segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O EFEITO TRANSLATIVO E O RECURSO EXTRAODINÁRIO

INTRODUÇÃO

O Recurso Extraordinário, a retrato do que ocorre também com Recurso Especial não se presta a exercer juízo sobre o mérito da decisão discutida. Tem esse recurso caráter complemente diversos daqueles outros apelos conhecidos. Seu objetivo essencial é o de “assegurar o regime federativo, por meio do controle da aplicação da lei federal e da Constituição Federal ao caso concreto”.[1] Por isso que alguns autores o chamam de recurso de fundamentação vinculada, ou seja, são apelos direcionados a apenas casos específicos.

A interposição do recurso, no plano processual e no plano fático, causa incontáveis efeitos, tendo alguns, maior vivacidade e outros, menor vigor. Os resultados mais comuns do ingresso do apelo são decorrentes do princípio do duplo grau de jurisdição. O primeiro é a conseqüência de devolver ao Judiciário a possibilidade de prolatar uma nova sentença sobre a lide, corrigindo um possível erro. O segundo efeito se instala na impossibilidade da primeira decisão judicial surtir resultado sem o final julgamento do recurso. Outros efeitos, tais como o expansivo e o regressivo. Aquele, quando o objeto da decisão vai além dos limites da matéria impugnada[2]. Este último é a possibilidade de retratação do juiz da decisão judicial prolatada, que está presente na decisão interlocutória que recebe uma moção de insatisfação através de um agravo retido (art. 523, § 2º CPC[3]), ou de um agravo de instrumento (art. 529 CPC[4]) e na sentença que indefere a petição inicial (art. 296 CPC). Alguns autores[5] mencionam também a capacidade do recurso em impedir a incidência da coisa julgada ou da preclusão como efeito do recurso.

Todavia, percebe-se que todos nascem do mesmo princípio do duplo grau de jurisdição.

PRINCIPAIS EFEITOS DOS RECURSOS

Dentre os principais efeitos recursais, além dos afamados efeitos devolutivo e suspensivo, encontramos também o chamado efeito translativo, que é a capacidade que tem o tribunal de avaliar matérias que não tenha sido objeto do conteúdo do recurso, por se tratar de assunto que se encontra superior à vontade das partes. Assim, o efeito devolutivo necessita de uma expressa manifestação da parte que é impelida com o ato do recurso e com a especificação da matéria a ser julgada novamente, enquanto o efeito translativo independe da manifestação da parte, eis que a matéria que ele trata vai além de sua vontade do particular, por ser de ordem pública.

Como se percebe, o efeito translativo é intimamente ligado ao motivo pela qual o juiz deve conhecer de ofício, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, também conhecida como matéria de ordem pública. Os motivos para essa conseqüência estão arrolados no art. 301 do CPC, exceto nos incisos IX e XI.

Esse é um efeito perigoso, visto que existe a possibilidade que ele agrave a o estado do recorrente. Na lógica de rever a lide, o juiz tem por obrigação verificar todo o processo e relatá-lo, por forma do art. 458, I do CPC, sob pena de nulidade. Não é muito difícil de que o magistrado ao reapreciar todo o processo, encontrar outras máculas que não foram vistas pelo prolator da sentença recorrida. Alguns Autores afirmam esse efeito é cabível a qualquer espécie de recurso[6].

APLICAÇÃO DO EFEITO TRANSLATIVO AO RECURSO EXTRAODINÁRIO

Na verdade apenas dois efeitos dos recursos são visivelmente perceptíveis. O efeito devolutivo e o suspensivo. Os demais nada mais são do que conseqüências destes mesmos efeitos, ou resultados da própria aplicação atividade jurisdicional. O efeito translativo é uma conseqüência do relatório essencial a qualquer decisão judicial. O efeito expansivo é uma dedução oriunda do efeito devolutivo.

Quanto ao recurso extraordinário, a conseqüência suspensiva não lhe cai bem, apesar do regimento interno da casa (art. 21, IV e V RISTF) lhe permitir. Todavia tal concessão diz respeito somente ao poder geral de cautela[7] (art. 798 CPC). O que impede a execução provisória com a interposição do recurso extraordinário é o efeito devolutivo que lhe impõe e não o suspensivo. A jurisprudência[8] é dominante neste sentido, mesmo em que pese entendimentos de escol contrários[9].

Quanto à admissão do efeito translativo ao recurso extraordinário é necessário salientar que o processo civil se alicerça basicamente em dois princípios: o do dispositivo e o da inércia. Assim, como regra geral, é o recorrente que restringe a finalidade da sua razão de inconformismo, mencionando expressamente quais são os conflitos a serem reexaminados pelo órgão revisor. A melhor doutrina[10] ensina que o a questão da devolutividade recursal deve ser interpretada por sua extensão e profundidade. Todavia o efeito translativo, como já visto não se confunde com o efeito devolutivo por profundidade, pois enquanto este último reside na possibilidade de exame de todas os elementos do processo, aquele primeiro, trata tão somente das matérias de ordem pública.

Todavia, de qualquer forma, pelo mesmo motivo nenhum dos dois efeitos, translativo e devolutivo por profundidade, podem ser admitidos em matéria de recurso extraordinário. A translatividade do recurso é também natural efeito do recurso, visto que cabe ao Judiciário a obrigação de prolatar decisório sobre o suscitado, entretanto para decidir, tem o órgão revisor que verificar nos autos se alguma seqüela de ordem pública restou. No recurso extraordinário, a retrato do que também ocorre com o recurso especial, mesmo em que pese a natureza pública das questões do art. 301 do CPC, tais situações só podem ser reapreciadas se forem objeto de prequestionamento necessário e decisão anterior[11].

Professor Tutor Cildo Giolo Júnior



[1] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.554.
[2] Um exemplo desta situação nos é trazida por Marcos Vinícius Rios Gonçalves, quando trata do litisconsórcio simples: “embora o recurso tenha sido interposto por apenas um dos litisconsortes, o outro acaba se beneficiando.” Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.85.
[3] Art. 523. (...) § 2º Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão.
[4] Art. 529. Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo.
[5] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Coord. Curso avançado de processo civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2005. v.1. p.570. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.523. GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.84. GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.2. p.282.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.523.
[7] RT 658/178 e RSTJ 13/215.
[8] “Age ultra vires, com evidente excesso no desempenho de sua competência monocrática, o Presidente de tribunal inferior que, ao formular juízo positivo de admissibilidade, vem a outorgar, ao arrepio da lei, efeito suspensivo a recurso extraordinário, interferindo desse modo, em domínio juridicamente reservado, com exclusividade absoluta, à atividade processual do STF” (Tribunal Pleno, Maioria, RTJ 144/718 – Reclamação - Relator Min. Celso de Mello - Rcl 416 - Publicação:  DJ 26-02-1993 PP-02355 EMENT VOL-01693-01 PP-00074).
[9] NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 32.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 1ª nota ao art. 497 CPC. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. Teoria Geral dos Recursos, Recursos em Espécie e Processo de Execução. São Paulo: Atlas, 2005. v.II. p.116.
[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.I. p.530-532.
[11] Neste mesmo sentido: “Apenas os recursos excepcionais (recurso especial, extraordinário e embargos de divergência) não o são, porque a matéria a ser objeto de apreciação pelos Tribunais Superiores fica restrita àquilo que tenha sido prequestionado, discutido anteriormente”. (GONÇALVES, Marcos Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2. p.85).