Em 07 de outubro de
2014 adveio em nosso sistema a Medida Provisória de n.º
656. Esta medida provisória, dentre outras finalidades positivou, no artigo 10
e incisos, que todo negócio jurídico que tivesse por finalidade a constituição,
transferência ou modificação de direitos reais são eficazes desde que não
tivesse sido registrado ou averbado na matrícula do imóvel: (1) registro de
citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; (2) averbação de atos de
construção judicial; (3) averbação de indisponibilidade ou outros ônus; (4)
averbação de ações judicias que possam reduzir o devedor (proprietário) à
insolvência. No parágrafo único do citado artigo verifica-se ainda a existência
de norma proibitiva, ou seja, o que não constar na matrícula no imóvel, não
poderá ser oposto ao terceiro de boa-fé, com a ressalva dos artigos 129 e 130
da Lei n.º 11.101/05 e as hipóteses de aquisição e extinção de propriedade que
independam de registro do título (exemplo usucapião).
É certo que a
referida medida provisória foi convertida na Lei Federal de 13.097, de 19 de
janeiro de 2015, sendo o texto do artigo 10 da Medida Provisória in testilha adotado em sua integra nos
termos do artigo 54. Ademais, conforme artigo 168, inciso II da citada lei,
esta para o artigo 54, entrou em vigor após 30 dias da publicação, que ocorreu
em 20 de janeiro de 2015.
Aparentemente não se
verifica nenhuma novidade, até porque a Súmula 375 do C. Superior Tribunal de
Justiça[1] já preconizava a tutela do
terceiro de boa-fé. A prova desta boa-fé ocorre de maneira simples: com as
certidões. Estas, por sua vez, podem ser das mais complexas até as mais
simples, por isso, destacam-se: certidão de distribuição cível, trabalhista,
criminal, federal; pesquisa perante a Procuradoria da Fazenda Nacional;
Protesto, Serasa/SCPC; Junta Comercial (para saber eventuais empresas e analisar
o risco da desconsideração da personalidade jurídica) e, principalmente,
matrícula do imóvel!
Desta forma, o
terceiro adquirente de boa-fé verificando que o seu bem poderia ser excutido em
virtude de passivos do anterior proprietário, sem que o título de aquisição
tivesse sido levado a registro, deveria opor os competentes Embargos de
Terceiro.
Contudo, em 17 de
março de 2015, foi publicado no Diário da Oficial o tão renomado Novo Código de
Processo Civil (Lei Federal n.º13.105 de 16 de março de 2015 - NCPC) que
entrará em vigor após um ano de sua publicação, ou seja, 17 de março de 2016.
Esta novel legislação de fato vem a contribuir e a melhorar em muito a
sistemática processual, que há tempos necessitava desta reforma.
Dentro da sistemática
apresentada, verifica-se que o NCPC especificou a necessidade de se tutelar o
terceiro de boa-fé impondo a este os meios de provas inerentes, conforme segue:
Art. 792. A alienação ou a oneração de
bem é considerada fraude à execução:
I -
quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão
reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no
respectivo registro público, se houver;
II -
quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828;
III -
quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro
ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV -
quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação
capaz de reduzi-lo à insolvência;
§ 2o No caso de aquisição de bem não
sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as
cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões
pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o
bem.
§ 3o Nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da
parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4o Antes de declarar a fraude à execução,
o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor
embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Assim, verifica-se um
avanço legislativo quando se exige, para a caracterização da fraude a execução,
a intimação do terceiro adquirente para que prove (com as certidões) a sua
boa-fé por intermédio dos embargos de terceiro no prazo de quinze dias a contar
de sua intimação.
Contudo, NCPC não foi
feliz quando assim positivou:
Art. 799.
Incumbe ainda ao exequente:
I - requerer a intimação do credor pignoratício, hipotecário,
anticrético ou fiduciário, quando a penhora recair sobre bens gravados por
penhor, hipoteca, anticrese ou alienação fiduciária;
II - requerer a intimação do titular de usufruto, uso ou
habitação, quando a penhora recair sobre bem gravado por usufruto, uso ou
habitação;
III -
requerer a intimação do promitente comprador, quando a penhora recair sobre bem
em relação ao qual haja promessa de compra e venda registrada;
IV -
requerer a intimação do promitente vendedor, quando a penhora recair sobre
direito aquisitivo derivado de promessa de compra e venda registrada;
V - requerer a intimação do superficiário, enfiteuta ou
concessionário, em caso de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso
especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a
penhora recair sobre imóvel submetido ao regime do direito de superfície,
enfiteuse ou concessão;
VI - requerer a intimação do proprietário de terreno com regime de
direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de
moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre
direitos do superficiário, do enfiteuta ou do concessionário;
VII - requerer a intimação da sociedade, no caso de penhora de
quota social ou de ação de sociedade anônima fechada, para o fim previsto no
art. 876, § 7o;
IX - proceder à averbação em registro público do ato de
propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento
de terceiros.(destacamos)
Isto porque, há temos
(Súmula 84 do C. STJ) o registro da promessa de venda e compra (que é um
contrato preliminar) não se faz necessário para tutelar a posse e a expectativa
de propriedade. Desta forma, verifica-se que a novel legislação não está em
consonância com a jurisprudência que, ao exigir a necessidade do registro, do
contrato preliminar acarreta um retrocesso na necessidade social, uma vez que a
grande maioria dos membros da nossa sociedade não se preocupam com as
importantes formalidades legais do registro para a transmissão da propriedade.
