A vulnerabilidade do consumidor diante
do fornecedor e da relação de consumo que se forma, é o que estrutura todo o
sistema de consumo[1].
É em razão desta fragilidade que foi editado o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, no afã de fazer equilibrada esta relação desigual entre consumidor e
fornecedor, foi criada uma lei protetiva do cidadão, com o intuito de resguardo
da parte mais fraca na relação de consumo. O presente artigo busca demonstrar a flagrante
vulnerabilidade do consumidor diante da obsolescência programada. Para tanto,
examinou esta estratégia utilizada pelos fornecedores, com o intuito de
estimular a aquisição de novos produtos, observando o impacto desta forma de
atividade nociva ao consumidor, tentando diferenciar a obsolescência da simples
evolução tecnológica que qualquer produto possa ter.
Não se é consumidor porque se quer. E o consumidor
está submisso e escravizado por sua situação. Ser consumidor é uma condição de submissão
que não há como se evitar. E nos tempos atuais muito mais do que antes. Segundo
o dicionário Aurélio, o termo vulnerável
se refere a “todo aquele suscetível de ser ferido, ofendido ou atacado, ou
seja, diz-se do lado fraco de uma questão, ou do ponto por onde alguém pode ser
ferido ou tocado”[2].
É o consumidor a parte mais fraca na relação que
tratava com categorias mais fortes: o fornecedor, o produtor e o comerciante,
sendo que o Código de Defesa do Consumidor foi criado justamente para preencher
o hiato de fragilidade existente entre o cidadão e a produção em massa[3]
[4].
Por outro lado, a weak-position,
como é chamada pelos norte-americanos esta fragilidade evidente do consumidor,
comporta algumas espécies, que na verdade são tipologias que foram criadas
somente para facilitar a identificação da vulnerabilidade.
Por outro lado, a estratégia de se lançar produtos
no mercado é direito legítimo do fornecedor de produtos que tem a intenção de
arrebanhar cada vez mais consumidores. Resta saber se há possibilidade de se
limitar o uso indiscriminado de inovações, que foram criadas de forma
propositada e acabam por limitar a existência destes produtos. Tal situação
poderia caracterizar uma prática comercial abusiva programada.
A chamada obsolescência
programada ou obsolescência planejada
é uma estratégia utilizada pelos fornecedores com o intuito de estimular a
aquisição de novos produtos em um curto período de tempo, fazendo com os
produtos adquiridos se tornem ultrapassados, perdendo o valor econômico em
relação ao preço pago na compra.
Graças a esta prática usual, há um considerável
aumento da venda de produtos de forma periódica e o consequente lucro aos
fornecedores, graças a uma diminuição na vida útil do produto. Bruno Miragem
define esta prática como “redução artificial da durabilidade de produtos ou do
ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura”[5].
Esta forma programada de se lançar produtos no mercado já com a limitação de
existência deste caracteriza uma prática comercial abusiva.
“Verbi
gratia”, recentemente a empresa norte-americana Apple foi processada pelo
Instituto Brasileiro de Direito da Informática que alega que a empresa lançou o
tablet iPad 3 consciente de que o modelo seria em breve substituído pelo iPad
4. A demanda foi encetada perante à 12ª Vara Cível do Distrito Federal no dia
06/02/2012, sendo a notícia do Jornal Comércio de Porto Alegre/RS: “a ação
aponta que a Apple quebrou o paradigma de aguardados lançamentos anuais -
seguido na 1ª, 2ª e 3ª geração do iPad - ao apresentar a quarta geração, em
outubro de 2012, sete meses depois de lançar o tablet nos Estados Unidos e
apenas cinco meses após o produto desembarcar no Brasil” [6].
Nesta
ação, o
requerente afirma que o iPad 3 da Apple poderia ter chegado às prateleiras com
as características
apresentadas na quarta geração, mas a empresa, com o intuito de obter lucro,
resolveu por a venda a versão antiga já sabendo que eles seriam rapidamente
substituídos pela nova versão.
