quinta-feira, 20 de abril de 2017

Antígone de Sófocles e os impedimentos matrimoniais do Código Civil de 2002

Antígone de Sófocles e os impedimentos matrimoniais do Código Civil de 2002.
Cesar Calo Peghini
Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestrado em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui pós-graduações em Direito Contratual e Empresarial e graduado em Direito. Tem experiência na área de Direito, como advogado e professor, com ênfase em Direito Privado, atuando principalmente em Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e Direito Internacional. Coordenador do curso de Direito na Universidade Bandeirante Anhanguera unidade Vila Mariana (2012/2014). Professor na pós-graduação da UniAnhanguera e Tutor da pós-graduação da LFG/Uniderp.


Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar uma das peças teatrais mais referenciadas da história, Antígone de Sófocles. Todavia conforme será apercebido, o estudo gira em torno dos elementos genealógicos de Antígone, sob o aspecto dos impedimentos matrimoniais no Código Civil de 2002.

1.    Contexto familiar apresentado na obra Antígone de Sófocles

Como é sabido, a maior parte das reflexões e estudos decorrentes da obra de Sófocles giram em trono da questão do direito natural, bem como das normas positivas, em especial do fato de Creonte não autorizar o sepultamento adequado para o irmão de Antígone, seu irmão Polinice.
Tal afirmação pode ser extraída, do seguinte trecho da obra teatral[1]:
Antínone: Certamente! Pois não sabes que Creonte concedeu a um de nossos irmãos, e negou ao outro, as honras da sepultura? Dizem que inumou a Etéocles, como era de justiça e de acordo com os ritos, assegurando-lhe um lugar condigno entre os mortos, ao passo que, quanto ao infeliz Polinice, ele proibiu aos cidadãos que encerrem o corpo num túmulo, e sobre este derramem suas lágrimas. Quer que permaneça insepulto, sem homenagens fúnebres, e presa de aves carniceiras. Tais são as ordens que a bondade de Creonte impõe a mim, como também a ti, e, eu o afirmo: ele próprio virá a este sítio comunicá-las a quem ainda as ignore. Disso faz ele grande empenho, e ameaça, a quem quer que desobedeça, de ser apedrejado pelo povo. Tu ouviste o que eu te disse: virá o dia em que veremos se tens sentimentos nobres, ou se desmentes teu nascimento
Não obstante, referido estudo ser fundamental não somente para os estudantes e operadores do direito, ao lado, de toda essa questão, resta, ainda, outra temática que amplificou a tragédia.
             Nesse sentido, registra-se uma nítida questão de Direito de Família, em especial o incesto que deve ser ponderado e analisado na atual sistemática do Código Civil de 2002, conforme proposto pelo presente artigo.
            Tanto é assim que por mais de uma vez, os protagonistas referenciam os seus laços familiares, apresentada de forma tormentosa, segundo o qual cabe o registro[2]:
Ismênia: Ai de nós! Pensa, minha irmã, em nosso pai, como morreu esmagado pelo ódio e pelo opróbrio, quando, inteirado dos crimes que praticara, arrancou os olhos com as próprias mãos! E também em sua mãe e esposa, visto que foi ambas as coisas, — que pôs termo a seus dias com um forte laço! Em terceiro lugar, em nossos irmãos, no mesmo dia perecendo ambos, desgraçados, dando-se a morte reciprocamente!
            Diante do exposto, será analisada a questão genealógica da família de Antígone.
Tudo tem inicio, na figura da pessoa de Édipo, diante de sua nítida vontade de poder, mata Laio, seu pai, e posteriormente se casa com sua mãe Jocasta.
            Desta relação, nascem quatro descendentes, sendo dois filhos Etéocles e Polinice e duas filhas Antígone e Ismênia.
O mais importante, é ainda o que deve ser registrado: Édipo não tinha conhecimento, do o fato de ser filho de Laio e Jocasta, rei e rainha de Tebas. Desta forma, quando tomou conta do ferimento ético, se penalizou, furando seus dois olhos e abdicou do poder de Tebas, entregando a cidade para seus filhos Etéocles e Polinice.
Com a partida de Édipo para exílio, Etéocles e Polinice governariam, em grau de revezamento, mas isso não ocorreu. Pois, não obstante um acordo inicial, Etéocles ao final de seu mandado anual, não cedeu lugar ao seu irmão, Polinice.
Em decorrência disto, ambos travaram uma guerra e o seu termo final levou ambos ao encontro da morte.  Verificando que o acento de governante da Cidade se encontrava vago, toma o poder Creonte, tio de Antígone e irmão de Jocasta.

