quinta-feira, 6 de março de 2014

O CONSUMIDOR E A OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

A vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor e da relação de consumo que se forma, é o que estrutura todo o sistema de consumo[1]. É em razão desta fragilidade que foi editado o Código de Defesa do Consumidor. Assim, no afã de fazer equilibrada esta relação desigual entre consumidor e fornecedor, foi criada uma lei protetiva do cidadão, com o intuito de resguardo da parte mais fraca na relação de consumo. O presente artigo busca demonstrar a flagrante vulnerabilidade do consumidor diante da obsolescência programada. Para tanto, examinou esta estratégia utilizada pelos fornecedores, com o intuito de estimular a aquisição de novos produtos, observando o impacto desta forma de atividade nociva ao consumidor, tentando diferenciar a obsolescência da simples evolução tecnológica que qualquer produto possa ter.

Não se é consumidor porque se quer. E o consumidor está submisso e escravizado por sua situação. Ser consumidor é uma condição de submissão que não há como se evitar. E nos tempos atuais muito mais do que antes. Segundo o dicionário Aurélio, o termo vulnerável se refere a “todo aquele suscetível de ser ferido, ofendido ou atacado, ou seja, diz-se do lado fraco de uma questão, ou do ponto por onde alguém pode ser ferido ou tocado”[2].

É o consumidor a parte mais fraca na relação que tratava com categorias mais fortes: o fornecedor, o produtor e o comerciante, sendo que o Código de Defesa do Consumidor foi criado justamente para preencher o hiato de fragilidade existente entre o cidadão e a produção em massa[3] [4]. Por outro lado, a weak-position, como é chamada pelos norte-americanos esta fragilidade evidente do consumidor, comporta algumas espécies, que na verdade são tipologias que foram criadas somente para facilitar a identificação da vulnerabilidade.

Por outro lado, a estratégia de se lançar produtos no mercado é direito legítimo do fornecedor de produtos que tem a intenção de arrebanhar cada vez mais consumidores. Resta saber se há possibilidade de se limitar o uso indiscriminado de inovações, que foram criadas de forma propositada e acabam por limitar a existência destes produtos. Tal situação poderia caracterizar uma prática comercial abusiva programada.

A chamada obsolescência programada ou obsolescência planejada é uma estratégia utilizada pelos fornecedores com o intuito de estimular a aquisição de novos produtos em um curto período de tempo, fazendo com os produtos adquiridos se tornem ultrapassados, perdendo o valor econômico em relação ao preço pago na compra.

Graças a esta prática usual, há um considerável aumento da venda de produtos de forma periódica e o consequente lucro aos fornecedores, graças a uma diminuição na vida útil do produto. Bruno Miragem define esta prática como “redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura”[5]. Esta forma programada de se lançar produtos no mercado já com a limitação de existência deste caracteriza uma prática comercial abusiva.  

 “Verbi gratia”, recentemente a empresa norte-americana Apple foi processada pelo Instituto Brasileiro de Direito da Informática que alega que a empresa lançou o tablet iPad 3 consciente de que o modelo seria em breve substituído pelo iPad 4. A demanda foi encetada perante à 12ª Vara Cível do Distrito Federal no dia 06/02/2012, sendo a notícia do Jornal Comércio de Porto Alegre/RS: “a ação aponta que a Apple quebrou o paradigma de aguardados lançamentos anuais - seguido na 1ª, 2ª e 3ª geração do iPad - ao apresentar a quarta geração, em outubro de 2012, sete meses depois de lançar o tablet nos Estados Unidos e apenas cinco meses após o produto desembarcar no Brasil” [6]. Nesta ação, o requerente afirma que o iPad 3 da Apple poderia ter chegado às prateleiras com as características apresentadas na quarta geração, mas a empresa, com o intuito de obter lucro, resolveu por a venda a versão antiga já sabendo que eles seriam rapidamente substituídos pela nova versão.

Entretanto, salienta-se que a configuração da obsolescência programada não ocorre tão somente neste caso, pois a mais gritante forma ocorre no ardil engenhoso que é utilizado pelas indústrias, com o intuito de estimular a aquisição de novos produtos em um curto período de tempo, fazendo com os produtos adquiridos se tornem ultrapassados, perdendo o valor econômico em relação ao preço pago na compra. Assim, o lançamento do novo, acarreta a imediata atualização por parte do consumidor. Esta prática comercial abusiva é ilícita, independentemente de se encontrar ou não algum consumidor lesado, pela simples supremacia do fornecedor diante do consumidor.

Além do mais, a finalização da produção do equipamento antigo acarreta a falta das peças de reposição. A legislação brasileira, aliás, só trata deste assunto, prevendo o caso de quando o produto ainda esteja no mercado, ou em um tempo de vida útil, quando já tenha sido substituído pela inovação tecnológica de produtos subsequentes, acaba por evidenciar a prática comercial abusiva da obsolescência programada. Por outro lado, se a ausência de peças torna necessária a aquisição de um produto novo, eis que impossível o conserto do antigo, da mesma forma, o aumento considerável do preço das peças de reposição também podem acarretar a necessidade de aquisição de outro produto.

Graças a esta prática usual, há um considerável aumento da venda de produtos de forma periódica e o consequente lucro aos fornecedores, graças a uma diminuição na vida útil do produto, encontrando-se o consumidor em um estado de vulnerabilidade excessiva, eis que não tem como fugir esta situação que lhe é imposta pela indústria.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. 5. ed. Saraiva. São Paulo, 2011.
DUNAND, Emmanuel. Apple sofre processo por prática comercial abusiva. Jornal Comércio. Porto Alegre, 21/02/2013. Caderno de Telecomunicações. Disponível em < http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=116921>. Acesso em 18/06/2013.
HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5.ed. São Paulo: Positivo Editora, 2010.
MIRAGEM, Bruno. Vício oculto, vida útil do produto e extensão da responsabilidade do fornecedor: comentários à decisão do REsp 984.106/SC, do STJ. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 85, p. 325 et. seq., Jan. 2013.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Professor Tutor Cildo Giolo Júnior


[1] Como acentua João Batista de Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento. É induvidoso que o consumidor é a parte mais fraca das relações de consumo; apresenta ele sinais de fragilidade e impotência diante do poder econômico.” (in Manual de direito do consumidor. 5. ed. Saraiva. São Paulo, 2011. p.70).
[2] HOLANDA, Aurélio Buarque. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5.ed. São Paulo: Positivo Editora, 2010. p.944.
[3] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.40.
[4] A jurisprudência também é uníssona neste sentido :“Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento. Concessão de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurança. [...] Relação de Consumo. Caracterização. Destinação Final Fática e Econômica do Produto ou Serviço. Atividade Empresarial. Mitigação da Regra. Vulnerabilidade da Pessoa Jurídica. Presunção Relativa. […] Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. [...]” ( Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado no DJe em 23.09.2009)
[5] MIRAGEM, Bruno. Vício oculto, vida útil do produto e extensão da responsabilidade do fornecedor: comentários à decisão do Resp 984.106/SC, do STJ. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 85, p. 325 et. seq., Jan. 2013.
[6] DUNAND, Emmanuel. Apple sofre processo por prática comercial abusiva. Jornal Comércio. Porto Alegre, 21/02/2013. Caderno de Telecomunicações. Disponível em < http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=116921>. Acesso em 18/06/2013.