Se, de um lado, é pacífico o controle de
constitucionalidade realizado sobre emendas à Constituição – como decorrência
do exercício do Poder Constituinte Derivado -, de outro, dúvidas pairam em
relação à fiscalização de constitucionalidade das normas constitucionais
originárias. A teoria do controle de constitucionalidade incidindo sobre as
normas constitucionais originárias surgiu na Alemanha, com Otto Bachof (2009),
em seu consagrado livro intitulado de “Normas constitucionais
inconstitucionais?”.
Otto foi um jurista que vivenciou a hegemonia e o colapso
do nazismo. No período de transição para o Estado Democrático de Direito, o
autor tedesco proferiu uma palestra em 20 de julho de 1951, na qual trouxe à
baila os modos de atuação estatal, inclusive positivados, contrários a certos
valores enraizados na comunidade europeia como um todo. Para ele, então, tornava-se
imperioso reconhecer a existência de um direito “supralegal”, o qual deveria
conformar a atuação do Poder Constituinte. A violação desse direito
“supralegal” culminaria numa ação inconstitucional. Otto relata as diversas
possibilidades de uma norma constitucional incorrer numa inconstitucionalidade.
Em primeiro lugar, as limitações ao Poder Constituinte Originário põem-se em
relação à legitimidade. A validade, portanto, de uma Constituição não depende,
em regra, de sua legalidade, assim compreendida como a elaboração de acordo com
os preceitos da Constituição antes em vigor. Pode acontecer, no entanto, que em
momento posterior à sua feitura, ocorra a ilegalidade de uma Constituição. Isso
acontece quando ela não observa as condições formais existentes em seu próprio
texto. Mas dentre outros casos de inconstitucionalidade das normas
constitucionais mencionados por Bachof, a que mais nos chama a atenção é a
invalidação de normas constitucionais em virtude de contradição com normas
constitucionais de grau superior. Por mais paradoxal possa parecer, já que uma
lei constitucional não pode, manifestamente, violar-se a si mesma, é possível,
segundo o autor, que uma norma constitucional de significado secundário,
nomeadamente uma norma formalmente constitucional, fosse contrária a um
preceito material fundamental da Constituição. Logo, as normas constitucionais
de grau inferior seria inconstitucional e inválida se contrariassem as de
preceito superior do mesmo documento constitucional - direito supralegal. Vale
ressaltar, no entanto, que o próprio Bachof reconhece a possibilidade do
Constituinte Originário estabelecer exceções às normas constitucionais de grau
superior, ressalvando apenas as exceções irretorquivelmente arbitrárias.
(BACHOF, 2009, p.48-59)
Em nosso sistema constitucional, no entanto, não há
espaço para agasalhar a tese de Otto Bachof. Isso porque os preceitos
constitucionais não apresentam hierarquia entre si, sendo certo que as normas,
ainda que apenas e tão-somente formalmente constitucionais, não se colocam
abaixo das outras dotadas de caráter material. Na aguda observação de José
Joaquim Gomes Canotilho (2002, p.78), as normas da Constituição têm igual
valor. Pensar o contrário e distinguir entre normas formal e materialmente
constitucionais e normas formal mas não materialmente constitucionais
conduziria a uma quebra da unidade normativa da Constituição.
Conforme assentado pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, por meio do Min. Rel. Moreira Alves, opinião, a propósito,
com a qual compartilhamos, a tese de que há hierarquia entre normas
constitucionais originárias conduzindo ao reconhecimento de
inconstitucionalidade de umas em face de outras se afigura incompossível com o
sistema da Constituição rígida. Isso porque as normas constitucionais
originárias retiram o seu fundamento de validade no próprio Poder Constituinte
Originário. Ademais, não se pode perder de vista que o próprio Bachof (2009)
reconhece que, em relação à inconstitucionalidade de normas constitucionais por
contradição com normas constitucionais de grau superior, o Constituinte
Originário tem liberdade para determinais quais sejam essas normas
constitucionais de caráter superior, podendo, inclusive, estabelecer exceções a
elas, salvo se essas exceções forem arbitrárias. O Pretório Excelso, assim, não
teria jurisdição para fiscalizar o Poder Constituinte Originário, distinguindo
as exceções que, em seu entender, sejam razoáveis das que afiguram arbitrárias,
para declarar estas inconstitucionais. Por fim, vale ressaltar que os limites
impostos na Carta Magna para a sua modificação só podem ser invocadas contra o
Poder de Reforma e não em face do Poder Constituinte Originário. (BRASIL, 1996)
Professor Tutor Mateus Pieroni Santini
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BACHOF,
Otto. Normas constitucionais
inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Cardoso da
Costa. São Paulo: Almedina, 2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo ADI 815-3/DF,
Rel. Min. Moreira Alves. Diário de
Justiça da União. Brasília, 10 mai. 1996.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e
teoria da constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina,
2002.