segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Em carta, criminalistas pedem especialista da área no Supremo


Um grupo de criminalistas quer um representante da área na vaga deixada por Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal. A demanda materializou-se em uma carta aberta à Presidência da República, ao Senado e ao Judiciário, em que são listados cinco nomes: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Paulo de Souza Queiroz, Pedro Estevam Serrano, Salo de Carvalho e Vera Regina Pereira de Andrade.
Entre os signatários do documento estão nomes como Alexandre Morais da Rosa, juiz em Santa Catarina e professor de Processo Penal na UFSC; Rubens Casara, juiz da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro; Amilton Bueno de Carvalho, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Ana Cristina Borba Alves, juíza em Santa Catarina; e Juarez Tavares, professor doutor da Uerj.
Para os criminalistas, a reivindicação se explica pois os país passa por um momento em que “as regras do jogo democrático” estão sendo atacadas. “A midiática, arbitrária e oportunista repressão organizada pelos quadros mais alienados e servis da Polícia e do Ministério Público, e com a aprovação de alguns setores do Judiciário, contra cidadão no pleno exercício de seus direitos fundamentais precisa parar imediatamente.”
O momento, diz o documento, requer, em específico, criminalistas que saibam se "opor à sanha punitiva os limites rigorosamente traçados pelo Direito e Processo Penal, cumprindo a missão constitucional de proteger a cidadania contra a arbitrariedade estatal".
Sobre os nomes apontados, os signatários afirmam que “pela dignidade de suas trajetórias acadêmicas e profissionais, são todos capazes de evitar a emergência e consolidação do Estado Penal”.

Leia o manifesto:

À sombra dos quarenta anos que separam a República brasileira do início de sua pior ditadura, vemos hoje a repetição de discursos e práticas absolutamente incompatíveis com a democracia que se pretendia inaugurar em 1988. Nas últimas semanas, sob o signo da tragédia, o país tem acompanhado a criminalização autoritária de advogados, estudantes, membros de partidos políticos minoritários e líderes de movimentos sociais comprometidos com a efetivação dos direitos fundamentais e a melhoria objetiva das condições de vida da população marginalizada.
Trata-se, na verdade, da reação tardia e covarde daqueles que foram constrangidos pela denúncia pública de seu comportamento, desmando e truculência, especialmente durante as demonstrações em massa que atingiram seu apogeu em junho de 2013. Passado um ano, os acanhados de ontem aproveitam a apatia de hoje para coagir os que ousaram insistir. Embora tentem esconder sua pretensão punitiva pela retórica – tão vazia quanto oportunista – da “proteção à ordem social e ao patrimônio público”, os objetivos reais por trás dessa nova onda de violência institucional saltam aos olhos: por um lado, a intimidação daqueles que se recusam a resumir a luta pela moralização da classe política a manifestações episódicas; por outro, a neutralização das alternativas partidárias e dos movimentos sociais não comprometidos com o status quo, arrefecendo o potencial emancipatório que trazem consigo às vésperas da eleição.
Os alvos prioritários são, por certo, os politicamente informados, que resistem coletivamente e de forma organizada às tendências autoritárias e antidemocráticas. Graças à fundamental e desavergonhada colaboração da grande mídia e seus fieis seguidores – entre cínicos e ingênuos editores, colunistas e jornalistas – instaura-se uma oposição entre os que permanecem na luta e a massa de neófitos políticos que, não muito tempo atrás, acompanhavam os atualmente perseguidos pelas principais avenidas do país.
A fórmula utilizada é bastante conhecida. Explora-se mais uma vez a dicotomia “amigo-inimigo” para diferenciar a “boa” da “má” ação política, forjando-se o antagonismo entre “manifestantes” e “vândalos”. O caminho mais fácil para tanto é desqualificar os segundos como “criminosos”, utilizando-se do Direito e Processo Penal para reprimir a desobediência civil, em franca inversão da principiologia iluminista, isto é, negando o fato de que o Direito existe para proteger o cidadão contra o Estado, jamais o contrário.
Para a realização desta caricata e cruel vendeta, as mais elementares normas jurídicas são solenemente ignoradas pelos agentes da repressão, que despudoradamente mobilizam seu vasto arsenal para responder, com gás, balas (reais ou de borracha) e cassetetes, de um lado, e apreensões, interceptações e prisões, de outro, ao exercício dos direitos de resistência, associação e mobilização por convicção política, constitucionalmente assegurados a todos. Ironicamente, essa sistemática e brutal negação do direito alheio pretende se legitimar na defesa do patrimônio público, com a conveniente amnésia de que este é cotidianamente muito mais vilipendiado pelos salários, benefícios e esquemas dos repressores do que pelas pedras dos manifestantes. Por certo, não merecem aplausos os eventuais atos de destruição praticados por ativistas, ainda que frequentemente exagerados para justificar a repressão; mas a enorme desproporção na correlação de forças simplesmente não pode ser ignorada, tampouco a debilidade do discurso que pretende legitimar o abuso da prerrogativa, politicamente orientada, de investigar e punir.
A midiática, arbitrária e oportunista repressão organizada pelos quadros mais alienados e servis da Polícia e do Ministério Público, e com o aprovação de alguns setores do Judiciário, contra cidadãos no pleno exercício de seus direitos fundamentais precisa parar imediatamente. O ataque às regras do jogo democrático, reduzidas à “exceção” em nome do combate injusto a uma ameaça fabricada e etérea, não pode continuar. E não há dúvida de que os magistrados brasileiros são os protagonistas nesse cenário, especialmente aqueles que integram as Cortes Superiores, os quais têm o dever de guardar a Constituição e proteger a pessoa humana.
Mas o autoritarismo do tempo presente é tal que não bastam juristas de reputação ilibada e notável saber jurídico. O momento requer, em específico, criminalistas, isto é, homens e mulheres que saibam opor à sanha punitiva os limites rigorosamente traçados pelo Direito e Processo Penal, cumprindo a missão constitucional de proteger a cidadania contra a arbitrariedade estatal, como é próprio do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, com a consumada aposentadoria do Ministro Joaquim Barbosa, os juristas que abaixo subscrevem essa Carta recomendam enfaticamente para nomeação como Ministro do Supremo Tribunal Federal 5 (cinco) nomes. Com origem em diversas carreiras, doutores em Direito e acadêmicos destacados, todos possuem o medular compromisso com a democracia exigido pela atual conjuntura, estando por isso à altura do desafio que se apresenta, como bem demonstram a excelente produção intelectual e o digno histórico de atuação profissional que os caracterizam.
Fonte: Revista Consultor Jurídico


Professora Tutora Lilian Barçalobre Manoel