Com a crescente escassez de operadoras que comercializam
planos individuais no mercado, a contratação de planos coletivos por adesão ou
empresariais são, cada vez mais, opções atrativas para os consumidores que não têm
plano de saúde, ou que pretendem mudar o plano que atualmente possuem.
No entanto, as pessoas idosas têm se deparado com uma
prática que é cada vez mais comum no mercado, qual seja, a imposição, por parte
da operadora, de muitos empecilhos para a realização da contratação. Em muitos
casos a situação é tão grave que a operadora chega a recusar a adesão do
consumidor, sob a alegação de que não aceita pessoas com mais de 59 anos.
Trata-se, todavia, de prática odiosa e que é expressamente
proibida pela nossa legislação em todas as suas vertentes. Inicialmente, faz-se
mister mencionar que a Constituição
Federal de 1988, que é a norma jurídica de maior hierarquia em nosso
ordenamento, possui como princípio basilar a “dignidade da pessoa humana” (CF, art. 01.º, inc. III) e ainda, prevê
dentre seus objetivos primordiais, a construção de uma sociedade “livre, justa e solidária” (CF, art. 3.º,
inc.I) e a promoção do bem de todos, “sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, art. 3.º, inc. IV). O legislador constituinte faz constar,
ainda, na cabeça do art. 5.º, que “todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”.
Nesse sentido, a simples
leitura dos referidos artigos do texto constitucional já mostra que qualquer tipo de discriminação que tenha
por base categorias meramente subjetivas constitui conduta incompatível com
os fundamentos e objetivos da nossa República.
Mas no que tange à pessoa idosa,
tanto o legislador constituinte, quanto a legislação infraconstitucional,
tiveram um cuidado especial. Com efeito, a preocupação em garantir a
proteção à pessoa idosa está expressa no art. 230, da Constituição Federal, que
confere ao Estado o dever de “amparar as
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. E, visando regulamentar de forma específica o
significado da defesa da “dignidade e bem-estar” dos idosos, foi editada a Lei
n.º 10.741/03, também conhecida como Estatuto do Idoso, a qual, em seu artigo
4.º, proibiu categoricamente a efetivação de qualquer prática
discriminatória contra a pessoa idosa.
Os artigos constitucionais e
do Estatuto do Idoso mencionados, por si só, já bastariam para concluir que a
recusa de contratação com pessoa idosa é ilegal. Mas, por se tratar de relação
de consumo, regulamentada, portanto, pelo Código de Defesa do Consumidor
(Súmula 469 do SJT), existe previsão normativa específica que caracteriza como
“prática abusiva” a recusa de prestação de serviços ao consumidor que se
disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento (CDC, art. 39, inc. IX).
A esse respeito, ensina BRUNO MIRAGEM que “o fornecedor [de serviços] não pode, ao se
dispor a enfrentar os riscos da atividade negocial no mercado de consumo, pretender
selecionar os consumidores com quem vai contratar(...).Assim,
ocorrerá prática abusiva, por exemplo, quando o fornecedor a fornecer (...) por
discriminação ilícita de determinado consumidor.” (MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008, p. 188).
Atenta
à proibição estabelecida pela legislação consumerista, a Lei n.º 9.656/98
determinou, em seu art. 14, que o consumidor não pode ser impedido de participar
de planos privados de assistência à saúde em razão da idade avançada. No mesmo
sentido, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ao editar a Resolução
Normativa n.º 195, que regulamenta a atividade dos planos de saúde empresariais
e coletivos por adesão, fez constar expressamente a chamada “Proibição de Seleção de Riscos”. Mas o
que seria a proibição de seleção de riscos?
A
referida proibição significa que, para o ingresso em plano de saúde coletivo
por adesão ou empresarial, a operadora de plano de saúde somente pode exigir do
consumidor a existência de vínculo com a pessoa jurídica que figura como
estipulante do contrato, ou seja, o consumidor que pretenda aderir a um plano
coletivo por adesão somente precisa comprovar o vínculo com pessoa jurídica
de caráter profissional, classista
ou setorial (RN 195/09, art. 09.º), ou, se pretender ingressar em plano
empresarial, deve apresentar documentação que demonstre a existência
vínculo empregatício ou estatutário, ou a condição de sócio e/ou
administrador da empresa estipulante.
Recentemente,
a questão da recusa de contratação de plano de saúde em razão da idade foi
analisada pela 2ª Turma Recursal dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, que reconheceu a abusividade
desta conduta e, ainda, condenou a operadora no pagamento de danos morais,
senão vejamos:
CDC. NEGATIVA DE EFETIVAÇÃO DA PROPOSTA DE
CONTRATAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE TÃO SOMENTE PELA IDADE DA CONSUMIDORA. AUSÊNCIA
DE CLARA INFORMAÇÃO. LEGÍTIMA EXPECTATIVA GERADA QUANDO DA REALIZAÇÃO DA
PROPOSTA. DANO MORAL CARACTERIZADO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NA INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$
1.500,00 (HUM MIL E QUINHENTOS REAIS). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA
MANTIDA.
1. Restou evidenciado nos autos que a proposta de cobertura de plano de saúde vendida pela corretora de seguros foi negada sem a devida informação ao consumidor, o que configura fato gerador de dano moral, na modalidade damnum in re ipsa, pois suplanta liame de mero dissabor, irritação ou mágoa, para ingressar e interferir de forma intensa na dignidade da pessoa humana. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do artigo 14 do CDC.
2. Os critérios considerados pelo MM. Juiz, ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 1.500,00, estão de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência, razão pela qual não merecem reforma.
3. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões.
(Acórdão n.611978, 20120510005865ACJ, Relator: JOSÉ GUILHERME, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 07/08/2012, Publicado no DJE: 24/08/2012. Pág.: 298)
1. Restou evidenciado nos autos que a proposta de cobertura de plano de saúde vendida pela corretora de seguros foi negada sem a devida informação ao consumidor, o que configura fato gerador de dano moral, na modalidade damnum in re ipsa, pois suplanta liame de mero dissabor, irritação ou mágoa, para ingressar e interferir de forma intensa na dignidade da pessoa humana. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do artigo 14 do CDC.
2. Os critérios considerados pelo MM. Juiz, ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 1.500,00, estão de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência, razão pela qual não merecem reforma.
3. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões.
(Acórdão n.611978, 20120510005865ACJ, Relator: JOSÉ GUILHERME, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 07/08/2012, Publicado no DJE: 24/08/2012. Pág.: 298)
Assim,
o prestador de serviços não pode “escolher” com que vai contratar. Demonstrada
a existência de vínculo com a pessoa jurídica estipulante, a recusa da
contratação por parte da operadora de plano de saúde reveste-se de ilegalidade
e, inclusive, poderá ser caracterizada como crime se restar comprovado que a
recusa se deu em discriminação à pessoa idosa (Estatuto do Idoso, art. 96[1]).
Professor
Tutor MARCOS PAULO FALCONE PATULLO
[1] Art. 96. Discriminar pessoa
idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de
transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento
necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:Pena – reclusão de 6
(seis) meses a 1 (um) ano e multa.