segunda-feira, 27 de abril de 2015

Fornecer bebida alcoólica a crianças e adolescentes: crime ou contravenção penal?

A Lei n.° 13.106/2015 alterou o artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente para tipificar como crime a conduta de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente. Assim, cabe uma comparação entre a redação anterior com a redação atual do artigo 243 do ECA:

Redação anterior
Redação atual – Lei 13.106/2015
Art. 243. Vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida:
Pena – detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Analisando o que foi alterado/acrescentado surge a seguinte indagação: Antes da Lei n.° 13.106/2015, quem vendia bebida alcoólica a criança ou adolescente já não praticava o crime do art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente?

Com base no entendimento do STJ, percebe-se que a resposta era negativa. Segundo o STJ entrega a consumo de bebida alcoólica a menores é comportamento deveras reprovável. No entanto, é imperioso, para o escorreito enquadramento típico, que se respeite a pedra angular do Direito Penal, o princípio da legalidade. Nesse cenário, em prestígio à interpretação sistemática, levando em conta os artigos 243 e 81 do ECA, e o art. 63 da Lei de Contravenções Penais, de rigor é o reconhecimento de que neste último comando enquadra-se o comportamento em foco. (...) (STJ. 6ª Turma. HC 167.659/MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 07/02/2013).

No entanto, agora de forma acertada a Lei 13.106/2015, observando o princípio da legalidade/taxatividade, alterou o artigo 243 do ECA, deixando expresso que é crime a conduta de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou adolescente, revogando assim, o artigo 63, I da Lei das Contravenções Penais.


Professor Tutor: José Carlos Zanetti

O ADQUIRENTE DE BOA-FÉ E O NOVO CPC: NECESSIDADE DE REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL DOS ATOS DE CONSTRIÇÃO?

Em 07 de outubro de 2014 adveio em nosso sistema a Medida Provisória de n.º 656. Esta medida provisória, dentre outras finalidades positivou, no artigo 10 e incisos, que todo negócio jurídico que tivesse por finalidade a constituição, transferência ou modificação de direitos reais são eficazes desde que não tivesse sido registrado ou averbado na matrícula do imóvel: (1) registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; (2) averbação de atos de construção judicial; (3) averbação de indisponibilidade ou outros ônus; (4) averbação de ações judicias que possam reduzir o devedor (proprietário) à insolvência. No parágrafo único do citado artigo verifica-se ainda a existência de norma proibitiva, ou seja, o que não constar na matrícula no imóvel, não poderá ser oposto ao terceiro de boa-fé, com a ressalva dos artigos 129 e 130 da Lei n.º 11.101/05 e as hipóteses de aquisição e extinção de propriedade que independam de registro do título (exemplo usucapião).
É certo que a referida medida provisória foi convertida na Lei Federal de 13.097, de 19 de janeiro de 2015, sendo o texto do artigo 10 da Medida Provisória in testilha adotado em sua integra nos termos do artigo 54. Ademais, conforme artigo 168, inciso II da citada lei, esta para o artigo 54, entrou em vigor após 30 dias da publicação, que ocorreu em 20 de janeiro de 2015.
Aparentemente não se verifica nenhuma novidade, até porque a Súmula 375 do C. Superior Tribunal de Justiça[1] já preconizava a tutela do terceiro de boa-fé. A prova desta boa-fé ocorre de maneira simples: com as certidões. Estas, por sua vez, podem ser das mais complexas até as mais simples, por isso, destacam-se: certidão de distribuição cível, trabalhista, criminal, federal; pesquisa perante a Procuradoria da Fazenda Nacional; Protesto, Serasa/SCPC; Junta Comercial (para saber eventuais empresas e analisar o risco da desconsideração da personalidade jurídica) e, principalmente, matrícula do imóvel!
Desta forma, o terceiro adquirente de boa-fé verificando que o seu bem poderia ser excutido em virtude de passivos do anterior proprietário, sem que o título de aquisição tivesse sido levado a registro, deveria opor os competentes Embargos de Terceiro.
Contudo, em 17 de março de 2015, foi publicado no Diário da Oficial o tão renomado Novo Código de Processo Civil (Lei Federal n.º13.105 de 16 de março de 2015 - NCPC) que entrará em vigor após um ano de sua publicação, ou seja, 17 de março de 2016. Esta novel legislação de fato vem a contribuir e a melhorar em muito a sistemática processual, que há tempos necessitava desta reforma.
Dentro da sistemática apresentada, verifica-se que o NCPC especificou a necessidade de se tutelar o terceiro de boa-fé impondo a este os meios de provas inerentes, conforme segue:

  Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
  § 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
  § 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
  § 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
  § 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.

Assim, verifica-se um avanço legislativo quando se exige, para a caracterização da fraude a execução, a intimação do terceiro adquirente para que prove (com as certidões) a sua boa-fé por intermédio dos embargos de terceiro no prazo de quinze dias a contar de sua intimação.
Contudo, NCPC não foi feliz quando assim positivou:

Art. 799.  Incumbe ainda ao exequente:
I - requerer a intimação do credor pignoratício, hipotecário, anticrético ou fiduciário, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou alienação fiduciária;
II - requerer a intimação do titular de usufruto, uso ou habitação, quando a penhora recair sobre bem gravado por usufruto, uso ou habitação;
III - requerer a intimação do promitente comprador, quando a penhora recair sobre bem em relação ao qual haja promessa de compra e venda registrada;
IV - requerer a intimação do promitente vendedor, quando a penhora recair sobre direito aquisitivo derivado de promessa de compra e venda registrada;
V - requerer a intimação do superficiário, enfiteuta ou concessionário, em caso de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre imóvel submetido ao regime do direito de superfície, enfiteuse ou concessão;
VI - requerer a intimação do proprietário de terreno com regime de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre direitos do superficiário, do enfiteuta ou do concessionário;
VII - requerer a intimação da sociedade, no caso de penhora de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada, para o fim previsto no art. 876, § 7o;
VIII - pleitear, se for o caso, medidas urgentes;
IX - proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros.(destacamos)

Isto porque, há temos (Súmula 84 do C. STJ) o registro da promessa de venda e compra (que é um contrato preliminar) não se faz necessário para tutelar a posse e a expectativa de propriedade. Desta forma, verifica-se que a novel legislação não está em consonância com a jurisprudência que, ao exigir a necessidade do registro, do contrato preliminar acarreta um retrocesso na necessidade social, uma vez que a grande maioria dos membros da nossa sociedade não se preocupam com as importantes formalidades legais do registro para a transmissão da propriedade.
Ora, se a promessa de venda e compra não estiver registrada, não será necessário ao credor intimar o promitente comprador e/ou vendedor? Creio que seja um ledo engano em virtude da figura do terceiro de boa-fé. Somando a este cenário, constata-se que o próprio NCPC, preocupando-se com a temática, positivou:

Art. 804.  A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não intimado.
§ 1o A alienação de bem objeto de promessa de compra e venda ou de cessão registrada será ineficaz em relação ao promitente comprador ou ao cessionário não intimado.
§ 2o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído direito de superfície, seja do solo, da plantação ou da construção, será ineficaz em relação ao concedente ou ao concessionário não intimado.
§ 3o A alienação de direito aquisitivo de bem objeto de promessa de venda, de promessa de cessão ou de alienação fiduciária será ineficaz em relação ao promitente vendedor, ao promitente cedente ou ao proprietário fiduciário não intimado.
§ 4o A alienação de imóvel sobre o qual tenha sido instituída enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso será ineficaz em relação ao enfiteuta ou ao concessionário não intimado.
§ 5o A alienação de direitos do enfiteuta, do concessionário de direito real de uso ou do concessionário de uso especial para fins de moradia será ineficaz em relação ao proprietário do respectivo imóvel não intimado.
§ 6o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído usufruto, uso ou habitação será ineficaz em relação ao titular desses direitos reais não intimado.

