quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

PERSPECTIVAS PARA A TUTELA PENAL DE EXPERIMENTOS BIOTECNOLÓGICOS EM SERES HUMANOS

A chamada biossegurança, ou segurança na biotecnologia, representa um objetivo político relativamente recente na sociedade que decorre da necessidade de se preservar um certo nível de segurança, com o fim de diminuir ou evitar os riscos inerentes à manipulação genética. A biossegurança compreende ações de prevenção, eliminação ou diminuição dos riscos para a vida e a saúde humana e dos animais, além da manutenção dos seres vivos em seu estado de equilíbrio natural.

A Constituição Federal vigente (CF/88) estabelece que o Poder Público deve preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país, fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético (art. 225, § 1.º, II) e controlar a produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o ambiente (art. 225, § 1.º, V).

Assim, no âmbito brasileiro é possível identificar que a biossegurança como objetivo a ser alcançado encontra amparo constitucional, constituindo um valor fundamental para a vida em sociedade. Ocorre que o texto constitucional, ao dispor sobre o patrimônio genético do ponto de vista estritamente ambiental, assegurando a integridade e a diversidade biológicas dos ecossistemas existentes no país, não é claro quanto à intangibilidade do patrimônio genético humano.

No campo da biossegurança é de se observar que a inerente imprevisibilidade de todos os resultados possíveis em um experimento com material genético humano, seja por meio de células, tecidos ou mesmo envolvendo pessoas, pode consistir num campo fértil para a expansão do Direito Penal sem qualquer razoabilidade, a ponto de se inviabilizar por completo o desenvolvimento de pesquisas sob o argumento de se evitar o surgimento de novos riscos ao patrimônio genético humano.

E mesmo com a Lei de Biossegurança persiste um hiato legislativo no tocante a pesquisas de biotecnologia envolvendo seres humanos. O texto basilar sobre a matéria ainda é a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde que atua como instância máxima de deliberação do Sistema Único de Saúde – SUS, de caráter permanente e deliberativo, cuja missão é a deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas de saúde[1].

A Resolução 466/12 estabelece em seu item III que toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos deve atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes, os quais de acordo com seu item III.1 implicam em:

Ø  Respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida;
Ø  Ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
Ø  Garantia de que danos previsíveis serão evitados;
Ø  Relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária.

Como se vê, há uma clara e louvável correspondência entre os fundamentos éticos elencados na Resolução 466/12 e os princípios bioéticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça/equidade. Ocorre que por se tratar de norma administrativa a Resolução 466/12 não fornece a segurança jurídica necessária aos pesquisadores das áreas médica e biotecnológica, servindo tão somente como critério orientador para a interpretação do ordenamento jurídico.

De todo modo, entendemos que qualquer regulamentação legal que venha a ser editada futuramente sobre a matéria não pode se afastar dos princípios bioéticos consagrados na Resolução 466/12, de um lado, e deve observar as exigências de taxatividade, ofensividade e intervenção mínima do Direito Penal, de outro, caso contemple a criação de tipos penais. É de se repudiar a adoção de estruturas “modernizantes” que venham a ampliar ou antecipar indevidamente a tutela penal em detrimento da realização de pesquisas médicas ou biotecnológicas.

Professor Tutor Leonardo Henriques da Silva

Mestre e doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Penal e em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra.



[1] In Conselho Nacional de Saúde: Apresentação. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/apresentacao/apresentacao.htm. Acesso em 27.11.2014.