quarta-feira, 23 de abril de 2014

BLOCO CONSTITUCIONAL NO DIREITO BRASILEIRO

Como é cediço, todo o tipo de controle deve ter um parâmetro. No caso do controle de constitucionalidade, a regra é que toda a Constituição formal funcione como paradigma para o controle. Mas seria só a Constituição formal que poderia servir de parâmetro constitucional? E os princípios implícitos, tratados, e outras normas infraconstitucionais que, a despeito de não constarem na Constituição, tratam de matéria constitucional? Poderiam ser considerados parâmetro para o controle?
É por tais razões que se torna relevante compreender com exatidão o significado que emerge do conceito de bloco de constitucionalidade. Segundo lições precisas de Canotilho:

Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição (art. 3.º/3). Significa isto que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Mas qual é o estalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade dos actos normativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições: (1) o parâmetro constitucional equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escritos da constituição (ou de outras leis formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global. Na perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência, bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e das leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios reclamados pelo <espírito> ou pelos <valores> que informam a ordem constitucional global. (CANOTILHO, 2002, p.911, grifos no original)

Vale ressaltar que a ideia de bloco constitucional é devedora da decisão do Conselho Constitucional francês, que começou a dizer, a partir de 1971, que não só os 92 artigos da sintética Constituição de 1958 serviriam de parâmetro ao controle. Ora, o Conselho começou a afirmar que outras normas, dentre elas a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o preâmbulo da Constituição de 1946 e os princípios fundamentais das leis da República ali referidos, ricos sob o prisma principiológico, incorporavam-se à Constituição de 1958, devendo servir igualmente de parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis. Com isso, o controle passou a ser realizado não mais apenas em face da Lei Maior, mas também em relação a um catálogo de normas constitucionais e supraconstitucionais de ambição e aceitação universais (GOMES, 2003, p.10; BARROSO, 2010, p.32). Os franceses elaborariam, assim, a doutrina do “bloco constitucional”, que na visão de Bidart Campos (1995), consubstanciaria o conjunto normativo de normas que não estão formalmente na Constituição formal, mas que tratam de matéria constitucional.[1]
Sucede que, no nosso sistema constitucional, não é todo o bloco de constitucionalidade que pode funcionar como parâmetro de constitucionalidade, mas somente os princípios implícitos.[2] Isso porque, nesse particular, é preciso lembrar, segundo escólio de Maria Garcia, que o artigo 5º, §2º admite a existência de “outros direitos e garantias”, além daqueles expressos na Constituição, “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”, ou dos tratados internacionais firmados (GARCIA, 2000, p.99-106). E conclui a constitucionalista: “o termo decorrente (decursivo, derivado, conseqüente, segundo o Dicionário Aurélio) faz concluir, primeiramente, pela possibilidade de localização do preceito externamente à Constituição. Porquanto, se é decorrente da Constituição não deverá estar, necessariamente, contido na Constituição. Não expressamente” (GARCIA, 2000, p.99-106).  
Isso foi feito adrede para mostrar que a parametricidade constitucional, no Brasil, é formada pela Constituição Formal e por princípios implícitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo ADI 514/PI, Rel. Min. Celso Mello. Informativo STF. Brasília, n. 499, 28 mar. 2008.
CAMPOS, G. Bidart. El derecho de la constituición y su fuerza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995.  
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina, 2002.
GARCIA, Maria. Arguição de descumprimento: direito do cidadão. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 32, p.99-106, 2000.
GOMES, Joaquim Barbosa. Evolução do controle de constitucionalidade de tipo francês. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 40, n. 158, pp. 97-125, abr./jun. 2003.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 

Professor Tutor Mateus Pieroni Santini



[1] “Na Espanha, assim como em Portugal e na Costa Rica, o controle de constitucionalidade abrange não somente o texto constitucional stricto sensu, mas também o ‘bloco de constitucionalidade’ (Espanha), que abrange, no âmbito da distribuição de competências legislativas entre o Estado e as Comunidades Autônomas, além das pertinentes normas da Constituição, os Estatutos das diferentes Comunidades Autônomas. Em Portugal, são inconstitucionais as normas que violam preceitos da Constituição (normas-preceito, normas-disposição, ainda que programáticas) e os princípios constitucionais expressos (normas-princípio) ou apenas implícitos. Já na Costa Rica, a Constituição é apenas a fonte principal do Direito, que é formado pelas normas, princípios e valores consagrados, expressa ou implicitamente, pela Constituição formal, pela Constituição material, pelo Direito Internacional ou Comunitário aplicável àquele país, e ainda pelos precedentes e jurisprudência constitucionais.” (STRECK, 2004, p.364)
[2] O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento que os princípios implícitos, juntamente com a Constituição Formal, funcionam como parâmetro constitucional. A propósito, confira o teor da ADI 514/PI, em cuja decisão o tema do bloco de constitucionalidade é tratado pormenorizadamente.