Entretanto, salienta-se
que a configuração da obsolescência programada não ocorre tão somente neste
caso, pois a mais gritante forma ocorre no ardil engenhoso que é utilizado
pelas indústrias, com o intuito de estimular a aquisição de novos produtos em
um curto período de tempo, fazendo com os produtos adquiridos se tornem
ultrapassados, perdendo o valor econômico em relação ao preço pago na compra.
Assim, o lançamento do novo, acarreta a imediata atualização por parte do
consumidor. Esta prática comercial abusiva é ilícita, independentemente de se
encontrar ou não algum consumidor lesado, pela simples supremacia do fornecedor
diante do consumidor.
Além do mais, a finalização da produção do
equipamento antigo acarreta a falta das peças de reposição. A legislação
brasileira, aliás, só trata deste assunto, prevendo o caso de quando o produto
ainda esteja no mercado, ou em um tempo de vida útil, quando já tenha sido
substituído pela inovação tecnológica de produtos subsequentes, acaba por
evidenciar a prática comercial abusiva da obsolescência
programada. Por outro lado, se a ausência de peças torna necessária a aquisição
de um produto novo, eis que impossível o conserto do antigo, da mesma forma, o
aumento considerável do preço das peças de reposição também podem acarretar a
necessidade de aquisição de outro produto.
Graças a esta prática usual, há um considerável
aumento da venda de produtos de forma periódica e o consequente lucro aos
fornecedores, graças a uma diminuição na vida útil do produto, encontrando-se o consumidor em um estado
de vulnerabilidade excessiva, eis que não tem como fugir esta situação que lhe
é imposta pela indústria.
Referências
bibliográficas
ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. 5. ed.
Saraiva. São Paulo, 2011.
DUNAND, Emmanuel. Apple sofre processo
por prática comercial abusiva. Jornal
Comércio. Porto Alegre, 21/02/2013. Caderno de Telecomunicações. Disponível
em < http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=116921>. Acesso em
18/06/2013.
HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
5.ed. São Paulo: Positivo Editora, 2010.
MIRAGEM, Bruno. Vício oculto, vida útil
do produto e extensão da responsabilidade do fornecedor: comentários à decisão
do REsp 984.106/SC, do STJ. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, v. 85, p. 325 et. seq., Jan. 2013.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8.ed. São
Paulo: Saraiva, 2013.
Professor Tutor Cildo Giolo Júnior
[1] Como acentua João Batista de
Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao
consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento. É
induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo;
apresenta ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico.” (in Manual
de direito do consumidor. 5. ed. Saraiva. São Paulo, 2011. p.70).
[2] HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
5.ed. São Paulo: Positivo Editora, 2010. p.944.
[3] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.40.
[4] A jurisprudência também é
uníssona neste sentido :“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de
Instrumento. Concessão de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurança. [...]
Relação de Consumo. Caracterização. Destinação Final Fática e Econômica do
Produto ou Serviço. Atividade Empresarial. Mitigação da Regra. Vulnerabilidade
da Pessoa Jurídica. Presunção Relativa. […] Uma interpretação sistemática e
teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do
consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à
presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o
próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de
sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio
constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e
170, V, da CF. [...]” ( Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ RMS 27512/BA/
Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado no DJe em
23.09.2009)
[5] MIRAGEM, Bruno. Vício oculto,
vida útil do produto e extensão da responsabilidade do fornecedor: comentários
à decisão do Resp 984.106/SC, do STJ. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 85, p. 325 et. seq., Jan. 2013.
[6] DUNAND, Emmanuel. Apple sofre
processo por prática comercial abusiva. Jornal
Comércio. Porto Alegre, 21/02/2013. Caderno de Telecomunicações. Disponível
em < http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=116921>. Acesso em
18/06/2013.