segunda-feira, 27 de abril de 2015

O ADQUIRENTE DE BOA-FÉ E O NOVO CPC: NECESSIDADE DE REGISTRO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL DOS ATOS DE CONSTRIÇÃO?

Em 07 de outubro de 2014 adveio em nosso sistema a Medida Provisória de n.º 656. Esta medida provisória, dentre outras finalidades positivou, no artigo 10 e incisos, que todo negócio jurídico que tivesse por finalidade a constituição, transferência ou modificação de direitos reais são eficazes desde que não tivesse sido registrado ou averbado na matrícula do imóvel: (1) registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; (2) averbação de atos de construção judicial; (3) averbação de indisponibilidade ou outros ônus; (4) averbação de ações judicias que possam reduzir o devedor (proprietário) à insolvência. No parágrafo único do citado artigo verifica-se ainda a existência de norma proibitiva, ou seja, o que não constar na matrícula no imóvel, não poderá ser oposto ao terceiro de boa-fé, com a ressalva dos artigos 129 e 130 da Lei n.º 11.101/05 e as hipóteses de aquisição e extinção de propriedade que independam de registro do título (exemplo usucapião).
É certo que a referida medida provisória foi convertida na Lei Federal de 13.097, de 19 de janeiro de 2015, sendo o texto do artigo 10 da Medida Provisória in testilha adotado em sua integra nos termos do artigo 54. Ademais, conforme artigo 168, inciso II da citada lei, esta para o artigo 54, entrou em vigor após 30 dias da publicação, que ocorreu em 20 de janeiro de 2015.
Aparentemente não se verifica nenhuma novidade, até porque a Súmula 375 do C. Superior Tribunal de Justiça[1] já preconizava a tutela do terceiro de boa-fé. A prova desta boa-fé ocorre de maneira simples: com as certidões. Estas, por sua vez, podem ser das mais complexas até as mais simples, por isso, destacam-se: certidão de distribuição cível, trabalhista, criminal, federal; pesquisa perante a Procuradoria da Fazenda Nacional; Protesto, Serasa/SCPC; Junta Comercial (para saber eventuais empresas e analisar o risco da desconsideração da personalidade jurídica) e, principalmente, matrícula do imóvel!
Desta forma, o terceiro adquirente de boa-fé verificando que o seu bem poderia ser excutido em virtude de passivos do anterior proprietário, sem que o título de aquisição tivesse sido levado a registro, deveria opor os competentes Embargos de Terceiro.
Contudo, em 17 de março de 2015, foi publicado no Diário da Oficial o tão renomado Novo Código de Processo Civil (Lei Federal n.º13.105 de 16 de março de 2015 - NCPC) que entrará em vigor após um ano de sua publicação, ou seja, 17 de março de 2016. Esta novel legislação de fato vem a contribuir e a melhorar em muito a sistemática processual, que há tempos necessitava desta reforma.
Dentro da sistemática apresentada, verifica-se que o NCPC especificou a necessidade de se tutelar o terceiro de boa-fé impondo a este os meios de provas inerentes, conforme segue:

  Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
  § 1o A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
  § 2o No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
  § 3o Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
  § 4o Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.

Assim, verifica-se um avanço legislativo quando se exige, para a caracterização da fraude a execução, a intimação do terceiro adquirente para que prove (com as certidões) a sua boa-fé por intermédio dos embargos de terceiro no prazo de quinze dias a contar de sua intimação.
Contudo, NCPC não foi feliz quando assim positivou:

Art. 799.  Incumbe ainda ao exequente:
I - requerer a intimação do credor pignoratício, hipotecário, anticrético ou fiduciário, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou alienação fiduciária;
II - requerer a intimação do titular de usufruto, uso ou habitação, quando a penhora recair sobre bem gravado por usufruto, uso ou habitação;
III - requerer a intimação do promitente comprador, quando a penhora recair sobre bem em relação ao qual haja promessa de compra e venda registrada;
IV - requerer a intimação do promitente vendedor, quando a penhora recair sobre direito aquisitivo derivado de promessa de compra e venda registrada;
V - requerer a intimação do superficiário, enfiteuta ou concessionário, em caso de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre imóvel submetido ao regime do direito de superfície, enfiteuse ou concessão;
VI - requerer a intimação do proprietário de terreno com regime de direito de superfície, enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso, quando a penhora recair sobre direitos do superficiário, do enfiteuta ou do concessionário;
VII - requerer a intimação da sociedade, no caso de penhora de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada, para o fim previsto no art. 876, § 7o;
VIII - pleitear, se for o caso, medidas urgentes;
IX - proceder à averbação em registro público do ato de propositura da execução e dos atos de constrição realizados, para conhecimento de terceiros.(destacamos)

Isto porque, há temos (Súmula 84 do C. STJ) o registro da promessa de venda e compra (que é um contrato preliminar) não se faz necessário para tutelar a posse e a expectativa de propriedade. Desta forma, verifica-se que a novel legislação não está em consonância com a jurisprudência que, ao exigir a necessidade do registro, do contrato preliminar acarreta um retrocesso na necessidade social, uma vez que a grande maioria dos membros da nossa sociedade não se preocupam com as importantes formalidades legais do registro para a transmissão da propriedade.
Ora, se a promessa de venda e compra não estiver registrada, não será necessário ao credor intimar o promitente comprador e/ou vendedor? Creio que seja um ledo engano em virtude da figura do terceiro de boa-fé. Somando a este cenário, constata-se que o próprio NCPC, preocupando-se com a temática, positivou:

