Seria possível
responsabilizar pais, que perderam o vínculo afetivo com seus filhos, impondo-lhes
sanções pecuniárias? Há efetividade nesta compensação tanto para o genitor
quanto ao filho pelo dano sofrido?
A terceira
turma do STJ, em uma decisão inédita no ano de 2012, obrigou um pai a compensar,
no valor de R$200 mil, seu filho por abandono afetivo. Para o pai, a sentença é
um tipo de penalização que afronta os dispositivos do Código Civil, contudo, na
fundamentação da Ministra Relatora Nancy Andrighi o “amar é faculdade, cuidar é
dever”1 e os danos morais não devem se restringir a mera letra da
lei, é preciso levar sua interpretação além.
Fica evidente
como o Direito Civil de 2002, em sua roupagem constitucionalizada, permite uma
maior intervenção do Estado nas relações privadas e valoração do “ser” ao
“ter”. O abandono afetivo fere princípios estruturais da Constituição Federal
de 1988 como: a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança.
Na
decisão, o valor original, fixado em R$ 415 mil pelo TJSP, fora reajustado por
ter sido considerado demasiadamente elevado. Observa-se que o quantum a ser
pago a título compensatório a quem sofreu a repulsa ou indiferença do ente que,
em regra, tem, no mínimo, o dever de cuidar, acaba por ter sua mensuração subjetivada.
Então
surge a pergunta, houve efetividade?
Não se
pode judicializar relações de “afeto”, de modo a evitar o enriquecimento sobre
qualquer causa e sua banalização, mas o Poder Judiciário não pode eximir de
cumprir o seu papel social em casos como o trazido à baila e impor medidas
pedagógicas a fim de inibir novas condutas.
Aos juízes
que apreciarão o caso em concreto, faltam-lhe parâmetros legais a serem
seguidos na construção de sua decisão. Arbitrar um valor considerado ideal de
reparação e/ou compensação do dano extrapatrimonial deverá estar resguardado
pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, efetividade e o que
levara o pai ou mãe a “esquecer” seu filho.
No
magistério de Maria Helena Diniz, o direito não repara a dor, o sofrimento,
todavia não obsta a reparação pecuniária a quem foi lesado na zona dos valores².
Desde 2007
tramita no Senado Federal um projeto de lei que visa alterar o Estatuto da
Criança e Adolescente constando expressamente a responsabilidade dos pais no
caso do abandono afetivo.
A PL
700/2007³, se aprovada, trará grandes avanços oriundos de tratados
internacionais já ratificados pelo Brasil no que concerne o carinho, cuidado,
dignidade e direito à convivência familiar, convivência esta evoluída, a qual permite
casais separados, divorciados ou desconstituídos uma convivência harmoniosa com
sua prole.
Lecionam
os Professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que “mais imoral do que
compensar uma lesão com dinheiro, é, sem sombra de dúvida, deixar o lesionado
sem qualquer tutela jurídica e o lesionador livre,
leve e solto para causar outros danos no futuro.”4
Neste
diapasão, a responsabilização civil é perfeitamente possível e somente a perda
do poder familiar seria um alívio ao pai e/ou mãe que renegaram seu filho. Atacar
o bolso do culpado pode não ser a melhor decisão, não resgatará o tempo pedido,
nem curará a ferida aberta, mas para o filho foi feito justiça e, para o
causador do dano, por mais que não haja efeito, com certeza fará este e outros
pais pensarem mais de uma vez antes de cometer tal conduta.
Notas de
Referência:
[1] STJ
Notícias. Terceira Turma obriga pai a
indenizar filha em R$ 200 mil por abandono afetivo. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105567>. Acesso em 20.03.14.
²DINIZ,
Maria Helena. Curso de Direito Civil. Vol VII: Responsabilidade Civil. 27ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
³Para mais detalhes sobre o
Projeto de Lei 700 de 2007, consulte o link: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=83516>.
Acesso em 07 de março de 2014.
4STOLZE,
Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III:
Responsabilidade Civil. 8ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Professor Tutor José Carlos de Carvalho Filho
Professor Tutor José Carlos de Carvalho Filho