Um grupo de criminalistas quer um representante da área na vaga
deixada por Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal. A demanda
materializou-se em uma carta aberta à Presidência da República, ao Senado e ao
Judiciário, em que são listados cinco nomes: Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho, Paulo de Souza Queiroz, Pedro Estevam Serrano, Salo de Carvalho e
Vera Regina Pereira de Andrade.
Entre os signatários do documento estão nomes como Alexandre Morais
da Rosa, juiz em Santa Catarina e professor de Processo Penal na UFSC; Rubens
Casara, juiz da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro; Amilton Bueno de Carvalho,
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Ana Cristina Borba
Alves, juíza em Santa Catarina; e Juarez Tavares, professor doutor da Uerj.
Para os criminalistas, a reivindicação se explica pois os país
passa por um momento em que “as regras do jogo democrático” estão sendo
atacadas. “A midiática, arbitrária e oportunista repressão organizada pelos
quadros mais alienados e servis da Polícia e do Ministério Público, e com a
aprovação de alguns setores do Judiciário, contra cidadão no pleno exercício de
seus direitos fundamentais precisa parar imediatamente.”
O momento, diz o documento, requer, em específico, criminalistas
que saibam se "opor à sanha punitiva os limites rigorosamente traçados
pelo Direito e Processo Penal, cumprindo a missão constitucional de proteger a
cidadania contra a arbitrariedade estatal".
Sobre os nomes apontados, os signatários afirmam que “pela
dignidade de suas trajetórias acadêmicas e profissionais, são todos capazes de
evitar a emergência e consolidação do Estado Penal”.
Leia o manifesto:
À sombra dos quarenta anos que separam a República brasileira do
início de sua pior ditadura, vemos hoje a repetição de discursos e práticas
absolutamente incompatíveis com a democracia que se pretendia inaugurar em
1988. Nas últimas semanas, sob o signo da tragédia, o país tem acompanhado a
criminalização autoritária de advogados, estudantes, membros de partidos
políticos minoritários e líderes de movimentos sociais comprometidos com a
efetivação dos direitos fundamentais e a melhoria objetiva das condições de
vida da população marginalizada.
Trata-se, na verdade, da reação tardia e covarde daqueles que
foram constrangidos pela denúncia pública de seu comportamento, desmando e
truculência, especialmente durante as demonstrações em massa que atingiram seu
apogeu em junho de 2013. Passado um ano, os acanhados de ontem aproveitam a
apatia de hoje para coagir os que ousaram insistir. Embora tentem esconder sua
pretensão punitiva pela retórica – tão vazia quanto oportunista – da “proteção
à ordem social e ao patrimônio público”, os objetivos reais por trás dessa nova
onda de violência institucional saltam aos olhos: por um lado, a intimidação
daqueles que se recusam a resumir a luta pela moralização da classe política a
manifestações episódicas; por outro, a neutralização das alternativas
partidárias e dos movimentos sociais não comprometidos com o status quo,
arrefecendo o potencial emancipatório que trazem consigo às vésperas da
eleição.
Os alvos prioritários são, por certo, os politicamente informados,
que resistem coletivamente e de forma organizada às tendências autoritárias e antidemocráticas.
Graças à fundamental e desavergonhada colaboração da grande mídia e seus fieis
seguidores – entre cínicos e ingênuos editores, colunistas e jornalistas –
instaura-se uma oposição entre os que permanecem na luta e a massa de neófitos
políticos que, não muito tempo atrás, acompanhavam os atualmente perseguidos
pelas principais avenidas do país.
A fórmula utilizada é bastante conhecida. Explora-se mais uma vez
a dicotomia “amigo-inimigo” para diferenciar a “boa” da “má” ação política,
forjando-se o antagonismo entre “manifestantes” e “vândalos”. O caminho mais
fácil para tanto é desqualificar os segundos como “criminosos”, utilizando-se
do Direito e Processo Penal para reprimir a desobediência civil, em franca
inversão da principiologia iluminista, isto é, negando o fato de que o Direito
existe para proteger o cidadão contra o Estado, jamais o contrário.
Para a realização desta caricata e cruel vendeta, as mais
elementares normas jurídicas são solenemente ignoradas pelos agentes da
repressão, que despudoradamente mobilizam seu vasto arsenal para responder, com
gás, balas (reais ou de borracha) e cassetetes, de um lado, e apreensões,
interceptações e prisões, de outro, ao exercício dos direitos de resistência,
associação e mobilização por convicção política, constitucionalmente
assegurados a todos. Ironicamente, essa sistemática e brutal negação do direito
alheio pretende se legitimar na defesa do patrimônio público, com a conveniente
amnésia de que este é cotidianamente muito mais vilipendiado pelos salários,
benefícios e esquemas dos repressores do que pelas pedras dos manifestantes.
Por certo, não merecem aplausos os eventuais atos de destruição praticados por
ativistas, ainda que frequentemente exagerados para justificar a repressão; mas
a enorme desproporção na correlação de forças simplesmente não pode ser
ignorada, tampouco a debilidade do discurso que pretende legitimar o abuso da
prerrogativa, politicamente orientada, de investigar e punir.
A midiática, arbitrária e oportunista repressão organizada pelos
quadros mais alienados e servis da Polícia e do Ministério Público, e com o
aprovação de alguns setores do Judiciário, contra cidadãos no pleno exercício
de seus direitos fundamentais precisa parar imediatamente. O ataque às regras
do jogo democrático, reduzidas à “exceção” em nome do combate injusto a uma
ameaça fabricada e etérea, não pode continuar. E não há dúvida de que os
magistrados brasileiros são os protagonistas nesse cenário, especialmente
aqueles que integram as Cortes Superiores, os quais têm o dever de guardar a
Constituição e proteger a pessoa humana.
Mas o autoritarismo do tempo presente é tal que não bastam
juristas de reputação ilibada e notável saber jurídico. O momento requer, em
específico, criminalistas, isto é, homens e mulheres que saibam opor à sanha
punitiva os limites rigorosamente traçados pelo Direito e Processo Penal,
cumprindo a missão constitucional de proteger a cidadania contra a
arbitrariedade estatal, como é próprio do Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, com a consumada aposentadoria do Ministro Joaquim
Barbosa, os juristas que abaixo subscrevem essa Carta recomendam enfaticamente
para nomeação como Ministro do Supremo Tribunal Federal 5 (cinco) nomes.
Com origem em diversas carreiras, doutores em Direito e acadêmicos destacados,
todos possuem o medular compromisso com a democracia exigido pela atual
conjuntura, estando por isso à altura do desafio que se apresenta, como bem
demonstram a excelente produção intelectual e o digno histórico de atuação profissional
que os caracterizam.
Fonte: Revista Consultor
Jurídico
Professora Tutora Lilian Barçalobre Manoel