segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A recusa do ingresso de pessoa idosa no plano de saúde é ilegal!

Com a crescente escassez de operadoras que comercializam planos individuais no mercado, a contratação de planos coletivos por adesão ou empresariais são, cada vez mais, opções atrativas para os consumidores que não têm plano de saúde, ou que pretendem mudar o plano que atualmente possuem.

No entanto, as pessoas idosas têm se deparado com uma prática que é cada vez mais comum no mercado, qual seja, a imposição, por parte da operadora, de muitos empecilhos para a realização da contratação. Em muitos casos a situação é tão grave que a operadora chega a recusar a adesão do consumidor, sob a alegação de que não aceita pessoas com mais de 59 anos.

Trata-se, todavia, de prática odiosa e que é expressamente proibida pela nossa legislação em todas as suas vertentes. Inicialmente, faz-se mister mencionar que a Constituição Federal de 1988, que é a norma jurídica de maior hierarquia em nosso ordenamento, possui como princípio basilar a “dignidade da pessoa humana” (CF, art. 01.º, inc. III) e ainda, prevê dentre seus objetivos primordiais, a construção de uma sociedade “livre, justa e solidária” (CF, art. 3.º, inc.I) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CF, art. 3.º, inc. IV). O legislador constituinte faz constar, ainda, na cabeça do art. 5.º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Nesse sentido, a simples leitura dos referidos artigos do texto constitucional já mostra que qualquer tipo de discriminação que tenha por base categorias meramente subjetivas constitui conduta incompatível com os fundamentos e objetivos da nossa República.

Mas no que tange à pessoa idosa, tanto o legislador constituinte, quanto a legislação infraconstitucional, tiveram um cuidado especial. Com efeito, a preocupação em garantir a proteção à pessoa idosa está expressa no art. 230, da Constituição Federal, que confere ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. E, visando regulamentar de forma específica o significado da defesa da “dignidade e bem-estar” dos idosos, foi editada a Lei n.º 10.741/03, também conhecida como Estatuto do Idoso, a qual, em seu artigo 4.º, proibiu categoricamente a efetivação de qualquer prática discriminatória contra a pessoa idosa.

Os artigos constitucionais e do Estatuto do Idoso mencionados, por si só, já bastariam para concluir que a recusa de contratação com pessoa idosa é ilegal. Mas, por se tratar de relação de consumo, regulamentada, portanto, pelo Código de Defesa do Consumidor (Súmula 469 do SJT), existe previsão normativa específica que caracteriza como “prática abusiva” a recusa de prestação de serviços ao consumidor que se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento (CDC, art. 39, inc. IX).

A esse respeito, ensina BRUNO MIRAGEM que “o fornecedor [de serviços] não pode, ao se dispor a enfrentar os riscos da atividade negocial no mercado de consumo, pretender selecionar os consumidores com quem vai contratar(...).Assim, ocorrerá prática abusiva, por exemplo, quando o fornecedor a fornecer (...) por discriminação ilícita de determinado consumidor. (MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 188).

Atenta à proibição estabelecida pela legislação consumerista, a Lei n.º 9.656/98 determinou, em seu art. 14, que o consumidor não pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde em razão da idade avançada. No mesmo sentido, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, ao editar a Resolução Normativa n.º 195, que regulamenta a atividade dos planos de saúde empresariais e coletivos por adesão, fez constar expressamente a chamada “Proibição de Seleção de Riscos”. Mas o que seria a proibição de seleção de riscos?

A referida proibição significa que, para o ingresso em plano de saúde coletivo por adesão ou empresarial, a operadora de plano de saúde somente pode exigir do consumidor a existência de vínculo com a pessoa jurídica que figura como estipulante do contrato, ou seja, o consumidor que pretenda aderir a um plano coletivo por adesão somente precisa comprovar o vínculo com pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial (RN 195/09, art. 09.º), ou, se pretender ingressar em plano empresarial, deve apresentar documentação que demonstre a existência vínculo empregatício ou estatutário, ou a condição de sócio e/ou administrador da empresa estipulante.

Recentemente, a questão da recusa de contratação de plano de saúde em razão da idade foi analisada pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, que reconheceu a abusividade desta conduta e, ainda, condenou a operadora no pagamento de danos morais, senão vejamos:

CDC. NEGATIVA DE EFETIVAÇÃO DA PROPOSTA DE CONTRATAÇÃO DE PLANO DE SAÚDE TÃO SOMENTE PELA IDADE DA CONSUMIDORA. AUSÊNCIA DE CLARA INFORMAÇÃO. LEGÍTIMA EXPECTATIVA GERADA QUANDO DA REALIZAÇÃO DA PROPOSTA. DANO MORAL CARACTERIZADO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE NA INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 1.500,00 (HUM MIL E QUINHENTOS REAIS). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 
1. Restou evidenciado nos autos que a proposta de cobertura de plano de saúde vendida pela corretora de seguros foi negada sem a devida informação ao consumidor, o que configura fato gerador de dano moral, na modalidade damnum in re ipsa, pois suplanta liame de mero dissabor, irritação ou mágoa, para ingressar e interferir de forma intensa na dignidade da pessoa humana. A responsabilidade do recorrente é objetiva, na forma do artigo 14 do CDC. 
2. Os critérios considerados pelo MM. Juiz, ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 1.500,00, estão de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência, razão pela qual não merecem reforma. 
3. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e deixo de arbitrar honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões. 
(
Acórdão n.611978, 20120510005865ACJ, Relator: JOSÉ GUILHERME, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 07/08/2012, Publicado no DJE: 24/08/2012. Pág.: 298)
Assim, o prestador de serviços não pode “escolher” com que vai contratar. Demonstrada a existência de vínculo com a pessoa jurídica estipulante, a recusa da contratação por parte da operadora de plano de saúde reveste-se de ilegalidade e, inclusive, poderá ser caracterizada como crime se restar comprovado que a recusa se deu em discriminação à pessoa idosa (Estatuto do Idoso, art. 96[1]).

Professor Tutor MARCOS PAULO FALCONE PATULLO





[1] Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade:Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.