quarta-feira, 14 de junho de 2017

A hostilidade no meio ambiente de trabalho

A hostilidade no meio ambiente de trabalho

Michelle C B Teixeira Pittman*
A violência é poder de destruição, desencadeadora de uma energia devastadora, capaz de produzir perturbações traumáticas, ou até mesmo fatais.
Pequenos atos perversos são tão corriqueiros que parecem normais.
A violência perversa só percebe quem a sofre. O ataque destrói diretamente a saúde mental do indivíduo, que é fundamental na construção de sua individualidade, e do reconhecimento de seu empenho no trabalho bem desenvolvido, no ambiente laboral.
O fenômeno da violência no trabalho tem chamado a atenção de várias áreas do conhecimento científico, como por exemplo médicos e psicólogos, de modo a refletir sobre os fenômenos provenientes do universo do trabalho, dentre eles o assédio moral[1].
Algumas ações destacam-se por configurarem violência no trabalho, e que não necessariamente se restringem a ações de natureza física, podendo citar: assediar, isolar, enviar mensagens ofensivas, excluir, gesticular rudemente, ameaçar, sabotar, intimidar, danificar, oprimir, gritar, xingar, constranger, dentre outras[2].
As agressões nem sempre são humilhantes ou constrangedoras se tomadas isoladamente, ou seja, fora de sua contextualização. Neste sentido ressalta Valérie Malaba que “poderão caracterizar atos de assédio as decisões normais nas relações de trabalho, mas que em razão de seu contexto, de suas circunstâncias, de seu modo de execução ou de sua repetição tendam a degenerar as condições de trabalho”[3].
Pierre Bourdieu denominou como violência simbólica as relações de dominação, sem o uso da coerção física, aplicadas em relações entre pessoas e grupos pertencentes à uma sociedade[4].
A ligação entre meio ambiente e direito a dignidade, revela a busca do homem de viver em um ambiente não degradado, o qual garanta seus direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais são direitos históricos, consagrados ao longo do tempo. Nesse sentido afirma Bobbio[5]:

Os direitos fundamentais são direitos históricos. Isso significa que a consagração dos mesmos não se deu de uma vez só, porém fez parte da luta humana na afirmação de si em face do poder social, em especial o institucionalizado e politicamente organizado (o Estado).

O respeito ao meio ambiente do trabalho é o mesmo que respeitar a saúde e segurança do trabalhador. Caso contrário o princípio da dignidade humana não encontra expressão. Uma vez que o trabalhador não é uma coisa, mero fator de produção que aliena a sua força de trabalho ao capital. Este é um ser mundano, detentor de subjetividade, e deve ser respeitado como indivíduo, sujeito de direito à integridade física e mental no local laboral com extensão a todo âmbito em que vive.
A transformação da ordem econômica resultada pela Revolução Industrial colocou o homem como objeto de exploração. E mesmo após a Segunda Guerra Mundial com o advento da Declaração dos Direitos Humanos, o objetivo de conferir maior valor ao ser humano, ainda está longe de ser alcançado em sua ideação[6].
 Ignorar a dignidade humana do trabalhador é incorrer em afronta do artigo 1ª, incisos III e IV, da Constituição Federal no Brasil de 1988[7].
O artigo 225, caput, do mesmo instituto trata do meio ambiente, onde estabelece direitos ao meio ambiente de trabalho digno e equilibrado[8]. 
Dignidade esta que não é valorável ou substituível. Não tem preço. Desta forma, inconcebível é qualquer justificativa ou argumentação que desonere o agressor, ao tornar ou permitir que sua vítima seja alijada do meio ambiente de trabalho através do assédio moral.
É a combinação caótica de diferentes riscos visíveis ou invisíveis no ambiente e nas condições de trabalho que levam os trabalhadores a adoecer, a pedir afastamento do ambiente de trabalho e a desistir da própria vida[9].
Uma vez aplicado os princípios e direitos básicos previstos em nossa Carta Magna ao direito ambiental nas relações de trabalho, especialmente ao que se refere a proteção da saúde física e mental do trabalhador, alcança-se a dignidade da pessoa humana, respeitando à saúde e segurança do trabalhador, sem desperdício do potencial humano.







* Mestre em Direito, pela Escola Paulista de Direito. Advogada. Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Itu. Especialista nas áreas do Direito Público, com MBA em Gestão Educacional. Graduanda em Psicologia. Atualmente é Professora nos Cursos de Pós-Graduação Centro Universitário Anhanguera/ Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Tutora em EaD na Universidade Federal de São Paulo - Núcleo (UDED). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, e também em ensino superior presencial e na modalidade EaD há 10 anos.
[1] GARCIA. I. S.; TOLFO, S. DA R. Assédio moral no trabalho: culpa e vergonha pela humilhação social. Curitiba: Juruá, 2011, p. 32.
[2] SOARES, Leandro Q. Interações socioprofissionais e assédio moral no trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2008, p. 31.
[3] MALABAT, Valérie. À la recherche du sens du droit pénal du harcèlement. In: Droit Social, n. 5, maio 2003, p. 496.
[4] BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalinas. Rio de Janeiro: Beltrand, 2001, p. 47.
[5] BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. 8 ed. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.5.
[6] OLIVEIRA, Antonio Carlos Paula de. Revista pessoal de empregado: exercício, limite, abuso. São Paulo: LTr, 2011, p. 46.
[7] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; [...].
[8] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
[9] BARRETO, M.; FREITAS, M. E de.; HELOANI, R. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning Produções Ltda, 2008, p.69.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

O que se entende por quadros mentais paranoicos (Síndrome de Dom Casmurro)?

O que se entende por quadros mentais paranoicos (Síndrome de Dom Casmurro)?

