Como é cediço, todo o tipo de controle deve ter um parâmetro. No caso do controle
de constitucionalidade, a regra é que toda a Constituição formal funcione como
paradigma para o controle. Mas seria só a Constituição formal que poderia
servir de parâmetro constitucional? E os princípios implícitos, tratados, e
outras normas infraconstitucionais que, a
despeito de não constarem na Constituição, tratam de matéria constitucional?
Poderiam ser considerados parâmetro para o controle?
É por tais razões que se torna relevante compreender
com exatidão o significado que emerge do conceito de bloco de
constitucionalidade. Segundo lições precisas de Canotilho:
Todos os actos normativos devem estar em conformidade com
a Constituição (art. 3.º/3). Significa isto que os actos legislativos e
restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e
substancialmente, ao parâmetro
constitucional. Mas qual é o estalão normativo de acordo com o qual se deve
controlar a conformidade dos actos normativos? As respostas a este problema
oscilam fundamentalmente entre duas posições: (1) o parâmetro constitucional
equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí
que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de
vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e
princípios escritos da constituição (ou de outras leis formalmente
constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade
constitucional dos actos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas
e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta
princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global. Na
perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência,
bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e
das leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro
constitucional é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis
constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios
reclamados pelo <espírito> ou pelos <valores> que informam a ordem
constitucional global. (CANOTILHO, 2002, p.911, grifos no original)
Vale ressaltar que a ideia de bloco
constitucional é devedora da decisão do Conselho Constitucional francês, que
começou a dizer, a partir de 1971, que não só os 92 artigos da sintética
Constituição de 1958 serviriam de parâmetro ao controle. Ora, o Conselho
começou a afirmar que outras normas, dentre elas a Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, o preâmbulo da Constituição de 1946 e os
princípios fundamentais das leis da República ali referidos, ricos sob o prisma
principiológico, incorporavam-se à Constituição de 1958, devendo servir
igualmente de parâmetro para o controle de constitucionalidade das leis. Com
isso, o controle passou a ser realizado não mais apenas em face da Lei Maior,
mas também em relação a um catálogo de normas constitucionais e
supraconstitucionais de ambição e aceitação universais (GOMES, 2003, p.10;
BARROSO, 2010, p.32). Os franceses elaborariam, assim, a doutrina do “bloco
constitucional”, que na visão de Bidart Campos (1995), consubstanciaria o
conjunto normativo de normas que não estão formalmente na Constituição formal,
mas que tratam de matéria constitucional.[1]
Sucede que, no nosso sistema constitucional, não é
todo o bloco de constitucionalidade que pode funcionar como parâmetro de
constitucionalidade, mas somente os princípios implícitos.[2] Isso
porque, nesse particular, é preciso lembrar, segundo escólio de Maria Garcia, que o artigo 5º, §2º admite a
existência de “outros direitos e garantias”, além daqueles expressos na
Constituição, “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”, ou dos
tratados internacionais firmados (GARCIA, 2000, p.99-106). E conclui a constitucionalista: “o termo decorrente
(decursivo, derivado, conseqüente, segundo o Dicionário Aurélio) faz concluir, primeiramente, pela possibilidade
de localização do preceito externamente à Constituição. Porquanto, se é
decorrente da Constituição não deverá
estar, necessariamente, contido na Constituição.
Não expressamente” (GARCIA, 2000, p.99-106).
Isso
foi feito adrede para mostrar que a parametricidade constitucional, no Brasil, é formada pela
Constituição Formal e por princípios implícitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luis Roberto. Curso de
direito constitucional contemporâneo:
os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2.ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Processo ADI 514/PI, Rel. Min. Celso Mello. Informativo STF. Brasília, n. 499, 28 mar. 2008.
CAMPOS, G. Bidart. El derecho de
la constituición y su fuerza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995.
CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e
teoria da constituição. 6.ed. Coimbra: Almedina,
2002.
GARCIA, Maria. Arguição de descumprimento: direito do cidadão. Revista de Direito Constitucional e
Internacional. São Paulo, v. 32, p.99-106, 2000.
GOMES, Joaquim Barbosa.
Evolução do controle de constitucionalidade de tipo francês. Revista de Informação Legislativa.
Brasília, ano 40, n. 158, pp. 97-125,
abr./jun. 2003.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica:
uma nova crítica do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
Professor Tutor Mateus Pieroni Santini
[1] “Na Espanha, assim como em Portugal e
na Costa Rica, o controle de constitucionalidade abrange não somente o texto
constitucional stricto sensu, mas
também o ‘bloco de constitucionalidade’ (Espanha), que abrange, no âmbito da
distribuição de competências legislativas entre o Estado e as Comunidades
Autônomas, além das pertinentes normas da Constituição, os Estatutos das
diferentes Comunidades Autônomas. Em Portugal, são inconstitucionais as normas
que violam preceitos da Constituição (normas-preceito, normas-disposição, ainda
que programáticas) e os princípios constitucionais expressos (normas-princípio)
ou apenas implícitos. Já na Costa Rica, a Constituição é apenas a fonte
principal do Direito, que é formado pelas normas, princípios e valores
consagrados, expressa ou implicitamente, pela Constituição formal, pela
Constituição material, pelo Direito Internacional ou Comunitário aplicável
àquele país, e ainda pelos precedentes e jurisprudência constitucionais.” (STRECK,
2004, p.364)
[2] O Supremo Tribunal
Federal já firmou entendimento que os princípios implícitos, juntamente com a
Constituição Formal, funcionam como parâmetro constitucional. A propósito,
confira o teor da ADI 514/PI, em cuja decisão o tema do bloco de constitucionalidade
é tratado pormenorizadamente.