sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Breve comentário sobre as decisões proferidas pela Ministra Ellen Gracie na Suspensão de Segurança n.º 3073 e na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 91


Existem algumas decisões proferidas pelas Cortes Supremas que nos permitem parar um pouco para refletir sobre a própria função do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Um exemplo disso ocorreu na mais famosa decisão da Suprema Corte Americana no caso Marbury vs.Madison, que representou uma mudança na concepção do princípio da Separação de Poderes, criando o gérmen da do Controle de Constitucionalidade dos Atos Legislativos.

As suspensões de segurança e tutela antecipada concedidas pela Ministra Ellen Gracie em 2007, embora não tenham a repercussão histórica da mencionada decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, exigem uma reflexão sobre o próprio papel do magistrado na sociedade democrática. Sem embargo, nas mencionadas decisões, a Ministra, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que o fornecimento gratuito de medicamentos de alto custo para pacientes com câncer pode representar uma violação ao artigo 196 da Constituição da República, uma vez que o aludido dispositivo refere-se “à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações
individualizadas”.

Argumenta, portanto, a nobre Ministra que o fornecimento de medicamentos de alto custo poderia comprometer as políticas públicas na área da saúde, eis que acarretaria um problema de “ingovernabilidade”, entendida esta como “a incapacidade de um governo ou de uma estrutura de poder formular e de tomar decisões no momento oportuno, sob a forma de programas econômicos, políticas públicas e planos administrativos (...)”(FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, p. 118-119), representando uma violação ao próprio princípio da igualdade.

Cabe, no entanto, a seguinte pergunta: como deve decidir o Judiciário no embate entre os direitos individuais e a governabilidade? Sem delongas e reconhecendo que a pergunta não é de fácil resposta, gostaria apenas de esboçar uma solução para o problema colocado.

Para tanto, utilizo-me da doutrina de Ronald DWORKIN, seja pela sua importância teórica para o debate jurídico e político contemporâneo, seja por
representar uma visão do Poder Judiciário, apreendido em sua essência. Ao comentar a importância teórica e política da decisão da Suprema Corte Americana no caso Marbury vs Madison, DWORKIN constata que o órgão de cúpula do Poder Judiciário tem, de fato, natureza política e, nesse sentido, suas decisões envolvem o debate sobre questões substantivas, e não meramente formais. Todavia, a racionalidade envolvida nessas deliberações deve basear-se no que ele denomina de “argumentos de princípio”, ou seja, “o Tribunal deve tomar decisões (...) sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não decisões sobre se promove melhor o bem-estar geral”.(DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, p. 101).

Para DWORKIN, o Judiciário é o grande fórum para a discussão dos direitos individuais: é o locus apropriado para que os conflitos que surgem entre o individuo e a sociedade sejam decididos, não com base em argumentos econômicos, mas sim valorativamente, buscando-se a concretização da Justiça.

As decisões da Ministra Ellen Gracie estão eivadas, portanto, em sua própria
essência, já que não espelham a melhor interpretação dos valores constitucionais envolvidos na questão do fornecimento gratuito de medicamentos de alto custo para pacientes com câncer: a Ministra permitiu que alguns indivíduos fossem sacrificados em nome da racionalidade econômica.


Professor Turor Marcos Paulo Falcone Patullo