terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE SOBRE AS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Se, de um lado, é pacífico o controle de constitucionalidade realizado sobre emendas à Constituição – como decorrência do exercício do Poder Constituinte Derivado -, de outro, dúvidas pairam em relação à fiscalização de constitucionalidade das normas constitucionais originárias. A teoria do controle de constitucionalidade incidindo sobre as normas constitucionais originárias surgiu na Alemanha, com Otto Bachof (2009), em seu consagrado livro intitulado de “Normas constitucionais inconstitucionais?”.
Otto foi um jurista que vivenciou a hegemonia e o colapso do nazismo. No período de transição para o Estado Democrático de Direito, o autor tedesco proferiu uma palestra em 20 de julho de 1951, na qual trouxe à baila os modos de atuação estatal, inclusive positivados, contrários a certos valores enraizados na comunidade europeia como um todo. Para ele, então, tornava-se imperioso reconhecer a existência de um direito “supralegal”, o qual deveria conformar a atuação do Poder Constituinte. A violação desse direito “supralegal” culminaria numa ação inconstitucional. Otto relata as diversas possibilidades de uma norma constitucional incorrer numa inconstitucionalidade. Em primeiro lugar, as limitações ao Poder Constituinte Originário põem-se em relação à legitimidade. A validade, portanto, de uma Constituição não depende, em regra, de sua legalidade, assim compreendida como a elaboração de acordo com os preceitos da Constituição antes em vigor. Pode acontecer, no entanto, que em momento posterior à sua feitura, ocorra a ilegalidade de uma Constituição. Isso acontece quando ela não observa as condições formais existentes em seu próprio texto. Mas dentre outros casos de inconstitucionalidade das normas constitucionais mencionados por Bachof, a que mais nos chama a atenção é a invalidação de normas constitucionais em virtude de contradição com normas constitucionais de grau superior. Por mais paradoxal possa parecer, já que uma lei constitucional não pode, manifestamente, violar-se a si mesma, é possível, segundo o autor, que uma norma constitucional de significado secundário, nomeadamente uma norma formalmente constitucional, fosse contrária a um preceito material fundamental da Constituição. Logo, as normas constitucionais de grau inferior seria inconstitucional e inválida se contrariassem as de preceito superior do mesmo documento constitucional - direito supralegal. Vale ressaltar, no entanto, que o próprio Bachof reconhece a possibilidade do Constituinte Originário estabelecer exceções às normas constitucionais de grau superior, ressalvando apenas as exceções irretorquivelmente arbitrárias. (BACHOF, 2009, p.48-59)
Em nosso sistema constitucional, no entanto, não há espaço para agasalhar a tese de Otto Bachof. Isso porque os preceitos constitucionais não apresentam hierarquia entre si, sendo certo que as normas, ainda que apenas e tão-somente formalmente constitucionais, não se colocam abaixo das outras dotadas de caráter material. Na aguda observação de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p.78), as normas da Constituição têm igual valor. Pensar o contrário e distinguir entre normas formal e materialmente constitucionais e normas formal mas não materialmente constitucionais conduziria a uma quebra da unidade normativa da Constituição.
Conforme assentado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por meio do Min. Rel. Moreira Alves, opinião, a propósito, com a qual compartilhamos, a tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias conduzindo ao reconhecimento de inconstitucionalidade de umas em face de outras se afigura incompossível com o sistema da Constituição rígida. Isso porque as normas constitucionais originárias retiram o seu fundamento de validade no próprio Poder Constituinte Originário. Ademais, não se pode perder de vista que o próprio Bachof (2009) reconhece que, em relação à inconstitucionalidade de normas constitucionais por contradição com normas constitucionais de grau superior, o Constituinte Originário tem liberdade para determinais quais sejam essas normas constitucionais de caráter superior, podendo, inclusive, estabelecer exceções a elas, salvo se essas exceções forem arbitrárias. O Pretório Excelso, assim, não teria jurisdição para fiscalizar o Poder Constituinte Originário, distinguindo as exceções que, em seu entender, sejam razoáveis das que afiguram arbitrárias, para declarar estas inconstitucionais. Por fim, vale ressaltar que os limites impostos na Carta Magna para a sua modificação só podem ser invocadas contra o Poder de Reforma e não em face do Poder Constituinte Originário. (BRASIL, 1996)

Professor Tutor Mateus Pieroni Santini

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da Costa. São Paulo: Almedina, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo ADI 815-3/DF, Rel. Min. Moreira Alves. Diário de Justiça da União. Brasília, 10 mai. 1996.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002.