Não obstante, todos os fatos pretéritos, a tragédia tem início a partir destes fenômenos. Pois, Antígona solicita a sua irmã, Ismênia que a ajude a enterrar seu irmão Polinice, pois, devido o fato deste ter-se insurgindo contra a cidade de Tebas, não teve o direito de ser enterrado com as honrarias de um cidadão, conforme edito de Creonte. 
Como é sabido, Creonte obstinado no cumprimento de decreto, bem como não conformado com a afronta, manda matar Antígone ao descobrir que esta tentou enterrá-lo com suas próprias mãos.
Dentre muitos outros elementos importantíssimos da peça teatral, deve ser anotado que para fins de Direito de Direito de Família, Creonte, além de Tio, iria ser sogro de Antígona, pois Hemon, filho de Creonte era noivo de Antígona.
Quanto empunhado o termo “iria ser sogro”, o mesmo foi utilizado corretamente. Tal apontamento teve como fundamento, que não houve tempo hábil para tanto, uma vez que com a execução de Antígone, Hermon, seu filho suicidou-se. Mas não é só, Eurídice, que somente aparece ao final da peça,  esposa de Creonte, toma ciência da morte de seu filho e também se suicida. 
Ao final, conforme pode ser apercebido, Creonte se vê em uma situação trágica, pois perde todos os seus entes familiares em decorrência de sua desobediência ao direito natural de enterrar seus mortos.
Feitas, as considerações quanto ao contexto apresentado, podemos passar ao estudo dos impedimentos matrimonias.

2. Impedimentos matrimoniais art. 1.521 do CC.
Nos termos do apresentado por Maria Helena Diniz[3], os impedimentos matrimonias tem como objeto evitar que as uniões afetem a prole, a ordem moral ou pública e representam uma agravo ao direito dos nubentes.
O principal efeito tendo em vista a gravidade da violação é a nulidade absoluta do casamento (art. 1.548 do CC), além de impedirem a sua celebração, envolvem ordem pública e, portanto, podem ser opostos até a celebração do casamento por qualquer pessoa capaz (art. 1.522 do CC).
Nesse diapasão, Clovis Beviláqua[4]: “A ausência dos requisitos essências às pessoas que se pretendem casar constitui os impedimentos matrimoniais”
Diferentemente da incapacidade, que é genérica, ou seja, atingem todas as pessoas, os impedimentos são específicos e sendo assim a pessoa singularizada[5].
Cumpre registrar ainda que o rol de aplicação dos referidos impedimentos é numerus clausus[6], ou seja, taxativo não cabendo aplicação por analogia ou extensão.  
Por fim, antes de analisar os impedimentos individualmente, verifica-se possível o reconhecimento de sua ocorrência de ofício por juiz ou ainda pelo oficial do registro civil para impedir o casamento (art. 1522, parágrafo único do CC).
 Em continuidade, ao analisar os impedimentos será utilizado o mesmo critério lógico que classificação de Maria Helena Diniz[7], sendo esses: os impedimentos resultantes de parentesco (parte do art. 1521, I e V do CC); os impedimentos resultantes de afinidade (parte do art. 1521, II do CC); e os impedimentos decorrentes da adoção (art. 1521, I, III e V do CC); impedimento de vinculo (art. 1.521, VI do CC); e impedimento de crime (art. 1521, V do CC) na referida ordem.
Deve ser registrado, que referido dispositivo – art. 1.521 do CC - não zelou, pelo princípio da operabilidade[8], o qual busca o critério de otimização e facilitação interpretativa dos dispositivos normativos do Código Civil.
Dentre todas as disposições previstas na atual codificação Civil, nos parece que os impedimentos resultantes de parentesco (parte do art. 1521, I e IV do CC) são os que guardam relação com o caso em tela.
Mencionado impedimento tem com fundamento jurídico o parentesco consanguíneo em duas modalidades/situações distintas. O primeiro é referente ao impedimento do casamento entre ascendentes e descendentes até o infinito.
Referido impedimento é bifonte, ou seja, contém cunho moral evitando o incesto[9], bem como não pode ser esquecida a razão biológica, salvaguardando problemas genéticos na prole (eugenia)[10]. Já em um segundo momento, temos o impedimento matrimonial com os colaterais até 3º grau inclusive, pelas mesmas razões acima.
De uma forma muito objetiva, esse impedimento atinge os irmãos bilaterais - mesmo pai e mesma mãe - e unilaterais - mesmo pai ou mesma mãe -; e também tio e sobrinho; tia e sobrinho[11].
Não obstante referido impedimento tanto a doutrina como a jurisprudência mitigam a referida regra autorizando o casamento entre tios e sobrinhos mediante a autorização de uma junta médica apontar apontando o não risco a prole[12].
O fundamento doutrinário[13] anota que o Decreto Lei 3.200/41 autoriza o casamento na referida situação, e, ainda, sendo o mesmo, uma normal especial não foi revogado pelo Código Civil como critério de solução antinômica normativa.
Nesse sentido temos o enunciado (Enunciado 98 CJF/STJ), bem como a jurisprudência quanto segue:
Art. 1.521, IV, do novo Código Civil: o inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n. 3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau.
Diante de todo o exposto, pode ser verificado que não há restrição quanto ao casamento entre os primos, pois esse podem se casar livremente tendo em vista o grau de parentesco (colaterais de 4º grau)[14].

