segunda-feira, 9 de junho de 2014

Procedimento para o registro do bem de família instituído por escritura pública

Estimados estudiosos, como vão?

Gostaria de debater um pouco o procedimento para o registro do bem de família instituído por escritura pública.

Poucos conhecem o procedimento relatado na Lei 6015/73 (Lei de Registros Públicos) nos artigos 260 a 265.

Após a apresentação do título no registro imobiliário competente, cumpre ao Oficial efetuar a publicação por edital do referido título instituidor do bem de família.

Decorridos o prazo de 30 dias sem impugnação escrita, o título será registrado na matrícula imobiliária e no livro 3 auxiliar.

Com a impugnação, o título será devolvido com cópia da impugnação. O instituidor poderá recorrer diretamente ao Juiz Corregedor competente para que ordene o registro. Aqui uma diferença, pois não se trata da tradicional suscitação de dúvidas, a qual pode ser efetuada junto ao Registrador. 

Dessa decisão não cabe recurso, conforme a lei. Porém, há divergência quanto a essa formulação legislativa da via administrativa. Algumas corregedores adotam o procedimento da suscitação de dúvidas, com recurso administrativo em 15 dias para a Corregedoria-geral, no arrepio à lei.

Assim, foi adotada por decisão da da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, esse procedimento sobre o registro do bem de família. Vide abaixo:

"Pedido de providências Bem de Família - registro da instituição anterior à citação em processo de execução- incidência da regra dos artigos . 5º, da Lei n. 8.009/90, e 1.711, do Código Civil - Pedido deferido. CP 433 Vistos. Trata-se de pedido de providências proposto por R. A. DE O. P. e seu marido P. R. P., visando a averbação da Escritura Pública de Instituição de Bem de Família Convencional, lavrada no 8º Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº xxxxx junto ao xº Registro de Imóveis da Capital. Adotadas as formalidades legais, com a publicação do edital para conhecimento de terceiros, conforme previsto no artigo 262 da Lei 6.015/73, houve impugnação pela Sociedade "B. A." (fls. 23/78). Sustenta a impugnante a impossibilidade de se instituir o bem de família do referido imóvel, visto que se encontra em tramite processual Ação de Execução de Honorários Advocatícios (processo nº xxxxxx), em fase de execução provisória, na qual figura como credora a impugnante e como devedora a empresa E. P., sendo o requerente administrador da empresa. Aduz que, na qualidade de gestor desde 2003, P. R. P. praticou atos de fraude à execução e contra credores da empresa devedora, resultando na prolação de decisão judicial pelo MMº Juiz da xx Vara Cível do Foro Central de reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica , incluindo, consequentemente, o requerente no pólo passivo da ação de execução. Assim, diante destes fatos, a instituição do bem de família teria como escopo impedir a satisfação dos débitos da empresa. Ponderam os requerentes, em resposta, que a instituição do bem de família é anterior à decisão judicial proferida nos autos de execução. O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido (fls.103/104). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. A controvérsia dos autos versa sobre a possibilidade da instituição da residência familiar como Bem de Família, por escritura pública, e a impugnação à sua averbação, por integrar o requerente o pólo passivo da Ação de Execução de Honorários Advocatícios, em fase de execução provisória. Ressalto, de início, que a citação na ação executória ainda não ocorreu. Logo, mesmo que se reconheça a responsabilidade do requerente pela dívida, este ato seria posterior à instituição do bem de família, estando este livre de penhora. Conforme nos ensina CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: "A instituição do bem de família é uma forma da afetação de bens a um destino especial que é ser a residência da família, e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio" (Instituições de direito civil, v. 5, p. 557/558.). Para a comprovação de que o imóvel eleito pode vir a se tornar bem de família, as certidões imobiliárias dos cartórios de registro de imóveis do local de residência dos requerentes são documentos aptos à demonstração dos requisitos necessários para a constituição pretendida, ou seja, que somente eram proprietários de um bem imóvel capaz de lhes servir de moradia naquela localidade ou, na existência de titularidade de outros, que o bem objeto da indisponibilidade é o de menor valor ou, ainda, que possui registro em cartório da condição de bem de família, conforme art. 5º e parágrafo único da lei nº 8.009/90. Nesse diapasão, a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região já assentou que: "Visando a lei a proteger a unidade familiar, deixando a salvo da penhora o bem destinado a sua residência, não merece prosperar qualquer argumentação de existência de outros bens, desde que não se encontre devidamente comprovada através de certidão passada pelo cartório de registro imobiliário" (AC 321217/PB - Relator: Petrúcio Ferreira). Conforme demonstrado nos autos, a inclusão do requerente no pólo passivo da ação supracitada, foi posterior à tentativa do registro da escritura pública em cartório, sendo, portanto, inadmissível a exigência formulada pelo Registrador, visto que a impenhorabilidade, que virá em decorrência da instituição, não alcança as execuções por dívidas anteriores a ela. Portanto, não se apresenta aceitável que a noticiada existência de dívidas anteriores, objeto de execuções aparelhadas, obste a instituição do bem de família. No caso em testilha, não se entrevê, com a instituição, qualquer prejuízo a terceiros, salientando-se que os demais bens não ficarão a salvo de responder pelas dívidas de responsabilidade dos requerentes. Segundo consta na escritura pública (fls. 13), o imóvel que se pretende instituir como bem de família tem valor inferior a um terço do patrimônio líquido do casal, em consonância com o art. 1.711 do Código Civil. O objetivo do legislador é que o proprietário do bem não se torne insolvente, o que de fato não ocorreu no presente caso. Ademais, mesmo se o casal não possuísse outros bens, a residência fixa usada como moradia seria impenhorável, por força de lei. Veja-se que a norma jurídica editada pela lei 8.009/90 teve como escopo justamente proteger a residência familiar. Nas lições do professor Álvaro Villaça de Azevedo: "O instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familial. Nessa lei emergencial, não fica a família à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio Estado, de que é fundamento." (Álvaro Villaça de Azevedo - Bem de Família - 5ª ed. 2009). Dispõe, com efeito, o art. 1º do aludido diploma legal: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei". Outrossim, em relação a alegação de fraude à execução ou de fraude contra credores, não há como o registrador no âmbito da qualificação registral dar solução à questão de direito material não decidida, ou cuja decisão não ficou demonstrada, porque o exame da qualificação é questão meramente administrativa, não protegida pela segurança da coisa julgada. Por todo o exposto, DEFIRO o pedido de providências deduzido por R. A. O. P. e P. R. P., a fim de determinar a averbação da Escritura Pública de Instituição de Bem de Família Convencional, lavrada no xxº Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel residencial matriculado sob nº xxxxxx junto ao xº Ofício de Registro de Imóveis da Capital. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, no prazo de quinze dias, para a E. Corregedoria Geral de Justiça (Cód. Judiciário, art. 246). Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, . Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito (CP 433) Advogados(s): Adriano César da Silva Álvares" - 'nomes dos envolvidos e números suprimidos' 

Assim, fica a reflexão, para o conhecimento dos estudiosos, sobre um modelo diferenciado e pouco corriqueiro de se inscrever um bem de família, instituído por escritura pública, já que a lei 8009/90 é a mais utilizada na via judicial, no entanto, sem eficácia registral. 

Os comentários serão bem-vindos para complementar o nosso estudo e o entendimento sobre a questão posta.

Professor Tutor Adriano César da Silva Álvares