JOSÉ CARLOS TRINCA ZANETTI
Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Pós-graduação de Direito Penal e Processual Penal da Puc/Minas. Professor tutor da Pós-graduação de Ciências Penais e Criminologia da Universidade Anhanguera-LFG. Advogado.
http://lattes.cnpq.br/8675605889471596

A expressão “Síndrome de Dom Casmurro” faz referência à obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, na qual Bento de Albuquerque Santiago (Bentinho) narra sua história de amor com Capitu e o ciúme que advém desse relacionamento, em virtude das dúvidas quanto à eventual traição de sua esposa com seu melhor amigo (Escobar). 
Em 1900, a literatura de Machado de Assis já nos contava um romance que talvez seja um dos mais ilustrativos exemplos de que se pode valer o Processo Penal para pensar o chamado quadro mental paranoico decorrente da busca pela prova que confirme a hipótese psicológica inicial. (...) será tomada a história de Dom Casmurro como ponto de partida à reflexão.
O exemplo é ótimo, afinal, a história de Bentinho, é a história de um bacharel em Direito, mergulhado numa trama psicológica em que cada fato observado serve para contaminar a sua subjetividade e confirmar uma hipótese previamente inscrita em si: a traição de Capitu. Atordoado por várias circunstâncias, Bentinho era uma criança fechada em si mesma, razão pela qual foi apelidado de Dom Casmurro. Com o passar dos anos, desistiu da vida interna no seminário para se entregar ao amor que sentia por Capitu, filha de seus vizinhos. Dedicou-se ao estudo, se formou em Direito, casou com a mulher que se apaixonara e teve um filho chamado Ezequiel. Cúmplice de sua felicidade, esteve sempre ao seu lado um grande amigo, de nome Escobar, companheiro desde a época do seminário.
Foi no enterro de Escobar, recém-falecido, que o sentimento de Bentinho ganhou força. A contemplação de Capitu ao cadáver lhe pareceu estranha, intensa demais. O ciúme aumentou e com ele o quadro mental paranoico. Ao que lhe parece, seu filho, Ezequiel estava tomando a feição de Escobar. Pensa em matar mulher e filho, mas não tem coragem. Agora nada importa, a ideia tomou parte de sua estrutura psicológica, a hipótese passou a ter primazia sobre os fatos. Tudo faz sentido a cada folha de sua história pessoal. Pois aí está: o adultério é o “crime” eleito como hipótese por Dom Casmurro. Talvez exista um lastro que dê alguma coerência a este pensamento ou não. Provas evidentes, não há, ainda. Mas há o desejo de descobrir este mistério. Aquele que deve se convencer é o mesmo que sai atrás deste convencimento. Não sabe que provas serão achadas, ou se achará mesmo alguma coisa. Sabe apenas que tem uma hipótese: a traição de Capitu, ou então, para o que olharia? Que caminho tomaria como fundamento ao seu pensamento? Um dos mais finos romances da literatura brasileira traduz o conto da busca pela prova que confirmasse a hipótese central. Mas, afinal, houve ou não traição? Eis aqui a inapreensão do conceito material de verdade e toda a angústia da finalidade retrospectiva do processo, conforme trabalhado. Nunca chegaremos nem próximo ao fato histórico imputado à Capitu. Esta sentença não foi escrita por Machado de Assis e, portanto, não foi proferida pelo seu julgador: Dom Casmurro. Mas nem precisava. Saber se houve ou não a traição de Capitu não importa em nada, absolutamente. A hipótese já foi tomada como decisão por Bentinho, desde o início do livro. Este é o ponto: a verdade construída por Bentinho (MELCHIOR, 2012, p. 153-154). 
Assim, a terminologia -  quadros mentais paranoicos (Síndrome de Dom Casmurro) – foi criada para designar o juiz que, dotado de poderes investigatórios, primeiro decide e depois sai à procura de material probatório para alicerçar e justificar sua decisão. 
Ao proceder ao recolhimento da prova, o magistrado antecipa a formação do juízo quanto à solução do litígio, pois, assumindo a iniciativa probatória, saberá o que almeja encontrar, gerando uma tendência que o desproverá da indispensável imparcialidade para apreciar os elementos carreados aos autos, comprometendo a estrutura dialética do processo. Nesse contexto, o magistrado passa a desenvolver quadros mentais paranoicos, pois, primeiro, define-se a hipótese (decide) e, depois, procuram-se os fatos (provas) que legitimem a decisão já tomada.
 Aury Lopes Jr. preconiza:  Atribuir poderes instrutórios a um juiz – em qualquer fase – é um grave erro, que acarreta a destruição completa do processo penal democrático.
No mesmo sentido, encontram-se as lições de Cleber Masson e Vinícius Marçal:   Exatamente em razão do sistema processual acusatório – que cuidou de separar de maneira bem nítida as funções de acusar, defender e julgar –, não deve o magistrado ter uma participação ativa na primeira fase da persecutio criminis, de maneira a indicar pelo caminho pelo qual a investigação deve seguir. Nesse cenário, poderia o juiz começar a realizar os chamados quadros mentais paranoicos (Síndrome de Dom Casmurro), em franco prejuízo do investigado (MARÇAL; MASSON, 2015, p. 94). 
Referências

Biffe Junior, João. Concursos públicos: terminologias e teorias inusitadas. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MARÇAL, Vinícius; MASSON, Cleber. Crime organizado. São Paulo: Método, 2015.


MELCHIOR, Antonio Pedro. Gestão da prova e o lugar do discurso do julgador – o sintoma político do processo penal democrático. Rio de Janeiro: 2012. Disponível em: <http://portal.estacio.br/media/4120373/antonio%20pedro%202011.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2015.