terça-feira, 8 de abril de 2014

EFEITOS PENAIS DA DECADÊNCIA E DA PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIAS

A interface entre o Direito Penal e outros ramos do Direito vem se mostrando uma fonte inesgotável para pesquisas jurídicas. Destacam-se especialmente, nesse particular, os estudos a respeito das relações entre Direito Penal e Direito Tributário. Hoje veremos como dois institutos previstos no CTN – decadência e prescrição – projetam seus efeitos em matéria penal.
Quando o Estado não logra êxito em constituir o crédito tributário dentro de um determinado prazo, fala-se na ocorrência da chamada decadência tributária, definida por Paulo de Barros Carvalho como “o ato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não exercício durante certo lapso de tempo”, uma vez que “o sistema positivo estipula certo período a fim de que os titulares de direitos subjetivos realizem os atos necessários à sua preservação, e perante a inércia manifestada pelo interessado, deixando fluir o tempo, fulmina a existência do direito, decretando-lhe a extinção”[1].
Esses prazos de constituição do crédito tributário se encontram previstos no Código Tributário Nacional em seus art. 150, caput e § 4º - para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, nos quais o sujeito passivo procede à atividade de identificação do fato gerador, apuração e pagamento do quantum devido sem a participação da Administração Fazendária - e art. 173 para os demais tributos.
No momento do vencimento do prazo estipulado para o pagamento do tributo surge para a Administração Tributária o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo o cumprimento da obrigação tributária, direito esse que se traduz no direito de propor demanda em Juízo com a finalidade de ver adimplido o crédito tributário.
A partir do momento da materialização da referida pretensão, caso o Estado não exercite esse poder de demandar contra o sujeito passivo dentro de determinado prazo haverá a extinção dessa pretensão, sendo a perda desse direito de ação como conseqüência da inércia do Estado denominada prescrição tributária.
A prescrição tributária, embora sem atingir a existência do crédito tributário, acaba por torná-lo inoperante pela impossibilidade de se lhe obter adimplemento de forma compulsória.
Ambos os institutos são previstos pelo legislador como causas de extinção do crédito tributário pelo art. 156, V, do CTN, a despeito da distinção conceitual e do momento de incidência de um e de outro sobre a relação jurídica tributária:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
V - a prescrição e a decadência;
Importante averiguar em que medida os mesmos projetam efeitos em matéria penal tributária, em especial quanto aos tipos penais do art. 1º, definidos pelo Supremo Tribunal Federal como crimes materiais no julgamento do HC 81.611/DF e, posteriormente, pela Súmula Vinculante 24.
Uma vez que o tributo devido, suprimido ou reduzido de forma fraudulenta pelo contribuinte, é considerado como elemento normativo do tipo penal do art. 1º da Lei 8.137/90, uma vez ocorrida a decadência tributária temos que não há falar em tipicidade penal justamente em face da exclusão do seu próprio elemento normativo.
Inexistindo tributo devido não há crime na forma do art. 1º da Lei 8137/90, vez que todas as condutas ali previstas demandam a existência de um tributo devido como substrato fático no qual se dá a conduta do agente. Nesse sentido, afirmam Heloísa Estellita e Aldo de Paula Junior[2]:
Se o lançamento for anulado por norma individual e concreta de decadência (criada em processo administrativo ou judicial), o débito é extinto por nulidade na constituição da relação jurídica. Na ausência do lançamento, diante do reconhecimento pelo credor do transcurso do prazo decadencial, a questão se agrava porque, além da extinção do crédito (art. 156, V, do CTN), falta sua constituição, ou seja, falta a caracterização de um dos elementos do tipo penal tributário: tributo como objeto de uma relação jurídica. A norma individual e concreta da decadência atinge a validade do lançamento, retirando-o do sistema do Direito Positivo. Conseqüentemente, os reflexos penais desta retirada devem ser reconhecidos. Ora, se o tipo penal tributário toma como elemento normativo do tipo o termo tributo, que só se configura como objeto de uma relação jurídico-tributária convertida em linguagem jurídica competente (lançamento), e tendo sido a conversão fulminada pela decadência, é inviável a configuração do tipo penal tributário por ausência de um de seus elementos.
Acolhendo tal entendimento o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o instituto da decadência tributária tem idoneidade de extinguir o crédito tributário e, portanto, fulmina a justa causa para oferecimento da denúncia pela impossibilidade de se configurar o crime de sonegação fiscal, caracterizando-se como uma causa de exclusão da tipicidade do art.1º da Lei 8.137/90. Nesse sentido: STJ – REsp nº 789.506/CE – Ministra Relatora Laurita Vaz. J. 25/04/06. DJ 22/05/06; STJ – HC nº 56.799/SP – Ministra Relatora Laurita Vaz. J. 13/03/07. DJ 16/04/07; STJ – HC nº 77.986/MS – Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima. J. 13/09/07. DJ 07/04/08; STF – HC nº 84.555/RJ – Ministro Relator Cezar Peluso. J. 07/08/07. DJ 14/09/07.
Em relação ao instituto da prescrição tributária também há entendimento no Superior Tribunal de Justiça favorável à sua aplicação em matéria penal para o fim de excluir a tipicidade do crime do art. 1º da Lei 8137/90. Nesse sentido: STJ – HC nº 86.864/CE – Ministro Relator Hamilton Carvalhido. J. 30/10/07. DJ 22/04/08.
E mesmo anteriormente à edição da Súmula Vinculante 24 do STF a ocorrência da prescrição tributária, segundo o STJ, era tida como impedimento até mesmo para a instauração de inquérito policial para o fim de apurar eventual crime tributário. Nesse sentido: STJ – HC nº 37.418/RJ – Ministra Relatora Maria Theresa de Assis Moura. J. 27/03/07. DJ 30/04/07.
Quanto ao momento de reconhecimento dos efeitos da decadência e da prescrição tributárias em matéria penal, há que se distinguir duas situações:
a)        quando o crédito tributário tem sua constituição obstada pela decadência ou se vê extinto pela prescrição antes do recebimento da denúncia, temos que a atipicidade da conduta para os fins do art. 1º da Lei 8137/90 já se encontra manifesta e, portanto, eventual ação penal se encontra desprovida de justa causa ab initio;
b)        por outro lado, caso a decadência ou a prescrição se vejam reconhecidas após o recebimento da denúncia não há falar em ausência de justa causa para a ação penal, posto que no momento da instauração da ação penal o crédito tributário se encontrava constituído ao menos aparentemente, mas é evidente que ambos os institutos assumem contorno de questão prejudicial (art. 93, caput, CPP) e a atipicidade deverá ser oportunamente declarada por sentença absolutória.
Num e noutro momento, portanto, o reconhecimento da atipicidade é inafastável.
Professor Tutor Leonardo Henriques da Silva




[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
p. 459.
[2] ESTELLITA, Heloísa; PAULA JUNIOR, Aldo de. Os efeitos da decadência do crédito nos crimes contra a ordem tributária In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ELALI, André. Direito penal tributário. São Paulo: MP, 2005. p. 26.