INCONVENCIONALIDADE
DO CRIME DE DESACATO
O Art. 331 do Código Penal tipifica o crime de
desacato. Desacatar significa "menosprezar a função pública exercida por
determinada pessoa. Em outras palavras, ofende-se o funcionário público com a
finalidade de humilhar a dignidade e o prestígio da atividade
administrativa." (MASSON, Cleber. Direito Penal
esquematizado. 4ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 748).
O Brasil é signatário da Convenção Americana de
Direitos Humanos, que ficou conhecida como "Pacto de São José da Costa
Rica". Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92, foi
previsto como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão (artigo
13).
Há muitos anos, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a criminalização do desacato
contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
Para a CIDH, as leis de desacato restringem
indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam consigo a ameaça do
cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um funcionário público.
Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido por contrariar o artigo
13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A 5ª Turma do STJ possui precedente nesse sentido:
O crime de desacato não mais subsiste
em nosso ordenamento jurídico por ser incompatível com o artigo 13 do Pacto de
San José da Costa Rica.
A criminalização do desacato está na
contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado -
personificado em seus agentes - sobre o indivíduo.
A existência deste crime em nosso
ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários
e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito
preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
STJ. 5ª Turma. REsp 1640084/SP, Rel.
Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/12/2016.
Segundo entende o STF, os tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil for signatário incorporam-se em nosso ordenamento jurídico
com status de norma jurídica supralegal.
Desse modo, na visão do STF, a Convenção Americana de Direitos Humanos é
norma jurídica no Brasil, hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou
complementar, só estando abaixo, portanto, das normas constitucionais.
Vale ressaltar que o Pacto de San José da Costa Rica, por ser
hierarquicamente superior ao Código Penal, não revogou o art. 331, mas sim o
tornou inválido, conforme entendimento do STJ: "No plano material, as
regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às
normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à
liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em
sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade"
(STJ REsp. 914.253/SP)
Quando uma norma interna é incompatível com um tratado ou convenção
internacional, dizemos que deve ser feito um controle de convencionalidade.
Por derradeiro, vale salientar que o precedente acima foi tomado pela 5ª
Turma do STJ, não havendo ainda decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o
tema. É provável, no entanto, que a Corte siga o mesmo entendimento.
FONTE:
JOSÉ CARLOS TRINCA ZANETTI
Mestre em Direito pela Universidade
de Ribeirão Preto - UNAERP. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Pós-graduação de Direito
Penal e Processual Penal da Puc/Minas. Professor tutor da Pós-graduação de
Ciências Penais e Criminologia da Universidade Anhanguera-LFG. Advogado.
http://lattes.cnpq.br/8675605889471596