Constata-se no artigo em comento que a legislação não exige a necessidade do registro!
Pois bem, não bastasse este conflito legislativo, importante trazer a baila, nos termos do quanto iniciado, o possível ou não conflito legislativo entre o NCPC e a Lei de 13.097/2015. O NCPC preconizou:

Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
...
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

Art. 828.  O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.
§ 1o No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.
§ 2o Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.
§ 3o O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.
§ 4o Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.
§ 5o O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2o indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados

Assim, para que se constate a possibilidade ou não de fraude a execução necessário se faz o registro ou averbação perante, in casu, o Registro de Imóveis competente da existência de ação judicial ou dos atos de constrição ou ainda da certidão de que a execução foi admitida pelo juiz. A doutrina já vem se manifestando com a preocupação sobre a necessidade de registro ou não para a fraude a execução, sendo que em destaque apontamos o entendimento de Flávio Luiz Yarshell que obtempera:

Nem se diga que a fraude só se configuraria quando averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução (art. 792, I e 828). Quando houver o registro, a fraude é presumida, independentemente de a alienação levar o devedor à insolvência, que é hipótese tratada em outro dispositivo (art. 792, IV). Ademais, a fraude de execução é tradicionalmente aferida a partir da pendência (citação) de simples processo de conhecimento.[2]

Em uma interpretação restritiva, os mais otimistas poderiam interpretar que somente ocorrerá a fraude a execução se e somente se houver algum registro ou averbação na matrícula do imóvel, quer seja pelos dispositivos citados do NCPC, quer seja pelo artigo 54 da Lei 13.097/2015.
Contudo, resta-nos uma indagação: Seria seguro a aquisição de um bem de uma pessoa que possui inúmeras ações judiciais (ou uma ação judicial apenas) capaz de reduzi-lo a insolvência sendo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição?
Pelas legislações trazidas nestas reflexões a resposta seria positiva. Contudo, com a cautela devida, o C. Superior Tribunal de Justiça tendo esta preocupação, consolidou o entendimento de que: “Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, doCPC.”[3].
Ex positis, este rápido estudo teve por finalidade instigar e convidar o leitor para que reflita com a atenção merecida a figura do terceiro adquirente (de boa-fé) e o que preconizam o NCPC e a Lei Federal de 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (que não fora revogada quer seja tacitamente, quer seja expressamente pelo NCPC) sobre a necessidade do registro e/ou averbação de quaisquer atos que impliquem em responsabilidade patrimonial do devedor. Para os mais otimistas, não havendo qualquer registro não há que se falar em fraude a execução, para os mais sensatos, não basta o registro, mas sim se devem obter todas as certidões necessárias do vendedor para que, em uma análise de risco patrimonial, não se verifique a possibilidade de insolvência daquele, mesmo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição (quer seja registro, quer seja a averbação).
  
 Professor Tutor Fábio Pinheiro Gazzi. Advogado, Mestre (PUC-SP), Pós Graduado Lato Sensu em Direito dos Contratos (IICS/CEU), Professor de cursos de Pós Graduação e Graduação. Palestrante. Autor de artigos e livros.




[1] S. 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”

[3] REsp 956943 / PR, Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 20.8.14

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lei 13.112/2015 e a Igualdade da Mulher no Registro do Filho.

            No dia 30 de março de 2015, foi sancionada a Lei nº 13.112 possibilitando à mulher igualdade de condições ao proceder o Registro de Nascimento do filho.
Pela legislação anterior, Lei nº 6.015/73, art. 52:

            “São obrigados a fazer a declaração de nascimento:

            1º) o pai;

         2º) em falta ou impedimento do pai, a mãe, sendo neste caso o prazo para declaração prorrogado por quarenta e cinco (45) dias;”

            A partir da inovação, o novo texto passou a vigorar:

            “Art. 52. São obrigados a fazer declaração de nascimento:

            1º ) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto, observado o disposto no § 2o do art. 54;

            2º) no caso de falta ou de impedimento de um dos indicados no item 1o , outro indicado, que terá o prazo para declaração prorrogado por 45 (quarenta e cinco) dias;”

            Vislumbra-se a correção de mais uma inconstitucionalidade ao respeitar o Princípio Constitucional da Igualdade entre homens e mulheres também no papel familiar.