Art. 804.  A alienação de bem gravado por penhor, hipoteca ou anticrese será ineficaz em relação ao credor pignoratício, hipotecário ou anticrético não intimado.
§ 1o A alienação de bem objeto de promessa de compra e venda ou de cessão registrada será ineficaz em relação ao promitente comprador ou ao cessionário não intimado.
§ 2o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído direito de superfície, seja do solo, da plantação ou da construção, será ineficaz em relação ao concedente ou ao concessionário não intimado.
§ 3o A alienação de direito aquisitivo de bem objeto de promessa de venda, de promessa de cessão ou de alienação fiduciária será ineficaz em relação ao promitente vendedor, ao promitente cedente ou ao proprietário fiduciário não intimado.
§ 4o A alienação de imóvel sobre o qual tenha sido instituída enfiteuse, concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso será ineficaz em relação ao enfiteuta ou ao concessionário não intimado.
§ 5o A alienação de direitos do enfiteuta, do concessionário de direito real de uso ou do concessionário de uso especial para fins de moradia será ineficaz em relação ao proprietário do respectivo imóvel não intimado.
§ 6o A alienação de bem sobre o qual tenha sido instituído usufruto, uso ou habitação será ineficaz em relação ao titular desses direitos reais não intimado.

Constata-se no artigo em comento que a legislação não exige a necessidade do registro!
Pois bem, não bastasse este conflito legislativo, importante trazer a baila, nos termos do quanto iniciado, o possível ou não conflito legislativo entre o NCPC e a Lei de 13.097/2015. O NCPC preconizou:

Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
...
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

Art. 828.  O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.
§ 1o No prazo de 10 (dez) dias de sua concretização, o exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas.
§ 2o Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, o exequente providenciará, no prazo de 10 (dez) dias, o cancelamento das averbações relativas àqueles não penhorados.
§ 3o O juiz determinará o cancelamento das averbações, de ofício ou a requerimento, caso o exequente não o faça no prazo.
§ 4o Presume-se em fraude à execução a alienação ou a oneração de bens efetuada após a averbação.
§ 5o O exequente que promover averbação manifestamente indevida ou não cancelar as averbações nos termos do § 2o indenizará a parte contrária, processando-se o incidente em autos apartados

Assim, para que se constate a possibilidade ou não de fraude a execução necessário se faz o registro ou averbação perante, in casu, o Registro de Imóveis competente da existência de ação judicial ou dos atos de constrição ou ainda da certidão de que a execução foi admitida pelo juiz. A doutrina já vem se manifestando com a preocupação sobre a necessidade de registro ou não para a fraude a execução, sendo que em destaque apontamos o entendimento de Flávio Luiz Yarshell que obtempera:

Nem se diga que a fraude só se configuraria quando averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução (art. 792, I e 828). Quando houver o registro, a fraude é presumida, independentemente de a alienação levar o devedor à insolvência, que é hipótese tratada em outro dispositivo (art. 792, IV). Ademais, a fraude de execução é tradicionalmente aferida a partir da pendência (citação) de simples processo de conhecimento.[2]

Em uma interpretação restritiva, os mais otimistas poderiam interpretar que somente ocorrerá a fraude a execução se e somente se houver algum registro ou averbação na matrícula do imóvel, quer seja pelos dispositivos citados do NCPC, quer seja pelo artigo 54 da Lei 13.097/2015.
Contudo, resta-nos uma indagação: Seria seguro a aquisição de um bem de uma pessoa que possui inúmeras ações judiciais (ou uma ação judicial apenas) capaz de reduzi-lo a insolvência sendo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição?
Pelas legislações trazidas nestas reflexões a resposta seria positiva. Contudo, com a cautela devida, o C. Superior Tribunal de Justiça tendo esta preocupação, consolidou o entendimento de que: “Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, doCPC.”[3].
Ex positis, este rápido estudo teve por finalidade instigar e convidar o leitor para que reflita com a atenção merecida a figura do terceiro adquirente (de boa-fé) e o que preconizam o NCPC e a Lei Federal de 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (que não fora revogada quer seja tacitamente, quer seja expressamente pelo NCPC) sobre a necessidade do registro e/ou averbação de quaisquer atos que impliquem em responsabilidade patrimonial do devedor. Para os mais otimistas, não havendo qualquer registro não há que se falar em fraude a execução, para os mais sensatos, não basta o registro, mas sim se devem obter todas as certidões necessárias do vendedor para que, em uma análise de risco patrimonial, não se verifique a possibilidade de insolvência daquele, mesmo que na matrícula do imóvel não conste nenhuma constrição (quer seja registro, quer seja a averbação).
  
 Professor Tutor Fábio Pinheiro Gazzi. Advogado, Mestre (PUC-SP), Pós Graduado Lato Sensu em Direito dos Contratos (IICS/CEU), Professor de cursos de Pós Graduação e Graduação. Palestrante. Autor de artigos e livros.




[1] S. 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”

[3] REsp 956943 / PR, Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, j. 20.8.14