3. Considerações finais
Considerando a genealogia de Antígone e a atual regulamentação do Código Civil de 2002, o que pode ser extraído de forma clara, trata dos dois fenômenos decorrentes do Direito de Família, ambos aventados na referida obra.
Em um primeiro momento, tem-se o relacionamento incestuoso de Édipo e sua mãe. Este viola de norma nítida a primeira parte do art. 1521, IV do CC, ou seja, não podem casar os ascendentes com os descendentes.
Nos termos do já aventado, referido impedimento é bifonte, ou seja, contém cunho moral evitando o incesto, bem como não pode ser esquecida a razão biológica, salvaguardando problemas genéticos na prole (eugenia).
Já em um segundo momento, não obstante, não tenha se consolidado o relacionamento afetivo de Antígone e Hérmom, o mesmo poderia ser prosperado.
Tal justificativa tem como fundamento, que não há nenhum impedimento matrimonial entre eles, uma vez, que na atual sistemática, eles são parentes colaterais de quarto grau.  
Referências Bibliográficas
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 1. Ed.. Atlas. São Paulo. 2013.
BEVILAQUA, Clovis. Direito da Família. 8 Ed.. Livraria Freitas Bastos. São Paulo. 1956
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 28. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 2. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família 11. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013.
REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm. Acesso em 01/01/2015
SÓFOCLES. Antígone. Tradução J. B. de Melo Souza. Fonte Digital. 2015.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. Ed.. Método. São Paulo. 2014



[1] SÓFOCLES. Antígone. Tradução J. B. de Melo Souza. Fonte Digital. 2015.
[2] SÓFOCLES. Antígone. Tradução J. B. de Melo Souza. Fonte Digital. 2015.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 28. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013. p. 81.
[4] BEVILAQUA, Clovis. Direito da Família. 8 Ed.. Livraria Freitas Bastos. São Paulo. 1956. p. 57.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 2. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2012. p. 225.
[6] Nesse mesmo sentido: AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 1. Ed.. Atlas. São Paulo. 2013. p. 82.
[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 28. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013. p. 90 e seguintes.
[8] Sobre os princípios norteadores do código civil de 2002, em especial o da operabilidade leia. REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto de Código Civil disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm. Acesso em 01/01/2015.
[9] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 2. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2012. p. 226.
[10] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família 11. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013. p. 70
[11] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. Ed.. Método. São Paulo. 2014. p.56.
[12] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família. 2. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2012. p.132.
[13] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família 11. Ed.. Saraiva. São Paulo. 2013. p. 73.
[14] TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 9. Ed.. Método. São Paulo. 2014. p.57.