            Após o nascimento, é emitido um documento pelo responsável no acompanhamento da gestação, do parto ou do recém-nascido, inscrito no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES – ou respectivo Conselho profissional denominado Declaração de Nascido Vivo (DNV), o qual será utilizado para Registro de Nascimento.

            Uma das possíveis dúvidas que poderia surgir é no tocante ao registro do nome do pai quando ausente.

            Pelos termos da Lei nº 12.662/12, “o nome do pai constante da Declaração de Nascido Vivo não constitui prova ou presunção da paternidade, somente podendo ser lançado no registro de nascimento quando verificado nos termos da legislação civil vigente.”

            Destacamos: a vigência de casamento descrita no art. 1.597 do Código Civil brasileiro; reconhecimento de paternidade definida no art. 1.609, também do Código Civil; ou investigação da alegação da mãe, ouvida pelo juiz, nos termos do art. 2º, lei 8.560/92.

            Sendo assim, não pode a mulher (mãe), ao registrar seu filho, constar o nome de um “suposto” pai, sob risco de responsabilização civil (dano moral) e penal (falsidade ideológica).



            Professor Tutor: Jose Carlos De Carvalho Filho

DA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PARA O TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL

            No caso em tela o debate surge pelo fato do Código Brasileiro Aeronáutico guardar sintonia com as Convenções referendadas. Noutra ponta, o Código de Defesa do Consumidor estabelece o princípio da reparação efetiva dos danos sofridos.

            A temática foi objeto de grande debate dentro do Superior Tribunal de Justiça – STJ. Inclusive, o Tribunal mostrou-se contrário ao Código de Defesa do Consumidor num primeiro momento (Cf. STJ - REsp nº 58.736/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ: 29.04.1996). Todavia, posteriormente, firmou entendimento para afastar os limites de indenização presentes na Convenção de Varsóvia (Nesse sentido: STJ - AgRg no Ag nº 957.245/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ: 29.09.2008; REsp nº 1.281.090/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ: 15.03.2012).

            É importante ressaltar que o assunto foi objeto de análise no plenário do Supremo Tribunal Federal – STF (Cf. RE nº 172.720-9/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ: 21.02.1997) e, nesses casos, houve a manutenção do posicionamento firmado pelo STJ.  A Corte Suprema, aliás, já decidiu que “afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor” (Cf. STF – RE nº 351.750/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Min. Carlos Britto, DJe: 24.09, 01081 RJSP v. 57, n. 384, 2009, pp. 137-143).

            Contudo, passados 25 (vinte e cinco) anos da promulgação da legislação consumerista, a temática relacionada à limitação de indenização em caso de transporte aéreo ainda é objeto de polêmicas e divergências. Em que pese a pacificação do tema pelo STJ, em 23 de outubro de 2009, o Ministro do STF, Gilmar Mendes, reconheceu a Repercussão Geral do assunto, admitindo o Agravo de Instrumento nº 762184:

RECURSO. Extraordinário. Extravio de bagagem. Limitação de danos materiais e morais. Convenção de Varsóvia. Código de Defesa do Consumidor. Princípio constitucional da indenizabilidade irrestrita. Norma prevalecente. Relevância da questão. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a possibilidade de limitação, com fundamento na Convenção de Varsóvia, das indenizações de danos morais e materiais, decorrentes de extravio de bagagem (STF - AI nº 762.184/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ: 17.12.2009).

            O julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331 foi iniciado em 08 de maio de 2014. O Relator votou pelo provimento do recurso, acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki. Todavia, a decisão ainda não foi totalmente julgada em razão de pedido de vista dos autos pela Ministra Rosa Weber.

