sexta-feira, 24 de março de 2017

INCONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO

INCONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO

O Art. 331 do Código Penal tipifica o crime de desacato. Desacatar significa "menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa. Em outras palavras, ofende-se o funcionário público com a finalidade de humilhar a dignidade e o prestígio da atividade administrativa." (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. 4ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 748).
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, que ficou conhecida como "Pacto de São José da Costa Rica". Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92, foi previsto como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão (artigo 13).
Há muitos anos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a criminalização do desacato contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
Para a CIDH, as leis de desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque carregam consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um funcionário público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido por contrariar o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
A 5ª Turma do STJ possui precedente nesse sentido:

O crime de desacato não mais subsiste em nosso ordenamento jurídico por ser incompatível com o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado - personificado em seus agentes - sobre o indivíduo.
A existência deste crime em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.
STJ. 5ª Turma. REsp 1640084/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 15/12/2016.

Segundo entende o STF, os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil for signatário incorporam-se em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal.
Desse modo, na visão do STF, a Convenção Americana de Direitos Humanos é norma jurídica no Brasil, hierarquicamente acima de qualquer lei ordinária ou complementar, só estando abaixo, portanto, das normas constitucionais.

Vale ressaltar que o Pacto de San José da Costa Rica, por ser hierarquicamente superior ao Código Penal, não revogou o art. 331, mas sim o tornou inválido, conforme entendimento do STJ: "No plano material, as regras provindas da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário, haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade" (STJ REsp. 914.253/SP)
Quando uma norma interna é incompatível com um tratado ou convenção internacional, dizemos que deve ser feito um controle de convencionalidade.
Por derradeiro, vale salientar que o precedente acima foi tomado pela 5ª Turma do STJ, não havendo ainda decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. É provável, no entanto, que a Corte siga o mesmo entendimento.

FONTE:


JOSÉ CARLOS TRINCA ZANETTI
Mestre em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Pós-graduação de Direito Penal e Processual Penal da Puc/Minas. Professor tutor da Pós-graduação de Ciências Penais e Criminologia da Universidade Anhanguera-LFG. Advogado.

http://lattes.cnpq.br/8675605889471596