segunda-feira, 24 de março de 2014

A EFETIVIDADE DA SANÇÃO PECUNIÁRIA POR AUSÊNCIA DE AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL

Seria possível responsabilizar pais, que perderam o vínculo afetivo com seus filhos, impondo-lhes sanções pecuniárias? Há efetividade nesta compensação tanto para o genitor quanto ao filho pelo dano sofrido?

A terceira turma do STJ, em uma decisão inédita no ano de 2012, obrigou um pai a compensar, no valor de R$200 mil, seu filho por abandono afetivo. Para o pai, a sentença é um tipo de penalização que afronta os dispositivos do Código Civil, contudo, na fundamentação da Ministra Relatora Nancy Andrighi o “amar é faculdade, cuidar é dever”1 e os danos morais não devem se restringir a mera letra da lei, é preciso levar sua interpretação além. 

Fica evidente como o Direito Civil de 2002, em sua roupagem constitucionalizada, permite uma maior intervenção do Estado nas relações privadas e valoração do “ser” ao “ter”. O abandono afetivo fere princípios estruturais da Constituição Federal de 1988 como: a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança.

Na decisão, o valor original, fixado em R$ 415 mil pelo TJSP, fora reajustado por ter sido considerado demasiadamente elevado. Observa-se que o quantum a ser pago a título compensatório a quem sofreu a repulsa ou indiferença do ente que, em regra, tem, no mínimo, o dever de cuidar, acaba por ter sua mensuração subjetivada.

Então surge a pergunta, houve efetividade?

Não se pode judicializar relações de “afeto”, de modo a evitar o enriquecimento sobre qualquer causa e sua banalização, mas o Poder Judiciário não pode eximir de cumprir o seu papel social em casos como o trazido à baila e impor medidas pedagógicas a fim de inibir novas condutas.

Aos juízes que apreciarão o caso em concreto, faltam-lhe parâmetros legais a serem seguidos na construção de sua decisão. Arbitrar um valor considerado ideal de reparação e/ou compensação do dano extrapatrimonial deverá estar resguardado pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, efetividade e o que levara o pai ou mãe a “esquecer” seu filho.

No magistério de Maria Helena Diniz, o direito não repara a dor, o sofrimento, todavia não obsta a reparação pecuniária a quem foi lesado na zona dos valores².

Desde 2007 tramita no Senado Federal um projeto de lei que visa alterar o Estatuto da Criança e Adolescente constando expressamente a responsabilidade dos pais no caso do abandono afetivo.

A PL 700/2007³, se aprovada, trará grandes avanços oriundos de tratados internacionais já ratificados pelo Brasil no que concerne o carinho, cuidado, dignidade e direito à convivência familiar, convivência esta evoluída, a qual permite casais separados, divorciados ou desconstituídos uma convivência harmoniosa com sua prole.

Lecionam os Professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que “mais imoral do que compensar uma lesão com dinheiro, é, sem sombra de dúvida, deixar o lesionado sem qualquer tutela jurídica e o lesionador livre, leve e solto para causar outros danos no futuro.”4

Neste diapasão, a responsabilização civil é perfeitamente possível e somente a perda do poder familiar seria um alívio ao pai e/ou mãe que renegaram seu filho. Atacar o bolso do culpado pode não ser a melhor decisão, não resgatará o tempo pedido, nem curará a ferida aberta, mas para o filho foi feito justiça e, para o causador do dano, por mais que não haja efeito, com certeza fará este e outros pais pensarem mais de uma vez antes de cometer tal conduta.

Notas de Referência:
[1] STJ Notícias. Terceira Turma obriga pai a indenizar filha em R$ 200 mil por abandono afetivo. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105567>. Acesso em 20.03.14.
²DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. Vol VII: Responsabilidade Civil. 27ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
³Para mais detalhes sobre o Projeto de Lei 700 de 2007, consulte o link: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=83516>. Acesso em 07 de março de 2014.

4STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. III: Responsabilidade Civil. 8ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Professor Tutor José Carlos de Carvalho Filho