            Nesse cenário, a sociedade jurídica aguarda ansiosamente pelo julgamento do caso pois, ao que tudo indica, o entendimento, até então pacificado, pode sofrer alteração, confrontando a posição formada por toda a doutrina e pelo próprio STF ao enfrentar o tema no passado.


Professor Tutor: Frederico Thales De A Martos

terça-feira, 14 de abril de 2015

Competência para legislar sobre energia elétrica

O Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente ação direta de Inconstitucionalidade (4925/SP) declarando a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 12.635/2005 do Estado de São Paulo. O dispositivo ora em analise determinava que os postes de sustentação à rede elétrica, que estivessem causando transtornos ou impedimentos aos proprietários e aos compromissários compradores de terrenos, seriam removidos, sem qualquer ônus para os interessados, desde que não tivessem sofrido remoção anterior.

A Corte reconheceu que o dispositivo questionado, ao criar para empresas obrigação significativamente onerosa, a ser realizada em situações de conteúdo vago, para proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, estaria se intrometendo em relações contratuais estabelecidas entre o poder público federal e as concessionárias exploradoras do serviço de fornecimento de energia elétrico no Estado de São Paulo.

Nestes casos, o ente federal, que é o titular do serviço público, detém a prerrogativa de definir, em legislação própria, as condições mediante as quais haveria de ser prestado o serviço, estabelecendo regime jurídico de concessão ou permissão insuscetível de modificação pelo legislador estadual, senão vejamos:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.449/04 DO DISTRITO FEDERAL. PROIBIÇÃO DE COBRANÇA DE ASSINATURA BÁSICA NOS SERVIÇOS DE ÁGUA, LUZ, GÁS, TV A CABO E TELEFONIA. INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR E PRESTAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TELECOMUNICAÇÕES E ENERGIA ELÉTRICA (CF, ART. 21, XI E XII, ‘b’, E 22, IV). FIXAÇÃO DA POLÍTICA TARIFÁRIA COMO PRERROGATIVA INERENTE À TITULARIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, III). AFASTAMENTO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO-MEMBRO PARA LEGISLAR SOBRE CONSUMO (CF, ART. 24, V E VII). USUÁRIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CUJO REGIME GUARDA DISTINÇÃO COM A FIGURA DO CONSUMIDOR (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, II). PRECEDENTES. SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA E GÁS. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO (CF, ART. 2º). PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

O sistema federativo instituído pela Constituição Federal de 1988 torna inequívoco que cabe à União a competência legislativa e administrativa para a disciplina e a prestação dos serviços públicos de telecomunicações e energia elétrica (CF, arts. 21, XI e XII, ‘b’, e 22, IV). 2. A Lei nº 3.449/04 do Distrito Federal, ao proibir a cobrança da tarifa de assinatura básica “pelas concessionárias prestadoras de serviços de água, luz, gás, TV a cabo e telefonia no Distrito Federal” (art. 1º, caput), incorreu em inconstitucionalidade formal, porquanto necessariamente inserida a fixação da ”política tarifária” no âmbito de poderes inerentes à titularidade de determinado serviço público, como prevê o art. 175, parágrafo único, III, da Constituição, elemento indispensável para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e, por consequência, da manutenção do próprio sistema de prestação da atividade. 3. Inexiste, in casu, suposto respaldo para o diploma impugnado na competência concorrente dos Estados Membros para dispor sobre direito do consumidor (CF, art. 24, V e VII), cuja interpretação não pode conduzir à frustração da teleologia da referida regra expressa contida no art. 175, parágrafo único, III, da CF, descabendo, ademais, a aproximação entre as figuras do consumidor e do usuário de serviços públicos, já que o regime jurídico deste último, além de informado pela lógica da solidariedade social (CF, art. 3º, I), encontra sede específica na cláusula “direitos dos usuários” prevista no art. 175, parágrafo único, II, da Constituição. 4. Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do Chefe do Poder Executivo Distrital na condução da Administração Pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3343, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 22/11/2011)