Ora, se a promessa de
venda e compra não estiver registrada, não será necessário ao credor intimar o
promitente comprador e/ou vendedor? Creio que seja um ledo engano em virtude da
figura do terceiro de boa-fé. Somando a este cenário, constata-se que o próprio
NCPC, preocupando-se com a temática, positivou:
Art. 804.
A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será
ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não
intimado.
§ 1o A alienação de bem objeto de promessa de compra e venda ou
de cessão registrada será ineficaz em relação ao promitente comprador ou ao
cessionário não intimado.
§ 2o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído
direito de superfície, seja do solo, da plantação ou da construção, será
ineficaz em relação ao concedente ou ao concessionário não intimado.
§ 3o A alienação de direito aquisitivo de bem objeto de promessa
de venda, de promessa de cessão ou de alienação fiduciária será ineficaz em
relação ao promitente vendedor, ao promitente cedente ou ao proprietário
fiduciário não intimado.
§ 4o A alienação de imóvel sobre o qual tenha sido instituída
enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de
direito real de uso será ineficaz em relação ao enfiteuta ou ao concessionário
não intimado.
§ 5o A alienação de direitos do enfiteuta, do concessionário de
direito real de uso ou do concessionário de uso especial para fins de moradia
será ineficaz em relação ao proprietário do respectivo imóvel não intimado.
§ 6o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído
usufruto, uso ou habitação será ineficaz em relação ao titular desses direitos
reais não intimado.
Constata-se no artigo
em comento que a legislação não exige a necessidade do registro!
Pois bem, não
bastasse este conflito legislativo, importante trazer a baila, nos termos do
quanto iniciado, o possível ou não conflito legislativo entre o NCPC e a Lei de
13.097/2015. O NCPC preconizou:
Art. 792.
A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
...
II -
quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828;
Art. 828.
O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo
juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação
no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora,
arresto ou indisponibilidade.
§ 1o No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente
deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.
§ 2o Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o
valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o
cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.
§ 3o O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício
ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.
§ 5o O exequente que promover averbação manifestamente indevida
ou não cancelar as averbações nos termos do § 2o indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em
autos apartados
Assim, para que se
constate a possibilidade ou não de fraude a execução necessário se faz o
registro ou averbação perante, in casu, o
Registro de Imóveis competente da existência de ação judicial ou dos atos de
constrição ou ainda da certidão de que a execução foi admitida pelo juiz. A
doutrina já vem se manifestando com a preocupação sobre a necessidade de
registro ou não para a fraude a execução, sendo que em destaque apontamos o
entendimento de Flávio Luiz Yarshell que obtempera:
“Nem se diga
que a fraude só se configuraria quando averbada, no registro do bem, a
pendência do processo de execução (art. 792, I e 828). Quando houver o
registro, a fraude é presumida, independentemente de a alienação levar o
devedor à insolvência, que é hipótese tratada em outro dispositivo (art. 792,
IV). Ademais, a fraude de execução é tradicionalmente aferida a partir da
pendência (citação) de simples processo de conhecimento.”[2]
Em uma interpretação
restritiva, os mais otimistas poderiam interpretar que somente ocorrerá a
fraude a execução se e somente se houver algum registro ou averbação na
matrícula do imóvel, quer seja pelos dispositivos citados do NCPC, quer seja
pelo artigo 54 da Lei 13.097/2015.
Contudo, resta-nos
uma indagação: Seria seguro a aquisição de um bem de uma pessoa que possui
inúmeras ações judiciais (ou uma ação judicial apenas) capaz de reduzi-lo a
insolvência sendo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição?
Pelas legislações
trazidas nestas reflexões a resposta seria positiva. Contudo, com a cautela
devida, o C. Superior Tribunal de Justiça tendo esta preocupação, consolidou o
entendimento de que: “Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é
do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de
demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra
morta o disposto no art. 659, § 4º, doCPC.”[3].
Ex positis, este rápido estudo teve por finalidade
instigar e convidar o leitor para que reflita com a atenção merecida a figura
do terceiro adquirente (de boa-fé) e o que preconizam o NCPC e a Lei Federal de
13.097, de 19 de janeiro de 2015 (que não fora revogada quer seja tacitamente,
quer seja expressamente pelo NCPC) sobre a necessidade do registro e/ou
averbação de quaisquer atos que impliquem em responsabilidade patrimonial do
devedor. Para os mais otimistas, não havendo qualquer registro não há que se
falar em fraude a execução, para os mais sensatos, não basta o registro, mas
sim se devem obter todas as certidões necessárias do vendedor para que, em uma
análise de risco patrimonial, não se verifique a possibilidade de insolvência
daquele, mesmo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição (quer
seja registro, quer seja a averbação).
[1] S. 375: “O
reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”
[2]
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-fraude-de-execucao-no-novo-cpc/15194
[acessado em 27 de abril de 2015 09H58]
[3]
REsp 956943 / PR, Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 20.8.14