O Supremo Tribunal Federal, outrossim, já tinha enfatizado ser por meio de legislação da pessoa política concedente que haveria de ser definidos os termos da relação jurídica entre usuários e concessionárias de serviço público (art. 175, caput, e II, da CF), que são distintos dos da relação de consumo, razão pela qual não podem os Estados-Membros se valer da competência concorrente do art. 24, V, da CF para criar regras que interfiram no equilíbrio contratual entre o poder federal e as concessionárias a ele vinculadas, ainda que para criar condições mais benéficas para os destinatários dos serviços.
Fonte: STF


Professor Tutor Fabiano Guadagnucci dos Santos

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Trabalho Decente: uma agenda da Organização Internacional do Trabalho

O conceito de trabalho decente, em sua primeira acepção, diz respeito a um trabalho suficiente, pelo menos, em quantidade e em qualidade. Tal expressão foi inicialmente utilizada na Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, caracterizada como aquele trabalho produtivo realizado em condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade, com proteção de direitos, remuneração adequada e proteção social. [1]

Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) já trazia em seu texto, nos artigos XXIII e XIV, elementos caracterizadores da ideia de trabalho decente, ou seja, o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, às condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego, direito à igual remuneração por igual trabalho prestado, direito a organizar-se em sindicatos, direito à limitação das horas de trabalho e às férias remuneradas periódicas. Mesmo no texto do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) podemos observar o direito ao trabalho, ao salário equitativo, a remuneração igual por trabalho de igual valor, o direito a uma existência decente para todos os trabalhadores e suas famílias, segurança e higiene no trabalho, igual oportunidade para todos em matéria de promoção, limitação das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, direito à liberdade sindical e o direito à greve.

Portanto, os elementos do conceito de trabalho decente, de alguma forma, traçaram os quatro objetivos pretendidos pela OIT, sendo da competência desta organização internacional a promoção dos direitos sociais, a promoção do pleno emprego, a proteção social em face de situações de vulnerabilidade e o incentivo ao diálogo social. Note-se a inserção da participação dos trabalhadores em decisões a eles pertinentes como forma de garantir a continuidade e a estabilidade da discussão do conceito de trabalho decente e a sua adaptação à realidade estabelecida em cada sociedade.

O trabalho decente não se coaduna com o trabalho escravo, com o trabalho infantil ou com o desrespeito aos direitos fundamentais reconhecidos internacionalmente como a exploração do trabalho forçado, com as formas de discriminação e com a injusta remuneração, remetendo todo esse conceito à concepção de dignidade vinculada ao trabalho como um desenvolvimento das condições de liberdade do ser humano.

Dessa forma, conceituar trabalho decente é tarefa que deve unir elementos relacionados à organização político-social de atividades, prevendo, também, associação com entidades, onde o desenvolvimento de recursos humanos deve ser observado de forma direta e intimamente ligada ao trabalho decente: “se reconoce cada vez más que la mundialización presenta uma dimensión social que requiere una respuesta social (...) la educación y la formación son componentes de una respuesta econômica y social a la mundialización”. [2] Sendo por meio do trabalho decente que se desenvolve a formação contínua, a atualização e a re-qualificação dos empregados, observados todos os requisitos mencionados. Depreende-se que, além dos conceitos inicialmente abordados, a educação e a qualificação profissional são indispensáveis ao trabalho decente.

Com base no custo da mão-de-obra, no respeito aos direitos humanos e no beneficio econômico, pauta-se nessa discussão as preocupações com a concorrência desleal, respostas às políticas de desemprego, a ideia de uma economia globalizada, o protecionismo estatal e o dumping social.


REFÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CINTERFOR, Formación para el Trabajo Decente. Montevidéu: Cinterfor, 2001

Professora Tutora Daniela Betotti



[1] CINTERFOR, Formación para el trabajo decente. Montevidéu. Cinterfor, 2001. p. 16.
[2] CINTERFOR, Formación para el trabajo decente. Montevidéu, Cinterfor, 2001. p. 109.